Pouco se fala sobre o consentimento feminino sobre seu corpo e suas vontades. Nem mesmo as mulheres parecem ter consciência da importância do seu sim. Instruídas desde a mais tenra idade a serem doces e generosas, dizer não, não é aceitável para o perfil das melhores moças e mulheres da sociedade.

Sara não era diferente. Sempre acreditou que deveria ser dócil e gentil, especialmente com seus pretendentes. Ela sempre acreditou ter que ser educada e dizer sim para tudo que seu namorado desejasse. Ela não considerava seus desejos. Na verdade, nem os conhecia. Não tinha nem com quem conversar sobre isso. Não lhe parecia certo priorizar suas vontades. Dormia e acordava com a ideia fixa de ser a melhor mulher para que algum ótimo partido a escolhesse.

Sim, ser escolhida era o grande objetivo de toda a sua vida. Do alto dos seus 27 anos, ainda sem ter se casado, era alvo fácil nos encontros de família. Nunca escapava da fatídica pergunta: Está namorando? Na sequência de sua resposta negativa, era certo, ao menos meia hora de um discurso cuidadosamente voltado para como ela deveria se comportar para atrair um bom homem.

Não raro ela chegava em casa e trancada em seu quarto chorava todas as lágrimas que fingia não ter na frente dos outros. Nem mesmo Sara era capaz de enxergar suas outras conquistas.

Uma mulher independente e que havia se formado na sua área de interesse e trabalhava com a sua grande paixão, atender pessoas. Por vezes, o que acontecia era se sentir uma impostora. Como ela poderia ser psicóloga, aconselhar e acolher pessoas, se ela mesma vivia um caos em sua vida.

Todos os dias seu maior tormento, e talvez seu objetivo secreto, eram encontrar o par ideal. Sua vida girava em torno de finalmente encontrar o príncipe encantado. Aquele homem que a validaria e a tornaria uma mulher completa e digna de ser admirada e respeitada por todos.

Ela se sentia sim, completamente incompleta. Não bastasse ela se sentir assim, as pessoas a sua volta jamais a deixavam esquecer que ela estava ficando “velha” e que seria cada vez mais difícil encontrar o eleito.

Na busca insana e frenética de encontrar o seu Romeu, ela se jogava em qualquer mínima oportunidade que aparecia. Estava sempre de dieta e cheia de cuidados com o corpo, cabelo, rosto, pele e unhas. Os cuidados não eram para se sentir bem consigo mesma, eram tão somente para ser mais atraente ao esbarrar com um homem na rua.

Sara era uma mulher muito inteligente, sagaz, perspicaz e todos também diziam isso. A melhor amiga que alguém pode ter, era assim que os amigos a reconheciam. Mas, ela não queria amizade.

Aliás, não raro, quando estava em um relacionamento que dava mínimos sinais de levá-la ao altar, ela se afastava dos amigos, a pedido de seu amado. Sara não deixava que nada e ninguém pudesse atrapalhar seu romance perfeito.

Um belo dia, depois de duas semanas de vários encontros apenas casuais, ela estava exausta e deprimida. Mesmo ela sendo uma mulher incrível na noite, dividindo a conta e até mesmo, em alguns casos dizendo o sim que os homens queriam, ela não recebia mensagens ou contatos nos dias subsequentes.

Muitas vezes ela se arrependia e muito da noite, mas ela não era mesmo boa em dizer não. Naquele dia, já cansada e sem conseguir entender o que acontecia. Porque será que os homens não se interessavam em continuar saindo e conhecendo ela?

Ela decidiu desbloquear um ex namorado de muito tempo. Ela desconsiderou o motivo do término completamente. Logo ele entrou em contato e o frio na barriga tomou conta dela.

Fazia muito tempo que ela não se sentia tão amada. Foi quase instantâneo que ele entrou em contato, a sensação era que ele estava monitorando e esperando poder falar com ela.

Ele propôs o encontro naquele mesmo dia. Ela até tinha outro compromisso, tinha combinado com as amigas um bate papo e um happy hour. Tentou argumentar com ele e agendar para o dia seguinte, acontece que ele não aceitou. Ele dizia que se ela o amava mesmo seria capaz de largar tudo por essa oportunidade de reencontro.

Sara, então, envolvida demais, disse que sim, iria encontrá-lo logo mais. Cheia de vergonha, inventou uma dor de cabeça súbita e uma diarreia, foi assim que dispensou o encontro com as amigas.

O reencontro foi quase um clássico de filme, no melhor estilo que ele costumava fazer. No entanto, Sara não escolheu ou decidiu nada, apenas aceitou e cedeu a todas as vontades dele. Ela não conseguiu dizer um mísero não.

A única coisa que ela conseguiu foi insistir em voltar para sua casa. Mesmo muito contrariado, ele aceitou. Ao chegar em casa, olhando para o espelho naquela noite, Sara percebeu que toda sua vida havia sido guiada pelo desejo de agradar, mesmo que isso significasse ignorar a si mesma.

A cultura do estupro não está tão somente e apenas em atos extremos, mas na forma como as mulheres são ensinadas a serem submissas e a agradar.

Ela decidiu buscar ajuda, conversar com amigas e se reconectar consigo mesma. O primeiro passo? Aprender a dizer 'não' com segurança e convicção.