Desde que me entendo como fruto é assim, sou simbolismo entre vários povos, desde a minha forma física ao meu teor, diria, essencial. Por ser rico em sementes, há uma multiplicidade delas em mim, entendem que sou próspero. Apareço no livro do folclore judaico-cristão quando sou encontrado na terra prometida como amostra de fertilidade. Também sou citado quando me viram nos jardins do Rei Salomão, aí pronto, a associação com a prosperidade foi certa. Contaram as minhas sementes e disseram que são 613 bagas que coincidem com os 613 provérbios de outra escritura com nome de pedaço de madeira, vai saber quem é que teve este trabalhão todo de contar os meus grãozinhos... Em cerimônias e ritos da Antiguidade representava ordem, riqueza e fecundidade. Para determinado povo sou esperança de ano novo. Só por aqui, isso já não é coisa demais? Não aguento...

Inventaram hábitos e pedilâncias em meu nome, como se eu fosse um santo ou o génio da lâmpada. E então minhas sementes são usadas em carteiras, distribuídas nos cômodos da casa, transformadas em amuleto... uma infinidade de procedimentos, principalmente numa determinada época do ano. Usam a minha coroa para os tais rituais e esperam que ela possa trazer sorte e fortuna, dizem que basta cortá-la, deixar secar e depois guardar, pronto – como trazer a bem-aventurança desse jeito? Nenhuma parte de mim fica em paz... Meu preço vai lá para as alturas, uma valorização capitalista absurda com tamanha popularidade. Observei que as pessoas se aproveitam das ilusões de outras para obterem lucro com o que é tão natural quanto a existência. Deram o nome de cultura para isso, mas pra mim, cultura é a minha plantação.

Eu só quero alimentar. Ser um fruto como outro maravilhoso qualquer. Meu uso como medicina da natureza fica relegado em segundo plano perto das invencionices todas. Eu faço suco e chá deliciosos, quase ninguém comenta, posso estar em sobremesas, saladas, iogurtes e temperos, quase ninguém sabe... Até a ciência já descobriu componentes em mim que podem ajudar a humanidade com suas enfermidades e proporcionar bem-estar, inclusive fortalecer o sistema imunológico. Posso ajudar em situações importantes do corpo, como coração, pâncreas, garganta, até prevenção de alguns tipos de câncer e o mal de Alzheimer, sem contar que ajudo a controlar pressão arterial e colesterol.

Tem a ver com ações anti-inflamatórias e antioxidantes que proporciono se adicionado à dieta saudável. Os nutricionistas reconhecem muito bem minha composição e conseguem me valorizar por isso. Mas todo mundo só lembra de mim no fim do ano e no começo de janeiro...

Eu não sou o Papai Noel e não consigo trazer aquele kit de desejos, amor, paz, saúde, dinheiro, embora todos insistam exageradamente... a criatividade das pessoas poderia ser canalizada para receitas divertidas com minhas sementes, mas não é assim que acontece... todo ano é a mesma coisa...

Em Espanha sou granada e, até usaram o nome e a semelhança com meu corpo para nomear uma bomba de mão. Perséfone comeu-me no submundo, e como também simbolizo amor conjugal, ficou presa por lá e teve ela de se virar com o marido – não esquecendo da mãe que já era a própria fertilidade da terra. Estou presente na mitologia greco-romana como símbolo de amor, vida e também morte, uma vez que Hades usou minhas tais propriedades, porém no seu misterioso reino dos mortos. Minha árvore foi consagrada a Afrodite, pois além da fecundidade e da paixão, acreditam que eu tenha poderes afrodisíacos. Acho que pela minha cor vibrante e caliente, vai saber, o povo inventa cada uma...

Fiquei estarrecido com outra história que envolvia a minha pessoa e fertilidade, amor, essas coisas... foi na minha estadia no submundo. Quando Hera mandou cortar Dioniso em pedaços, Zeus conseguiu salvar seu coração que ainda batia e o transformou numa poção junto com as minhas sementes! Virei bebida mágica que engravidou Perséfone para que Dioniso renascesse no reino dos mortos. Sou ponte entre mortalidade e a imortalidade. Mais esta para minha conta!

Até a procedência do meu nome é discutível... pode ter vindo do latim, ainda com três opções, mala romana ou maçã romana, malum punicum ou maçã cartaginesa e malum granatum ou maçã granulada, mas entre os romanos e árabes, parece que a origem hebraica de rimmon prevalece... eu não tenho certeza de nada. Ouvi uma história outro dia, mais uma!, que apareço na mitologia iraniana que acredita que não era maçã o fruto desejado da tal árvore sagrada, e sim, euzinho! Estou em crise. Agora ao falar em voz alta as possibilidades da minha origem, explica a confusão de maçã e romã... é mais estranho que eu pensei... não tenho nada a ver com a querida que, de comum, só temos a cor e o final do nome.

É muita responsabilidade, que fardo mais pesado tanta coisa em cima de mim... em torno de mim, do meu nome, da minha energia... Preciso de ajuda. Não bastasse tudo isso, ainda por cima sou fruto e sou substantivo feminino, aiminhadeusa, eu só quero estar em paz. Por que justo a mim me coube ser eu? E o analista, em silêncio, limitou-se a aproximar a caixa de lenços.