Assis não é uma cidade muito pequena, mas fica distante das grandes movimentações culturais de outros polos, já que está situada bem no interior do estado de São Paulo, no Brasil. Sempre que passo por sua avenida principal, a avenida Rui Barbosa, eu me lembro dos versos de Vera Lúcia de Oliveira, poeta e professora universitária, a falar, numa identificação, de uma rua de comércio estreita e comprida:

[...] amanheço todo dia nua e estreita/ como uma rua de comércio1.

A cidade é estreita e comprida?

Primeiro ato: cinema

Não faz muito tempo, foi realizado, num antigo cinema de rua de Assis, o Cine Piracaia, assim como nas instalações da Universidade estadual paulista (Unesp), o III Curta Velho Oeste, um festival de curtas do interior. O nome, brincando com o cinema de faroeste americano, faz alusão à localização da cidade: estamos no Oeste paulista, quase no final do estado.

Contando com fomentos públicos, importantíssimos para a difusão da cultura no país de tamanho continental, o pessoal do Polo do Velho Oeste trabalhou incansavelmente e montou na cidade o evento, congregando produções cinematográficas dos interiores do Brasil. A ideia era dar espaço à narração da própria história. Ou seja, nos curtas, não se fala de lugares exóticos, vistos com afastamento. Ao contrário, são as pessoas que vivem no interior do país que apresentam, por meio da elaboração artística, os espaços e a vida que se desenvolve longe dos grandes centros.

Muitos curtas se destacaram, atuações como as de João Fontenele e de Margot Leitão, no curta “Raposa”, por exemplo, mostraram-se impecáveis. A produção de alunos da Unesp, em “Desplante”, estava ali também. Havia festa, escadaria e tapetes vermelhos. Priscila Sales, uma das organizadoras, ao final do evento, afirmou: as noites do interior profundo podem ser desoladoras, mas nela aparecem vagalumes. Era referência ao logo do evento.

Os pequenos insetos luminosos aparecem, sim, apesar de sofrerem risco de extinção. E, da mesma forma, surgem, em cidades menores, eventos como o Curta Velho Oeste. Nesses lugares, as pessoas precisam instaurar elas mesmas os espaços de convivência e de arte. E, no fim, as redes de amizade se fazem como tecidos importantes: sustentação.

Segundo ato: livros

Assim são os encontros do Grupo de Leitura de Assis. Quatro amigos, há dez anos, resolveram se reunir para conversar sobre literatura – Amélia, Ezequiel, Lucimeire e Baruana. A iniciativa, decidida entre copos de cerveja, teve continuidade, por anos. Com o tempo, o grupo cresceu e chegou, em outubro de 2024, ao 66º encontro.

A casa era de Amélia e de Sandro, já um pouco fora da cidade, entre outras chácaras. Mais perto da natureza, suas paredes altas são tecidas com cores, reproduções de trabalhos importantes de artistas de todo o mundo, produções próprias e decoração acolhedora. Comporta muitos abraços. A recepção era de Cesário, responsável pela indicação do livro: A pena e a lei, de Ariano Suassuna.

A noite era de amizade e de acolhimento. Havia o tom da voz bonita do Nordeste, guardada nas falas das personagens do livro, o cômico, a denúncia, a qualidade do texto de Suassuna, a orquestração de personagens-palhaços. Ariano, homem dos interiores. E ainda as peripécias, a retomada do teatro de mamulengo, o cordel e a música popular. A proximidade do outro que somos nós: morrer de desgosto.

Na mesa, havia cerveja da Galícia, mas feita em Cândido Mota, uma cidade muito pequena, situada ao lado de Assis. E também vinhos, assim como drinques aprendidos na Itália e um jantar. Um país está vivo, se ele produz literatura. Lá fora, as luzes na piscina, a área, onde se descansa, e, acho que só imaginei, alguns pirilampos no céu. Era sábado.

Corte (mais um ato)

Depois do evento de cinema e após o encontro do Grupo de Leitura, realizado em um sábado, a manhã de domingo repõe a cidade no seu cotidiano.

A partir das janelas altas de alguns prédios esparsos, pode-se imaginar, escondidos nas casas, os almoços de família. É uma das únicas atividades. Há também, lá embaixo, um vizinho em busca de algo na horta. Os cachorros dormem, depois de latirem toda a noite, de maneira incansável. Os motoqueiros barulhentos descansam. Silêncio.

No entanto, o ruído recomeça. Passa disfarçado pelas ruas um grupo de adolescentes. São oito horas da manhã e voltam das festas, com roupas iguais, como se estivessem uniformizados. Todos vestem peças pretas. É preciso ser grande. Um menino tenta tomar coragem para dizer algo à menina. Ela ri alto e não liga pra nada.

Passa um carro vendendo ovos e penso que o timbre do alto falante poderia ser aproveitado em alguma composição atonal. Vira a esquina um carro velho, com a tinta desgastada pelo tempo. Vem devagar. Dentro dele, há um homem casmurro e madrugador. O carro buzina para o grupo. Era uma reprovação estreita e comprida como a rua do comércio? Uma das meninas não tem dúvidas e grita:

—Dá carona, tio!

Nota

1 Oliveira, Vera Lúcia. A chuva nos ruídos: antologia poética. São Paulo: Escrituras editora, 2004, p. 140.