A realidade nua e crua tem se mostrado mais desanimadora que amigável. Pessoas lutando e correndo de um lado para o outro tentando salvar-se dia após dia. Salvar-se de suas contas, das cobranças, relacionamentos falidos, males do corpo, do espírito, da mente que mente. Salvar-se de si mesmos eu creio.
Quando faço uma observação dessas, corro o risco de excluir grande parte de culturas, filosofias e jeitos de viver que não conheço, ou ainda de deixar de fora outros tantos, mas é sobre a nossa bolha média da qual normalmente damos conta de falar.
Somos cientes que um mundo menos favorável nos deixa mais cansados, sem amigos, com decisões a tomar e pouca estrutura para amparar essas decisões. Batalhas constantes cansam o guerreiro! Estamos num “Mundo Bani” que em parte se conceitua com sua fragilidade e não linearidade. Isso posto a fragilidade é tamanha que arranjamos jeitos de dizer que está tudo bem, como se isso pudesse se dar cem por cento do tempo de fora para dentro. Amigos virtuais, contatos com gente que nunca esteve perto, a solidariedade com causas distantes fazendo de anteparo o ego que em nossa neurose mais absurda nos salva de uma real apreciação. Somos hoje mais performáticos que dramáticos.
Opostamente a solidez e frieza de uma inteligência artificial que tudo demonstra saber, está um sujeito esquálido e sem força, que ao que parece emprestou todo seu vigor para sua oponente já nomeada. Um sujeito preguiçoso de suas próprias ideias, que delega seu saber ao artificial. Que depende quase já incondicionalmente de um outro que tudo lhe dirá. Claro que se entendemos um pouquinho de como transcorre a interdição do sujeito na psicanálise, sabemos que ele já sofre por ser faltoso e busca no outro individuo sua completude, porém delegar esse lugar ou ainda, doar a um robô, perde o sentido da condição humana e de relações mais desafiadoras.
Na minha época de estudante os hospitais psiquiátricos eram confusos e cheiravam mal, mas aqueles que rompiam com uma realidade sufocante eram detidos como loucos e nos solicitavam cigarros ou havaianas, como únicos objetos concretos de ponte com a realidade. E hoje de qual realidade estamos falando, se passamos o tempo na vida virtual, fechados em nós mesmos, criando fantasias e ilusões e tomando como verdade, aquilo que não é real.
Não se trata de ser resistente ou do contra, mas entender do que estamos abrindo mão e para quem. Qual a importância de nossa cabeça pensante, pulsante e emocionada diante de tantas respostas fáceis. Não consigo esperar mais um minuto para ter uma notícia, desvendar um mistério ou solucionar uma questão, porque minha sede de conclusão, de competição e de excessiva preocupação diante de qualquer fato é tamanha que me faz escolher o caminho aparentemente mais fácil.
A busca de respostas imediatas com a inteligência artificial, remédios psiquiátricos, higienização absurda, entregas para além do confortavelmente possível e por fim isolamento social aplacam aparentemente temores perante um planejamento feito que quase nunca é levado em consideração pela vida. Nesse caso, cair e levantar minuto a minuto tornou-se desenfreado. E o que mesmo sustentará os indivíduos?
O homem entende o homem, decifra-o ou não, mas este é o parâmetro humano conhecido. O que temos a nossa frente agora é uma jovem desconhecida que estabelece uma troca absurdamente injusta e desigual, pois já entramos para o diálogo perdidos, estudados, analisados e porque não dizer fragmentados.
Então o que se faz enquanto seguimos vivendo...analisando, criticando, debatendo, cancelando, pertencendo numa velocidade ao alcance de uma clicada.
A que ou a quem recorreremos então diante de tamanhos absurdos vividos ou assistidos. Serei cancelada por me opor ou dizer o que penso sobre algo do qual não concordo? Hoje de forma justa existem punições para o desmedido que desmerece a qualquer outro, mas então para além disso qual será a forma de poder expressar-se e se fazer entender sem que com isso não se siga colecionando cadáveres.
E por que para muitos há uma sensação de enjoo permanente e um ranço de conversas repetitivas, elogios falsos, benesses, falas que estão tão longe das ações ou que são apenas falácias. A propósito isso poderia ser considerada falta de pertencimento, mas pertencer é mais que receber um “like” ou um elogio, ou ainda participar de uma composição aceita como moderna e utilitária. É por medo de serem criticadas, não compreendidas, terem de lidar com a solidão ou buscar as respostas em si mesmas que a maioria está seguindo o fluxo. Talvez!
A questão sobre seguir o fluxo é que o retorno para dentro de si mesmo, por mais que existam boas memórias sempre causará desconforto. Muitos percorrem escuridão, outros não tem muito por onde percorrer e outros precisam retirar entulhos, sombras, traumas, maledicências e outros empecilhos. Diante do trabalho a ser feito e por não ser uma tarefa simples, o que mais percebo na prática clínica é que diante do que pode ser encontrado, o sujeito retorna buscando uma suposta luz e finge adaptação. Quase uma demência, até que efetivamente estejam demenciados.
Nos vemos já!já!