—M. Hyndormais, ele chegou.
—Peça que entre, por favor.
A secretária assentiu com a cabeça e saiu. Instantes depois, voltou acompanhada por um jovem de vinte e poucos anos, ao qual anunciou – M. Louis Rélleivaux.
O velho editor levantou-se e, sem sair de perto de sua cadeira detrás da imensa mesa de mogno, estendeu a mão para cumprimentar o rapaz. Tímido, ele retribuiu o cumprimento.
Havia décadas que Eugène Hyndormais estava na mesma área. Fôra o responsável por publicar (e até por descobrir) inúmeros autores e autoras de todo o reino. Porém, suas principais publicações eram de Edgard e Charles Vicarty, pai e filho, que atingiram o estrelato através de seus escritos, cada qual com suas características e seu estilo próprios.
Trabalhava de um modo diferente da maioria das editoras no mundo: além de aceitar originais enviados por pessoas que quisessem publicar com ele, gostava de, vez ou outra, entrevistar quem estivesse no começo de sua carreira para observar seu potencial e ajudar a desenvolvê-lo, caso achasse viável. Foi o que aconteceu com Charles Vicarty, que acabou por demonstrar uma imensa habilidade para a escrita, talvez herdada do pai.
Porém, começava a se sentir ligeiramente cansado, embora jamais demonstrasse. É bem verdade que gostava da agitação dos preparativos para uma nova obra, das coletivas de imprensa (como no caso dos Vicarty) e da possibilidade de conhecer novos escritores e escritoras, mas percebia que não rendia tão bem como antes – e era um perfeccionista, o que agravava o quadro. Estava então preparando o neto, Victor-Honoré, para assumir seu posto em breve.
Viu à sua frente um jovem alto e magro, bastante tímido. Não deveria ter mais do que vinte e cinco anos, pelos seus cálculos. Havia se formado em Literatura Francesa pela Université de Lanesville, na Capital do reino, e viajara para Terre de Sainte-Sophia a fim de começar nova vida.
—Seu currículo é excelente, M. Rélleivaux. Também gostei bastante do material que nos enviou – embora, digo desde já, nossa editora seja especializada na publicação de prosa (sobretudo romances), peças e ensaios.
—Agradeço pelo elogio, M. Hyndormais. Sei disso, mas vim com uma proposta de romance. Não tenho nenhum terminado ainda, por isso mandei alguns contos. E agora estou trabalhando num que talvez interesse.
O editor levantou uma sobrancelha. Era bastante coragem, para alguém aparentemente tão tímido, aparecer numa entrevista com tão pouco material concluído.
—Gosto da sua confiança, M. Rélleivaux. Conte mais sobre esse projeto.
O rapaz ficou em silêncio por alguns instantes, como que tomando coragem para relevar um segredo ancestral.
— É uma ideia que tive ainda na faculdade, depois de uma viagem ao Egito. Não sei se conseguirei explicar totalmente, mas acredito que sim. Não se trata de nada muito complexo nem muito novo, talvez: acima de tudo, ou antes de tudo, é um grande exercício de imaginação.
— Continue.
Hyndormais inclinou-se um pouco para a frente, de fato interessado.
—Nessa viagem que fiz ao Cairo, com alguns colegas de turma, fiquei muito impressionado com aqueles verdadeiros tesouros que a Antiguidade nos deixou. Então pensei, como exercício de imaginação – conforme já comentei: como seria o mundo se fôssemos herdeiros não da tradição greco-romana, mas da egípcia, do auge do Egito Antigo? Será que ainda teríamos uma sociedade semelhante a que temos hoje? Como seriam a cultura, as artes, a economia, a política, a religião? A grandeza de um projeto como esse ficou bem clara para mim quando me deparei com a imponente esfinge e com seus olhos que já observaram o mundo por tantos séculos.
Hyndormais ficou impressionado. Não era algo tão original – afinal, Histórias paralelas e imaginadas já haviam sido escritas aos montes –, mas era um tópico que, bem trabalhado, poderia render bons frutos.
—Gostei muito de sua proposta. Acho que o senhor tem potencial para desenvolver esse assunto, pelo que li nos seus escritos. Então seria um romance ambientado nos tempos atuais a partir de uma hipotética influência do Egito em seu auge?
—Exato.
—Façamos então o seguinte: dou-lhe dois meses para que me mande o primeiro capítulo dessa obra. Se conseguir mandar mais deles, melhor. Depois, diminuiremos o prazo dos capítulos seguintes até a conclusão. Será que terminamos por volta de Dezembro? Seria interessante a publicação já no início do ano que vem, se tudo correr a contento.
—Pode contar comigo, M. Hyndormais. Terminarei o quanto antes – palavra de honra!
Era visível que o tímido rapaz havia se iluminado com aquela oportunidade. O velho editor, percebendo o entusiasmo juvenil (que ele mesmo tivera, ao começar a trabalhar com o pai), ficou muitíssimo satisfeito. Ambos levantaram e se cumprimentaram novamente.
—Aguardo pelos seus escritos, M. Rélleivaux. Acredito que teremos todos uma grata surpresa com o resultado.
—Também estou muito confiante! Agradeço imensamente, M. Hyndormais.
O rapaz saiu e deixou a porta apenas encostada. A secretária reapareceu na sala do editor.
—Como foi a entrevista?
—Ótima – depois passarei os detalhes, Mme. Géronsy. Agora é aguardar.
Sorriu novamente, satisfeito com mais aquele episódio em sua longa carreira.