O tão esperado mês de dezembro chegou, altura natalícia e final de ano, tempo de começar a pensar nas “famosas mudanças” que se irão fazer no ano seguinte. Cheira a canela e açúcar no ar; o frio é seco e áspero. São nove da manhã, e a batedeira gira euforicamente.

Chegou a véspera de Natal, e começam cedo os preparativos para receber a família na ceia de Natal. Ontem, o meu primo homossexual foi humilhado pelo pai quando tentou apresentar o seu novo namorado, e minha tia calou-se, como se nem fosse nada com ela. Na sua vida, o meu primo nem existe; uma vergonha, nem pode gostar de homens como a mãe, ultraje. O meu pai reclama com o meu irmão sobre os vícios de alcoolismo do meu avô, porque é ele que faz levantamento do copo, como exercício físico. Ao avô, ninguém lhe aponta o dedo de frente, e deixam o vício consumir a alma.

O forno está a trabalhar desde as oito da manhã, e a mesa da cozinha já transpira farinha e ovos. A minha prima tornou-se um sucesso na internet, e tudo o que está abaixo disso é tratado como se fosse lixo. Ninguém pode refilar, porque nem todos têm um Mestrado em autoritarismo nem Doutoramento em redes sociais e danças virais.

A minha avó está sempre a falar dos irmãos, sucessos da vida, que conduzem um enorme carro e vestem mais caro do que as lojas da Avenida da Liberdade, mas não pagam a fatura da luz. Os imbecis do Callcenter é que têm sempre a culpa, dizem eles.

O forno já está quentinho a 180 graus, pronto para receber mais um bolinho e começar a cozer. A casa já está decorada, e a árvore de Natal no seu lugar, com as luzes a tilintar. Atiro frequentemente mais cavacas de madeira para a lareira, que aquece a casa devagarinho. A caminho de cá, os meus primos levam na cabeça dos pais; são os burros da família, porque aquele 18 não tem o mesmo sabor de 20, e são infernizados pelos avós, porque a neta é médica, e eles nem para a construção civil servem. Só quem tira direito e medicina faz falta no mundo.

Os primeiros familiares começam a aparecer à porta, e todos estão muito felizes. O meu tio bate à porta. Enormes formas com panos por cima começam a entrar e a ser encaminhadas para o local devido. Com quarenta e nove anos, ainda solteiro, agora diz que nunca foi feliz e quer mudar; sempre quis ser mulher. Foi o fartote de rir da família. Zero apoio.

O mais novo da família está bem gordinho, dizem os primos afastados, uma vez que o músculo que mais exercitam num corpo de 70 é a língua. Sempre desenferrujada, como diz a vizinha do lado. A irmã do pequeno, com problemas de anorexia, é empurrada pela família para a tábua de açucares que a época propõe. E os padrinhos? São os favoritos dos avós.

A minha cunhada, em depressão, é a questão principal do sogro do meu irmão, que só detém desprezo pela saúde mental. Primeiro, porque nem é doença; segundo, porque deve ser uma Rapunzel a vida toda. O meu irmão, sempre a falar mal dos avós, só pelas costas, logicamente. São velhos casmurros, exceto no momento da notinha.

Uma família grande. Todos se tratam mal, mas ninguém realmente sabe. Regularmente. São sete da tarde; quem não tinha chegado, chegou. Casa cheia, todos felizes, contentes, a elogiarem-se, como sempre, a “morrerem de saudades”. Uma família perfeita. Sentamo-nos na grande mesa da sala de jantar; a comida e os doces enchem os olhos de cada um. Hoje somos todos perfeitos. Aparências. Amanhã voltamos à regularidade.