Da construção de abrigos à manipulação de plantas medicinais, passando pelo conhecimento profundo dos ciclos das estações e as fases da Lua, o ser humano sempre esteve em conexão com a Natureza.

As mulheres, em especial, desenvolveram essa habilidade de ler nas entrelinhas do universo que nos rodeia, cultivando plantas, lendo os sinais do céu, observando o comportamento dos animais e transformando isso em sabedoria aplicada.

Foi somente quando os primeiros assentamos humanos começaram a existir e a ideia de propriedade privada tomou conta das culturas que a mulher começou a ser vista de uma maneira diferente.

Seus conhecimentos, que compreendiam o saber da vida e da morte, passaram a ser vistos como ameaça. Sua influência nas comunidades, como uma afronta. E seu poder criador como algo a ser controlado.

Mas eis que hoje presenciamos um renascer desses conhecimentos, preservados de forma cuidadosa pelas raizeiras, parteiras, benzedeiras, curandeiras, doulas, bruxas, xamãs, abuelas, mães de santo e tantas outras faces do feminino.

E uma das expressões desse renascimento é, sem dúvida, a ginecologia natural.

O que é ginecologia natural?

Ginecologia natural é um movimento que resgata os saberes ancestrais femininos de inúmeras culturas, como maia, asteca, mexica, inca, brasileira, entre outras, com o propósito de promover a saúde da mulher de forma simples, natural e individualizada.

Esse movimento considera que a saúde não é apenas a ausência de doenças, mas um estado de bem-estar físico, emocional, mental, espirititual e social.

Logo, a ginecologia natural se utiliza de uma série de ferramentas e conhecimentos para tratar diversos desequilíbrios de saúde com base no contexto socioeconômico e geográfico de cada mulher.

Com essa abordagem, a ginecologia natural se propõe a ser não só um método de terapia holística, mas também um movimento político que visa o empoderamento e a autonomia das mulheres sobre seus corpos e realidades.

Qual a importância da ginecologia natural no contexto atual?

De acordo com o Fórum Econômico Mundial, as mulheres passam 25% mais tempo com problemas de saúde debilitantes do que os homens.

Além disso, apenas 1% de todo o investimento em pesquisa e inovação em saúde é destinado a investigar doenças exclusivamente femininas.

Essa lacuna de saúde acumula 75 milhões de anos de vida perdidos para as mulheres em todo o mundo.

Além de tudo isso, as mulheres ainda são expostas a mais dor, tempo de espera e subdiagnósticos, o que evidencia uma clara disparidade de gênero na saúde.

Nesse sentido, a ginecologia natural pode liderar uma verdadeira transformação na vida dessas mulheres, atuando fortemente na prevenção de doenças, na educação para a saúde e também no tratamento de desequilíbrios como candidíase, endometriose, miomas, síndrome do ovário policístico, entre outros.

Com tratamentos à base de plantas e ferramentas naturais, a ginecologia natural tem potencial para levar alívio e cuidado aos mais de 1,5 bilhão de mulheres sem acesso a serviços essenciais de saúde em todo o mundo.

Esse método terapêutico pode, ainda, contribuir para a redução de custos em saúde, pois considera os recursos naturais locais de cada comunidade na hora de prescrever quaisquer tratamentos.

Somada a conhecimentos ancestrais, como o Ayurveda, a ginecologia natural pode, também, proporcionar mais qualidade de vida a essas mulheres, munindo-as de recursos e ferramentas que podem ser aplicados em casa.

Ginecologia natural: reconexão com o corpo, mente e espiritualidade

Não é novidade que as mulheres são sistematicamente submetidas a duplas e até triplas jornadas de trabalho. Além disso, sofrem maior pressão da sociedade como um todo para se manterem saudáveis, bonitas e altamente produtivas. Uma idealização que está longe de ser factível para qualquer ser humano.

Por isso, na hora de avaliar um desequilíbrio de saúde, a ginecologia natural não considera apenas os aspectos físicos, mas também os mentais, emocionais, espirituais e sociais de cada mulher. Ou seja, todo o contexto dela é levado em consideração para proporcionar um tratamento integral, que devolva a saúde em toda a sua plenitude.

Essa abordagem integrativa permite que a mulher se sinta amparada em todas as nuances que impactam a sua vida. Dessa forma, ela tem mais chances de restabelecer a sua saúde e mantê-la.

Mas como isso se dá na prática?

Conhecendo seu corpo

O primeiro passo para restabelecer a saúde feminina é recuperar a relação com o corpo. Amar o corpo que habita significa trabalhar muitas camadas de opressão, idealização e culpabilização, que foram construídas ao longo de milênios.

Compreender que cada corpo possui a sua forma, os seus desenhos, as suas características, é fundamental para a construção de uma relação saudável e de autoestima elevada consigo própria.

Descobrindo a ciclicidade

Todo ser humano é regido pelos movimentos das estações e dos astros. Mas as mulheres sentem mais essas flutuações ao longo dos dias devido ao seu ciclo hormonal. Diante disso, a ginecologia natural ajuda a redescobrir essa ciclicidade, aceitá-la e respeitá-la.

Estimulando o acompanhamento do ciclo menstrual, a observação das mudanças corporais e de humor ao longo do mês e as percepções emocionais e intuitivas, a ginecologia natural pode trazer de volta o prazer de se sentir bem consigo mesma.

Conectando-se com algo maior

Muitas abordagens da ginecologia natural usam arquétipos femininos para auxiliar nos tratamentos, resgatando características positivas que possam dar suporte ao processo de cura.

Ísis, Maria Madalena, Durga, Kali, Kuan Yin, Iemanjá, Oxum, Sekhmet, entre tantas outras faces do feminino, podem ser a ponte para o estabelecimento de uma maior conexão com a espiritualidade e um sentido maior de propósito.

Construindo comunidades

A ginecologia natural também se fundamenta em princípios da Tradição Andina, como o Ayllu ou formação de comunidades. Nesse sentido, ela acolhe as mulheres, criando espaços seguros de compartilhamento de experiências e vivências que têm por objetivo formar vínculos de apoio e pertencimento.

Essa característica contribui tanto para o estabelecimento de laços sociais quanto para redes de suporte em situações diversas, o que pode auxiliar na manutenção da saúde mental.