É muito provável que não haja uma pessoa no mundo que não conheça o nome de Madonna e o seu legado, tanto como artista, como ativista, compositora, performer e ícone. Desde que surgiu em 1983 lançando seu single de estreia “Everybody”, Madonna veio para mudar paradigmas, quebrar tabus e ser lembrada como uma estrela.
Apesar de a maioria das pessoas lembrar de seus hits mais icônicos como “Like a Prayer”, “Papa Don’t Preach”, “Like a Virgem” e “Holiday” (só para citar alguns), o primeiro álbum em que a cantora colocou os pés no território experimental e artístico foi em seu quinto álbum intitulado “Erotica”.
Lançado em 20 de outubro de 1992, o álbum foi lançado logo após o polêmico livro “Sex” de Madonna. Pode-se dizer que os dois praticamente são complementares, pois os assuntos tratados em “Erotica” também foram tratados em “Sex”.
O conceito de “Erotica”, como o nome sugere, é sobre sexo, não apenas isso, mas também sobre romance e amor. O álbum aborda diversos temas tabus para a época em que foi lançado, como homofobia, sadomasoquismo, AIDS/HIV e sexo. Também foi a partida dela do som pop dançante para um som mais influenciado pelo hip-hop, house, Techno e R&B. Foi o primeiro álbum da cantora a ganhar o selo indicando conteúdo explícito.
“Erotica” é composto por 14 faixas, das quais 6 acabaram se tornando singles. O primeiro single do álbum foi “Erotica”, onde Madonna encarna a sua persona chamada “Dita”, persona essa que também aparece no livro “Sex”. O single “Erotica”, ironicamente, é o único single do álbum que fala sobre sexo. Seu segundo single foi “Deeper and Deeper”, uma música que traz de volta uma musicalidade dos tempos da era disco dos anos 70. “Bad Girl” foi o terceiro single lançado e foi uma grande inovação para época ao apresentar, ao invés de apenas um simples clipe musical, um minifilme de pouco mais de seis minutos de duração. “Fever” foi o quarto single lançado, em um ritmo totalmente diferente e inovador para época, a música é um cover da música da cantora dos anos 50 Peggy Lee. O quinto single do álbum foi “Rain”, uma linda balada em que vemos uma Madonna com a voz crua e emocional, em um dos seus clipes mais artísticos até aquele momento (sendo superado por “Bedtime Stories” de seu álbum com o mesmo nome e dirigido pelo mesmo diretor de “Rain”). “Bye Bye Baby” foi o último single lançado e tem uma pegada mais hip-hop, com os vocais da cantora sendo filtrados para parecerem uma mensagem de uma secretária eletrônica. Mas apesar de tantos singles lançados, o álbum recebeu duras críticas (muitas de forma injusta) não pela qualidade do álbum, mas pelo seu conteúdo e tema.
Desde o começo de sua carreira Madonna tem quebrado tabus e ultrapassado limites. Em seu álbum “True Blue”, foi o primeiro a tocar no assunto de direito à escolha com “Papa Don’t Preach”, em seu álbum seguinte “Like a Prayer” a cantora forçou mais ainda os limites ao falar e fazer críticas à igreja católica e ao feminismo com “Express Yourself”, mas foi somente em “Erotica” e com o livro “Sex” que a cantora decidiu quebrar todas as barreiras e tabus possíveis.
O lançamento do livro “Sex” causou um ultraje em um EUA conservador ao tocar em assuntos que eram terminantemente considerados tabus, como sexo, relacionamentos inter-raciais, sadomasoquismo, homossexualidade, transexualidade e o erotismo. A enxurrada de grupos conservadores, religiosos, homens e até mesmo da própria comunidade LGBT+ foi massiva. Uns diziam que Madonna era uma vadia viciada em atenção, outros diziam que ela já não tinha mais onde chegar e teve até mesmo alguns que a criticaram por prejudicar a luta das minorias com o livro polêmico, contudo, Madonna estava a muitas décadas à frente do seu tempo e os assuntos que ela cutucou finalmente tinham caído na boca das pessoas, por bem ou por mal.
O maior dos problemas, na verdade, é que “Sex” é um livro erótico voltado para a visão feminina do erótico e não da visão masculina, como apareciam nas revistas Playboy e Penthouse. Além disso, Madonna tratou de fantasias sexuais de uma mulher, o que por si só era um ultraje para a visão retrógrada da época.
Quando “Erotica” foi lançado, a polêmica com “Sex” estava muito escalonada e somado ao primeiro single lançado do álbum, só contribuiu ainda mais para o boicote dos conservadores, de rádios e dos críticos, pelo fato de Madonna ter tido a coragem de mexer no status quo.
O boicote à cantora era tão massivo que quando ela estrelou, na mesma época, o filme “Corpo em Evidência”, as pessoas comemoraram quando a sua personagem morreu. As polêmicas do filme, como o fato do diretor ter reescrito a personagem de Madonna de forma propositalmente prejudicial, os abusos do diretor, da equipe e dos outros atores com a cantora, tanto física como mentalmente e as duras críticas de Madonna ao filme contribuíram ainda mais para as críticas e boicotes à cantora.
Mesmo em sua turnê, “The Girlie Show”, a cantora continuou sendo criticada e boicotada por grupos religiosos e conservadores de diversos países (em um deles, as igrejas ficaram abertas para que os fiéis fossem rezar para que o “demônio” não fizesse o show e fosse embora), mesmo que o show tivesse um tom bem mais conservador e mais voltado para os shows burlescos, de cabaré e de musicais.
Imagem 1: Donna, Madonna e Nicki cantando Rain na turnê The Girlie Show.
Tudo isso, infelizmente, acabou prejudicando e muito as vendas de “Erotica”, tornando-o o álbum com a menor vendagem até aquela data. Somado a isso, diversos assuntos acabaram sendo obscurecidos pelas polêmicas e não foram devidamente reconhecidos pelo público e pelos críticos da época (como a música “In This Life”, uma homenagem ao seu professor e ao seu amigo que morreram de AIDS).
Apesar de tudo isso, “Erotica” acabou conseguindo seu reconhecimento como uma das obras-primas da cantora ao lado de “Bedtime Stories” e “Ray of Light”. Como Madonna iria escrever em sua música “Human Nature” em seu álbum seguinte: “Express yourself don’t repress yourself", mostrando que apesar das críticas, ela não iria abaixar a cabeça e não se arrependia de nada.