Após a Segunda Guerra Mundial, os estudos geopolíticos foram banidos do espectro acadêmico em todas as partes. De maneira generalizada, acreditava-se que eles haviam servido de instrumento ideológico nazista de condução das desventuras de Hitler ao encontro do “espaço vital” de seu Reich alemão. Nesse sentido, especialmente na União Soviética os geógrafos e politólogos envolvidos nessa área foram sumariamente demitidos após 1945. Na Itália, na França e no Japão igualmente. Nos Estados Unidos da América, no entanto, a repulsa absoluta foi nuançada pelo behaviorismo.
A chamada “revolução behaviorista” foi notadamente norte-americana e se estabeleceu após o chão de ruídas nas batalhes da segunda Grande Guerra. Nos campos da ciência e do saber, essa revolução procurou validar a cientificidade do conhecimento acadêmico e universitário. A sua intenção geral era a superação de supostos e especulações abstratas e metafísicas nos campos científicos. Queria-se eliminar o diletantismo ambiente em todas as áreas e eliminar aquelas áreas que não justificassem a sua existência matizada em critérios ontológicos, epistemológicos e metodológicos. Partiu-se, assim, para a uma verificação do rigor das áreas com pretensão de cientificidade. Isso levou os geógrafos universitários norte-americanos envolvidos com estudos geopolíticos a um profundo exame de consciência metodológico.
Richard Hartshorne (1899-1992), em 1950, foi o pioneiro nessa reflexão e, com ela, produziu uma abordagem funcionalista para o estudo da espacialidade do poder do estado. Sua hipótese sugeria que o estado era produto de um “todo efetivo” que mobilizava forças centrífugas e centrípetas de regiões em suas variadas escalas, formas e realizações. A partir de 1952, foi a vez de Jean Gottmann (1915-1994) aportar a sua contribuição a partir da noção similar de “todo efetivo”. Mas um “todo efetivo” revestido da interação de fluxos, representações e aparelhos de poder.
Essa abertura metodológica suscitada por eles dois, Hartshorne e Gottmann, avivou a convicção da importância da reflexão geopolítica na compreensão das dinâmicas do mundo reconhecendo-se não se tratar simplesmente de artifício nazista, mas de instrumento científico, epistemologicamente consistente e metodologicamente bem organizado. Especialmente para uso de norte-americanos e britânicos naquele início de Guerra Fria. Não ao acaso, foram eles, os anglo-saxões, que reabilitaram desavergonhadamente a necessidade de cadeiras de estudos geopolíticos nas universidades e nas instâncias de ação política.
O seu aporte metodológico principal passou a reconhecer o estado como ator único e racional. A sua abordagem começou a envolver uma análise localizada e em escala reduzida dos conflitos globais e mundiais desse estado. Nessa abordagem, o espaço e os fatores geográficos iam entendidos como fator bruto. Base relativa do estado. Local de disposição de indústrias, recursos naturais e redes urbanas. Realidade estável projetada em “divisão de espaço, estrutura e configuração de território”. Nesse aspecto, desde a perspectiva norte-americana, os estudos geopolíticos se transformam em estudos de cálculos de riscos políticos da atuação do estado no meio internacional. Um pouco da tradição alemã. Mas também muito de Mackinder e Mahan. Mas agora o foco era mais explícito na conformação do estado diante das perspectivas globais de seus conflitos vizinhos. Afirmava-se assim, a escola estatista ou georrealista de estudos geopolíticos.
Essa nova abordagem de novas ênfases aos estudos geopolíticos ultrapassou rapidamente as fronteiras da geografia e incorporou, notadamente, diversos economistas, historiadores e politólogos ao debate. Colin Gray (1943-2020), Immanuel Wallerstein (1930-2019) e Peter Taylor (1944- ) foram algumas das referências principais. Todos se esforçaram na construção de um novo modelo de explicação e compreensão que acabou por se afirmar como “sistema-mundo”. Gray deu atenção aos fatores permanentes da “realidade geográfica global”. Wallerstein reabilitou a abordagem sistemática de poucas variáveis em perspectiva temporal de longa duração. Taylor seguiu os passos de Wallerstein para enfatizar o impacto de conformações espaciais no condicionamento de realidades políticas e econômicas.
