Muito se fala que a moeda do século é a nossa atenção - e não é por acaso. Vivemos na época que cada clique ou notificação vale muito. A olhadela mais atenta é objetivo de anúncios e feeds infinitos e apelos digitais separam-nos das preciosas dicas das nossas emoções. A promoção do ditador silencioso dos nossos nanossegundos é evidenciada em pesquisas com quebra de recordes. Em duas décadas, o tempo médio de atenção caiu de cerca de 150 para somente 47 segundos, segundo a Universidade de Toronto em 2024, e as principais plataformas apostam ainda mais na derrocada deste indicador.
O apelo digital é irresistível, capta o nosso foco, transforma em engajamento, monetiza quem produz conteúdos que prendem a nossa concentração no “túnel digital”. Assistimos com naturalidade, crianças passar oito horas diárias diante de telas, muitas vezes sem nenhum filtro ou mediação e se temos dificuldade em focar, imagine elas… O resultado? Engajamento explosivo para as plataformas, e para nós, rastros de relacionamentos rasos, ansiedade e dificuldade de concentração, pois negamos o nosso controle emocional a simples receitas de autoajuda de gurus incoerentes que circulam livremente pelas redes.
Convido-lhe a caminhar três minutos em presença e observar as pessoas da sua localidade. Seja nos transportes públicos ou à espera destes, nos passeios com cães e bebés e até atravessar uma movimentada rua, os focos estão confinados na névoa de distração. Vai notar que a maioria dos ouvidos acomoda auscultadores, que os olhos de alguns motoristas estão fincados em telas e presenciar conversas entre interlocutores que falam ao mesmo tempo, e não captam o que o outro diz.
As redes sociais, como as neurais, tem um mecanismo binário de ação que é a repetição. Vemos e reproduzimos de forma adaptável, o que está a “dar certo” e como um rebanho, assimilamos as entrelinhas globais com a máscara de “seres pensantes”. Se a modinha é a dança com passos acrobáticos de um determinado ritmo que também foi “eleito” o do momento, isso é incansavelmente imitado com uma cereja adicional que chamamos de “nossa”.
Indubitavelmente, as crianças são as mais atingidas. Nelas, o momento do desenrolar da criatividade, é atropelado e as amarras conectivas sofrem a intercessão, do vazio do ser e este vácuo pode ser constatado no olhar distante e na falta de empatia dos mais jovens. Estamos a criar gerações sequestradas pela automação e a formação de massa crítica se dilui em joguinhos em que objetivamos sempre “ganhar”, mas perdemos em convívio, partilha de saberes e conhecimento das nossas emoções. Como um exército de mortos-vivos, os antenados estão nas redes, nos feitos alheios a alimentar a comparação, e afirmar que o jardim do vizinho é mais verdejante.
Aposentamos a responsabilidade e vivemos a fugir das nossas mazelas, a culpabilizar o outro, sejam eles os pais, o governo, as oportunidades. Muitos aqui podem refutar a natureza multifacetada da atenção e afirmar que estar conectado não significa ser alienado, ao contrário, que as redes podem ser canais de informações instantâneas e um local de construção de conhecimento. Na verdade, nelas encontramos ativistas, educadores, artistas, que utilizam essas ferramentas para educar, humanizar, mobilizar, cocriar espaços colaborativos, mas os algoritmos não ajudam a estes, pois esses não se enquadram no processo de distração.
Não desejo aqui aterrorizar ou demonizar as tecnologias. O intuito é expandir a nossa perceção quanto essa moeda dinamiza a nossa vida e o quanto ela perpetua ideias repetitivas que retratam monoculturas e empobrecem o solo mental.
A falta de troca, impressões, partilhas de saberes no núcleo familiar levam o sistema a ignorar as emoções. Tudo que é considerado incómodo é atirado para o vazio do silêncio. Sem estas trocas, o processo de empatia é esquecido e os ciclos se repetem infinitamente e perpetuam dores. Inovar e produzir não são sempre sinónimos de progresso e podem ser meras distrações. Sempre haverá algo novo, mas o tempo de contemplar, analisar o que comemos, como digerimos as nossas emoções, como tratamos o nosso corpo, o nosso sentir, transformam esta desatenção em doenças físicas.
A patologia instalada poderia ser encarada como uma bênção, se parássemos para ouvir o que o nosso corpo tem a dizer. Por vezes encaramos o convite como um fim, mas e se fosse um começo? Um estalo para mudanças radicais nos comportamentos e ações? Se pudéssemos redigir um novo capítulo com mais presença? Existem práticas inspiradoras nas redes que merecem ser utilizadas como comparativos construtivos, mas cabe ao recetor compreender que por trás da publicação, da edição finalizada, há esforços, falhas e bastidores que não acompanhamos.
Permitir acolher-se nos bons e maus momentos, é antes de mais nada ser um fiel cúmplice de si. É compreender que a bobina eletromagnética, que chamamos corpo físico, deve ser pilotado pela compreensão das suas emoções. Algumas práticas simples podem auxiliar no resgate da atenção, como pausas conscientes durante o dia, para respirar e notar o corpo, fazer atividade transgeracionais, como jogos de tabuleiro, contar eventos familiares, anotar reflexões e emoções, meditar, caminhar, dançar, praticar escuta ativa, fazer diferente.
Temos a capacidade de autoavaliação e mudança de rotas. Somos indivíduos com dores, contradições, potenciais e não podemos entregar aos meios de comunicação a nossa celebração genuína de vida. Ter uma conexão responsável é exercer a nossa humanidade. Podemos caminhar equilibradamente entre a tela e o papel de coautoria da nossa passagem por este plano.
Rejeite a tese de que a sua atenção pertença a algo externo, publicidades, passatempos ou redes sociais e que isto seja uma prisão. Desconecte-se por 30 minutos hoje e leia um capítulo de um livro. Observe como a sua mente responde.
Resgate a sua humanidade e cultive a atenção profunda. As respostas estão em andar conscientemente de mãos dadas com a tecnologia e cultivar celebrações genuínas, vitórias coletivas, cooperação e apoio mútuo.