Em muitas zonas, a linha de fronteira é marcada por rios, serranias e vales profundos, oferecendo um cenário deslumbrante e selvagem. A beleza natural da raia, com as suas montanhas e áreas de campo, cria uma atmosfera de tranquilidade e introspeção, que contrasta com as zonas mais urbanizadas e movimentadas dos dois países.

Caminhos do contrabando

Já antes do regime salazarista em Portugal (Estado Novo), e mesmo nessa época, a prática do contrabando tornou-se quase institucionalizada em algumas zonas. A região que marca essa linha divisória foi palco de uma complexa rede de relações comerciais, sociais e, muitas vezes, ilegais.

As restrições de exportação e as diferenças económicas entre os dois países criaram uma situação propícia para o tráfico de mercadorias, especialmente produtos como tabaco, bebidas alcoólicas, roupa e aparelhos eletrónicos. Aquilo que para o estado era algo ilícito, para o povo era aceitável, pois as necessidades de todos faziam com que não existissem quaisquer denúncias. Sem o pagamento dos respetivos direitos alfandegários era possível obter ganhos extra para aqueles que vivam apenas dos trabalhos na agricultura. Embora a configuração da fronteira atual entre Portugal e Espanha só se tenha consolidado com a formação dos reinos medievais e, mais tarde, com a definição das fronteiras modernas nos tratados de paz entre as potências europeias, o conceito de fronteira e a circulação clandestina de mercadorias já existiam muito antes, na Antiguidade.

Portugal, mais pobre e isolado, estava sujeito a políticas fiscais mais restritas que afetavam a população, enquanto a Espanha, com uma economia mais integrada aos mercados internacionais, estava em posição de controlar melhor o comércio legal. Os comerciantes e habitantes das áreas fronteiriças, muitas vezes em situação de extrema pobreza, recorreram ao contrabando como forma de subsistência.

O contrabando de bens como tecidos, tabaco, vinho e até mesmo armas foi uma constante ao longo dessa época. Além disso, o facto de a raia ser uma zona de difícil vigilância, com inúmeras rotas transfronteiriças, facilitava ainda mais a prática.

Após a Revolução de 1974 em Portugal, e com a adesão de ambos os países à União Europeia, a prática do contrabando diminuiu consideravelmente. Contudo, os reflexos históricos da zona da raia como um "território de contrabando" mantiveram-se vivos em certas práticas locais, especialmente em regiões de maior pobreza e onde a distância das grandes cidades facilitava o comércio ilegal.

As disparidades económicas entre os dois países e a proximidade de mercados paralelos, como os de tabaco e álcool em Espanha, mantiveram o contrabando ativo, embora com outros produtos e mais sofisticado, como o tráfico de drogas e mercadorias de alto valor.

História e fortalezas

Historicamente, a raia foi uma região de grandes tensões políticas e militares, mas também de trocas culturais e comerciais.

A fronteira luso-espanhola, estabelecida para a posteridade pelo tratado de Alcanizes em 1297, é a linha de fronteira mais antiga do mundo.

Ao longo dos séculos, a fronteira foi palco de disputas e conflitos, mas também de relações intensas entre os povos. As fortificações e castelos que pontilham a região, como o Castelo de Almeida ou a Fortaleza de Valença, são testemunhos de uma história de defesa, mas também de troca entre duas culturas com raízes profundas e comuns.

Já no século XVI, a governo do Rei D. Manuel I, se escrevia sobre estas fortalezas que separam as duas terras. Intitulado “Livro das Fortalezas”, é o manuscrito do autor Duarte de Armas e contém desenhos dos 56 castelos fronteiriços de Portugal.

Cultura e gastronomia

O que realmente torna a zona da raia única é a sua capacidade de ser uma ponte entre estes dois países. A proximidade com Espanha cria uma fusão de culturas que se manifesta em todo o quotidiano: desde a língua, com o uso de expressões comuns aos dois lados da fronteira, até à música, como o fado e a música popular espanhola, que se misturam em algumas festas e celebrações.

A própria fronteira, que por tanto tempo foi vista como uma barreira, tem vindo a ser reinterpretada como uma oportunidade para a colaboração transfronteiriça, através de projetos conjuntos nas áreas do turismo, da cultura e até da agricultura. Um exemplo disso é o Programa de Cooperação Transfronteiriça Portugal/Espanha (POCTEC). O Programa está organizado territorialmente em 5 Áreas de Cooperação: Galiza/Norte de Portugal; Norte de Portugal/Castela e Leão; Centro/Castela e Leão; Alentejo/Centro/Estremadura; Alentejo/Algarve/Andaluzia. Desta maneira podemos assistir anualmente a festas em toda a zona fronteiriça e o objetivo é sempre o mesmo: criar laços entre os dois países.

A Festa de Fronteira – Feira Transfronteiriça, entre as aldeias de Petisqueira, da União das Freguesias de São Julião de Palácios e Deilão (Portugal), e de Villariño de Manzanas, do Ayuntamiento de Figueruela de Arriba (Espanha), que no próximo ano festeja a sua 38ª edição.

A Feira Raiana, em Idanha-a-Nova, que a cada ano completa o cartaz com nomes de artistas portugueses e espanhóis.

O Festival do contrabando em Alcoutim (Portugal) e Sanlúcar de Guadiana (Espanha)

Percursos pela zona fronteiriça

Desde Caminha até Vila Real de São António, claro que há muitas maneiras de lá chegar, principalmente se a escolha for a autoestrada, com um percurso mais rápido de 6h e 14min numa distância de 699km. Mas, da Raia ou La Raya se fala e por isso o caminho será outro. Assim, desde lá bem no Norte até ao Sul de Portugal, num percurso fronteiriço, há um total de 1214 km.

Existem vários percursos com as respetivas paragens a fazer ao longo da fronteira, mas os que mais se podem encontrar são percursos locais. Ou seja, percursos que ajudam a percorrer a Raia, mas por troços. Por exemplo, o troço do ponto de partida na Raia minhota, que inicia em Caminha, o troço que abrange apenas a Raia Transmontana ou até a Raia Alentejana.