Destarte, não se trata de um artigo acadêmico, mas de uma problematização sociológica e filosófica sobre como o trabalhador e seus direitos são vistos pela sociedade, num recorte de alunos de Direito, meu campo principal de atuação.
Primeiro ponto, o Estado de Direito, ou Rule of Law, compreende uma máxima de que as leis instituídas devem ser respeitadas e aplicadas, não julgadas. No caso do modelo brasileiro, o Estado democrático de Direito assume uma ênfase extrema de inclusão e proteção social.
Segundo ponto, a proteção social ao trabalhador é comumente, na sociologia, relacionada a uma evolução do Direito, ao identificar que a primeira lei de proteção ao trabalho culmina na Declaração Universal dos Direitos Humanos e é internalizada pela Constituição brasileira, que detalha os direitos não apenas do trabalho, mas do trabalhador.
A Constituição Federal de 1988 dá destaque ao Direito do Trabalhador, pois tem como objetivo a melhoria da condição social do trabalhador. Aí assume-se a compreensão principal do texto: a melhoria da condição social é um risco para o patrão, pois impacta no bolso dele, reduzindo o lucro.
Por que reduz o lucro?
Diminuir o custo de produção ou dos serviços impõe um desafio, visto que não é possível, muitas vezes, reduzir a qualidade dos produtos, a publicidade ou os gastos com logística e distribuição. Sendo assim, o aprimoramento do lucro cria, para o empreendedor, a necessidade de reduzir outros custos, e o que comumente é impactado é o trabalhador.
Porém, até 2015 era impossível aplicar restrições trabalhistas, o que mudou após a aprovação da lei que permitia a terceirização indiscriminada. Muitos trabalhadores migraram da relação de trabalho regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para o regime de prestação de serviço por Pessoa Jurídica (PJ), regime pelo qual a não subordinação e a ausência de cumprimento de horário fixo são características. Isso constitui fraude na contratação, visto que empregados se tornam PJ e ainda têm que cumprir requisitos da CLT.
Utilizando esse contexto para explicar a questão da exploração e como funciona o trabalho por aplicativo, com sua total ausência de direitos e proteção social, dois questionamentos foram feitos. O primeiro deles é o famigerado "e o patrão?". O segundo foi "como fica a empresa que investiu em tecnologia?".
Eu perguntei, e pergunto: o que seria das empresas sem trabalhadores? O sujeito que desenvolveu a tecnologia pode trabalhar em todas as pontas? O patrão consegue fazer tudo sozinho?
Silêncio sepulcral, o qual não era o meu objetivo, mas que foi rompido com um “o Marxismo está muito ultrapassado”. A questão central não é se o método de análise sociológica está ultrapassado ou não, mas sim que o conceito tratado se tornou o assunto tratado naquela aula.
Pior, ao ser perguntado se ele entendeu O Capital, o interlocutor respondeu que não, porque leu apenas trechos do livro, já que é muito extenso. Isso diz muito sobre o ensino jurídico no Brasil, em que a ênfase é a leitura de leis e não a contextualização social da lei. Vale relembrar que o Direito é uma Ciência Social aplicada e não uma ciência puramente jurídica sem contexto social, surgida do ar perante nossos olhos.
Os estudantes de Direito de hoje defenderão nossos direitos no curto a médio prazo, e é assustadora a falta de compreensão da realidade. O ensino jurídico no Brasil reproduz senso comum, fortalecido pela falta de vontade e compromisso com a leitura.
Dessa forma, verificamos julgamentos de valor sobre algo que não se conhece, formando alicerces para a reprodução de senso comum. Isso seria como este que vos escreve opinar sobre a instalação de uma viga de concreto baseado apenas na minha opinião estética de sua existência.
Pode-se compreender a espiral de vulnerabilidade criada pelo estrito julgamento de valor dentro da academia, através do ponto de vista de quem está em um, pretenso, espaço acadêmico.
Mas o que tem a ver o trabalhador com isso?
Faz-se um julgamento de valor apoiado na narrativa neoliberal em que o trabalhador é um peso para o empresário, e isso tem o apoio de quem defende e de quem defenderá os direitos já instituídos para a melhoria da condição social do trabalhador. Vale ressaltar que grandes escritórios de advocacia utilizam do expediente de fraude na contratação, de acordo com o Ministério Público do Trabalho, com apoio da representante da categoria.
A frase final do Manifesto Comunista nunca fez tanto sentido, visto que muitos se opõem aos seus próprios direitos em favorecimento ao patrão.
“Proletários do mundo, uni-vos”.