Esse esforço de modelagem da realidade mundial forjaria diversas representações do mundo que seriam, em seguida, corrente e amplamente endossadas por geógrafos como Gearóid Ó Tuathail e Saul Cohen, historiadores como Zbigniew Brzezinski e François Thual, cientistas políticos como Henry Kissinger, Samuel P. Huntingnton, Paul Lorot e Philippe Moreau Defarges e juristas como Marie-France Garaud.
Com a aproximação do fim da Guerra Fria, esses modelos estatocêntricos foram superados por perspectivas mais dinâmicas, prospectivas, divergentes e complexos. Francis Fukuyama sugeriu o seu “fim da história”, Kaplan “a anarquia sem fim” e Samuel P. Huntingnton “o choque de civilizações”.
Esses novos modelos nessa nova realidade aberta pelo fim da União Soviética colocaram em descrédito a cientificidade dessa escola estatista. Concluiu-se que seus aportes simplesmente a colocavam em rivalidade com áreas mais epistemologicamente consistentes como a Ciência Política, Geografia, Estratégia, Sociologia, História e Relações Internacionais. Exigiu-se uma melhor definição de seu arcabouço.
Geopolítica da fome de Josué de Castro é considerada a obra inaugural da escola geográfica dos estudos geopolíticos. Publicada em 1952, ela superou todos os simplismos dos aportes materialistas e toda a proeminência excessivamente estatocêntrica dos aportes da escola estatista nascente. Em lugar de compulsar o entendimento da “arte da ação política na luta entre estados”, o médico brasileiro propunha um “método de interpretação das dinâmicas de fenômenos políticos dentro de sua espacialidade”. Ou seja, considerava relevante a valorização equânime de dimensões físicas e culturais do espaço tais e quais aspectos políticos, regras sociais, estruturas de produção, divisão de riquezas assim como todos os seus impactos sobre a realidade política. Essa inovação analítica alimentou a emergência de um novo discurso geopolítico baseado na geografia sem se limitar ao estado nem às suas pretensões de potência.
Diante da Associação de Geógrafos norte-americanos, Hartshorne, em 1954, lembrou aos seus colegas que o estudo da política era “uma parte essencial da geografia”. Entretanto, esse estudo necessitaria de um trato original. Essa originalidade começou a emergir justamente a partir da repercussão mundial da obra de Josué de Castro que permitiu a geógrafos ingleses e norte-americanos desenvolver um discurso geográfico para os estudos geopolíticos. Um novo discurso que compreendeu a complexidade das fronteiras como seu tema central.
J. V. R. Prescott foi, certamente, o primeiro a incorporar o estudo de fronteiras como fundamento do estudo da geopolítica. Desde 1965 com a publicação de seu The Geography of Frontiers and Boudaries que a discussão de fronteiras passou a ter uma pertinência toda especial no campo da geografia e dos estudos geopolíticos. Fronteiras num sentido amplo. Para além das rivalidades estatais. Fronteiras como inscrições num espaço que pode suscitar conflitos de toda sorte. Kevin Cox (1939- ), na mesma senda, iniciou estudos pioneiros sobre geopolítica urbana ao analisar conflitos intercomunitários decorrentes de representações de fronteiras. No caso do Canadá, diversos geógrafos se debruçaram sobre as dinâmicas internas de um país dividido por atenção e assédio do Quebec e dos Estados Unidos da América. Notou-se, assim, a prevalência de aspectos geográficos na afirmação de questões territoriais e identitárias naquele espaço. Nesse mesmo sentido, esses aportes avançaram sobre a discussão global de territorialidades.
Fronteiras, territorialidades e espacialidades inserem essa nova abordagem geopolítica numa perspectiva construtivista do conhecimento se distanciando completamente das premissas da escola materialista e da estatista. Admitindo-se, assim, a dimensão multiescalar de todas as abordagens assim como o que permite uma imensa diversidade de seus temas. Seguem numerosos os geopolitólogos afiliados a essa escola geográfica sendo John Agnew, Michel Foucher, Paul Claval, Stuard Corbridge e Yves Lacoste alguns deles.