Na debacle da França em 1940 parecia – para a Europa, o Mundo Livre, as democracias hesitantes e para o mundo inteiro – que tudo estava perdido. Quando a Luftwaffe tornou corriqueiro o seu dilúvio de fogo sobre o Reino Unido – por todas as partes, inclusive sobre a capital – também pareceu ser o fim das esperanças. Quando, no outono de 1940, o presidente Roosevelt pediu paciência ao primeiro-ministro Churchill a frustração venceu a esperança e a desesperança deu lugar a desespero. Esperar-se-ia até novembro-dezembro para a Casa Branca e o Congresso norte-americano começar a mudar de opinião. Iniciando-se, em novembro, com a reeleição de Roosevelt. Que, agora, dezembro-janeiro, permitia-se respirar e partir para além do New Deal, para além dos Estados Unidos e para além dos acordos prévios e internos entre os norte-americanos.
1941 começou assim. Com os norte-americanos reconhecendo a gravidade da situação. Aliançando-se com Churchill. Aproximando-se. Reavivando passados comuns. Fraternidades, irmandades, convicções. Até, no mês de agosto, calcinar-se a Carta do Atlântico. Uma formalização de princípios, caminhos e intenções. Amplificados pela efeméride de dezembro, no dia 7, em Pearl Harbor.
Pearl Harbor mudou tudo em todas as partes. Mas, especialmente nos Estados Unidos, levou os norte-americanos a perceber a dimensão mundial da audácia, do perigo e da agonia. E, mais que isso, que era preciso agir mais, mais forte, mais rápido e com mais presença. Afinal, era o Ocidente – e seus valores – o objeto da fúria. Restando aos norte-americanos, então, somente e simplesmente, agir. Agir rápido. Agir seguro. Agir forte. Engajando-se verdadeiramente. Primeiro no Europa. Depois na Ásia. Entrelaçando todos os oceanos, mares e rios. Adentrando continentes. Dominando montanhas, campos e vales. Apostando na sorte. Que, ainda em 1941, começou ao vir do Leste, de Moscou, com o frio, com Stalin.
Hitler invadira Moscou, e Stalin reagiu. Reagiu forte. A Wehrmacht estacionou a seis quilômetros do Kremlin. Poderia ser o fim. Mas, não. Stalin manteve-se tranquilo. Frente-à-frente com Tolstoi. Relendo Hadji Murat. Revisitando a bravura dos mujiques e ressignificando a determinação dos eslavos.
Era outubro de 1941.
O Reich avançando a Leste e Stalin relendo, tranquilamente, Ivan, o terrível, para quem a geografia, a demografia, a história e a mentalidade sempre foram mais relevantes que momentos.
A União Soviética vivia seu momento-limite. Até que Stalin mandou liberar detentos na Sibéria. Reabilitou generais importantes. Confabulou com religiosos. Decidindo que não, não era o fim. Dando início à reversão.
Era novembro de 1941.
Fez-se uma imensa parada militar em Moscou. Stalin deixou de utilizar a expressão “camaradas” em favor do chamamento “irmãos e irmãs”. Passando a aclamar, em discurso famoso, “Irmãos e irmãs, em nome do sangue e em nome de Cristo vamos ganhar essa guerra”.
Hitler, em Berlim, sorriu. Mas não por muito tempo.
Veio Stalingrado.
Depois o momentum Paulus.
Coincidindo com a operação Tocha – desembarque dos aliados no Marrocos e na Argélia em 1942.
Que levaria Churchill a anunciar o fim do começo:
Now this is not the end. It is not even the beginning of the end. But it is, perhaps, the end of the beginning” [Ainda não é o fim. Também não é o começo do fim. Mas, talvez, o fim do começo].
Que avançaria no ano seguinte. 1943. Com o longo momento de mutação, maturação, encaminhamento e definição da guerra. Em todos os cantos, em todas as frentes e todas as zonas de operação.
Nada estava perdido, para ninguém. Pra Hitler nem pra Stálin; tampouco para Churchill nem Roosevelt. Mas o Reich começava, nitidamente, a deixar de ganhar.
As forças dos aliados estavam todas operacionais. Os norte-americanos haviam investido recursos – intelectuais, financeiros e humanos – imoderadamente em todas as frentes. Fazendo os ingleses conduzirem os seus potenciais industriais e tecnológicos a níveis superlativos assim como os soviéticos a empenhar esforços demográficos jamais mobilizados em todas as histórias de guerras. Proporcionando façanhas extraordinárias doravante.
Como o desembarque no Mediterrâneo, a reconquista da Itália, a liberação de Roma, o desembarque na Normandia e em Provença, a reconquista de Paris, a liberação da França. Sem contar as variadas intervenções na Ásia e na Eurásia, a retomada da ilha Mariannes e a operação Bagration. Causando verdadeiro desvario no Reich. Levando o chão, o controle e a convicção a, pouco a pouco, fugirem de seus pés. Chegando ao zênite naqueles dias de abril. Abril de 1945. Durante e depois do último aniversário do Führer, no 20 de 20 de abril.
Quando o “tudo é perdido!” virou o martírio do Reich e do mundo inteiro. Deixando para traz a memória de tragédias. Onde todas as relações humanas foram brutalizadas. A Modernidade virou, essencialmente, anacrônica. Crises, dramas, traumas tornaram-se banais. Barbaridades e barbarismos também. Tão logo foram sendo descobertos os extremos de Belzec, Sobibor, Treblinka, Kulmohof, Majdank, Auschwitz, Birkenau e realizando-se o horror de Katyn e a ignomínias em Tóquio, Hiroshima e Nagasaki.
Sim: 1945 foi isso.
Chão de ruínas, chão de tragédias, chão de batalhas.
O momento em que – para Hitler e para o Reich –, enfim, sim, “Tudo é perdido!”.















