Há momentos que vivemos total turbulência que nossas vidas saem de um ritmo natural e pegam um atalho que não sabemos bem onde vai dar, mas a mochila de vivências pessoais sinaliza tamanho desconforto que nos arrebata.
Algo deu errado ou saiu dos trilhos, talvez seja o destino querendo nos avisar alguma coisa. Logo tomamos nossa posição de ataque ou ficamos encalacrados sem saber qual é o próximo passo a ser dado. Esperneamos, ficamos tensos, e cada vez mais rígidos dentro do nosso modelo de atuação.
Não importa qual seja a questão é algo que nos incomoda. Incômodo é uma boa palavra que define bem quando estamos fora do nosso curso natural. Como se estivéssemos à beira de um colapso nervoso, ou com um sapato muito apertado que faz inchar os pés e dar bolhas, ou quando a bexiga está muito cheia que quase não conseguimos conter.
Sim os motivos são variados, briga em família, problemas no trabalho, um filho mais ardiloso, um equívoco, um amor despedaçado, alguém com o qual estamos travando uma luta enorme, uma doença, ou mesmo nossas sombras apontando internamente que somos fracassados e nos jogando num abismo surreal, enfim seja lá qual for a questão, ela cria uma linha reta, rígida e tensa, que logo inaugura um campo de guerra.
Talvez a abordagem psicanalítica possa nos fornecer mais claramente a compreensão e entendimento dos motivos pelos quais nos colocamos em situações limites, criamos cenários e tramas e arrebentamos imaginariamente todas as cordas; as que nos prende, impede, enrola e muitas vezes sustenta.
Eis aí um tipo de corda que começará a ser pressionada, seja por decisões, insatisfações, medos, dúvidas, traumas, fantasias, possibilidades, ego, poder ou outras manifestações. Quanto mais pensamos no assunto, quanto mais buscamos enfrentar a questão, mais tensionamos a tal corda.
A corda estabelece de cara que estamos num momento incomum, que denuncia uma instabilidade, mas ela também aponta para uma pergunta imediata, a respeito do motivo pelo qual ela foi criada, e ainda porque está tão difícil que ela venha ao nosso encontro e possamos tê-la totalmente em nossas mãos.
Não é uma resposta simples, mas eu arisco dizer que muitas vezes esquecemos que existe um processo criado a partir das nossas projeções e expectativas em torno das relações que estabelecemos, com um ou vários outros participantes da nossa roda da vida. Ali existem pessoas que também devem querer a corda em suas mãos. Na verdade, o que se quer mostrar é qual a medida da força individual mediante a força do outro, e isso acontece grandemente de forma inconsciente, e a parte consciente fica ao dispor de nossas mais profundas raízes egóicas de atuação.
Isso posto, é visível como essa corda nos dá a dimensão do sofrimento presente e como ela vai mudando seu formato, à medida que cada personagem envolvido a puxa para seu lado. Mesmo que haja um ganho secundário na devida situação a de se estar, ela, a corda, vai de alguma maneira se esgarçando, se deformando, seus fios vão se soltando até que ela se rompa.
O rompimento em si cria um silêncio momentâneo, que define uma situação que por um lado é boa, pois já não haverá mais o que puxar, ao mesmo tempo que declara a pergunta a respeito das quais as consequências de uma trama desfeita. Consequências físicas, emocionais, pessoais, de valores, de intenções apontarão para a “trama” que literalmente deixou de existir. Se essa trama te constitui em sua maior medida isso põe em risco a sua própria essência.
Sempre penso que se foi impossível manter a corda inteira, e por assim dizer a própria continuidade relacional e todas as suas intenções, já estaremos perdidos porque não haverá mais uma corda. Ambos os lados perderam, porque não há mais a trama, parte fundamental de nossa constituição.
É tão raro os envolvidos perceberem e por assim dizer se protegerem de si mesmos quando a corda está se arrebentando. O que uma das partes poderá sugerir, dialogar ou compartilhar com a outra parte envolvida para que o fim não seja arrebatador e trágico. Como conseguir que haja um ganha-ganha na situação. Salvar uma situação é também se salvar, poder dar continuidade às tramas constituintes e motivações arrebanhadas, pois caso contrário não tem motivo de prazer.
E porque é tão difícil perceber que a corda está se rompendo, sem que já não estejamos rompidos, doentes, esmagados e fracos. Qual o desejo principal de tensionar a corda e até onde é valido.
Não digo que soltar a corda seja o que se tem a fazer, mas como sustentar uma situação, por vezes, tão absurda, louca e pesada antes que nos tornemos o próprio absurdo da impossibilidade.
Será mesmo que arrebentar a corda nos protegerá afinal de nós mesmos ou nos arremessará ao mais profundo de nossas questões particulares. Quais são os instrumentos que tenho nessa pressão, qual o meu verdadeiro preparo para enfrentar essa corda. Uma corda arrebentada prematuramente pode sim causar muitos danos. Ela antecipa equivocadamente a maturidade do jogo, do diálogo, das possibilidades, da resiliência e por não dizer do entendimento.
E se o rompimento da corda nos mostrar o quanto estamos rompidos em nós mesmos, de um jeito que nos confundimos com a própria corda.
São reflexões que exigem um olhar profundo para dentro de nossa capacidade de enfrentamento, nossa maturidade emocional para as incertezas e intemperes de cada experiência diária, e acima de tudo a disponibilidade, e porque não dizer o preparo pessoal para lidarmos com o desconhecido.
As cordas e suas tramas são criativas e impiedosas quando o assunto é trazer a compreensão de nós mesmos, o quanto ainda podemos e devemos aprender sobre nossas forças e fraquezas e como nos equilibrar entre a soltura da corda ou a força que imputamos, a ponto de arrebentá-la.
Nos vemos já!já!