Tive duas ou mais conversas com Adel esse ano, sendo todas envolvendo algo em comum: andar em círculos no mesmo ponto. Em um recente diálogo, conquistei a liberdade de continuar na mesma premissa — Adel não pensa redondo. Com ele é difícil o diálogo, não há concordância em nenhum lado. Em todo e qualquer sentido, não há coesão e tudo parece mera impulsão ou imprecisão, principalmente no uso das palavras.

A mente dele é redonda, poluída estética do caos, seus olhos redondos e cavalheiros, o movimento da conversa é redondo e cansativo. Por qual motivo ele insiste em não entender meu ponto? Na conversa em questão citei diversos termos e palavras, porém “zona de conforto” ele já não ouvia com tanto espanto. Na minha fatídica análise, ele fala e age equilibrando, marchando como quem não quer mais ir andando — Adel queria ir embora voando. Não é para tanto, afinal, quem quer ouvi-lo em espanto?

-Para onde queres ir, Adel?
-A canto nenhum. Quero fugir.
-Então… para onde queres fugir?
-Para onde eu não precise sucumbir.

Sucumbir à quê? É difícil tanto entender, quanto apreender o sentido que ele traz — em poucas frases, ele é subversivo e fugaz. Já eu — obsessivo e sagaz, comigo também é difícil, intersubjetivamente, um tratado de paz. Outro ponto é: Adel não cede do próprio ponto de vista. Deduzo que seja pelo interesse pessoal em dar prevalência à própria palavra, efêmera síntese do seu pensamento, junto ao seu intento de não tirar proveito do próprio veneno, daqueles dentes tão obscenos.

De tanto “julgar”, cansei. Licor e mel na mesa coloquei — minha sina, eu sei. Ao provar, eis que me encontro sentindo um terrível sentimento, de frente àquele homem que me lembrava uma estátua de cimento: ele rimava mais do que eu, e isso me deixava deveras ciumento.

-Eu não gosto do gosto doce.
-E porque não toma algo que goste?
-Senhor… não achei nessa pobre bebida algo que, na minha garganta, dance.
-Adel, Licor desce na goela ardendo.
-Mas descer não é dançando.
-Se o gole desce para baixo, destoando pela garganta, está se movimentando.
-Resumidamente, não gosto do gosto do mel
-E eu não gosto do seu nome, Adel
-E eu não gosto quando você some
-Na verdade… você não gosta quando me ouve
-Não, não gosto mesmo, homem
-Então, quero que me diga do que gostas, Adel
-Do gosto do papel
-Que papel?
-Que faz de mim, Adel
-A mim, esse papel fede a figa
-Não entendi… O que?
-O odor desse pecado que te castiga
-Pecado em nada me instiga
-Imagino, é de fato, sua sina
-Não, o pecado é convexo de toda minha fadiga
-Interessante, não me parece que essa fadiga algo te ensina
-Imagino, mas mesmo sem querer, essa sina me vacina
-Imagino também… como um pesticida?
-Não, não quero entrar em celeuma
-O que?
-Você é um leviano homem sem mira e sem pena

Não havia o que dizer das rimas livres desse insuportável tagarela. Nada poderia ser feito em relação ao seu problema, que aparentemente ou era de cultura ou de cerveja — rima por rima, sem ter nenhuma clareza. Acendi velas e as coloquei cintilando na mesa, e Adel teatralmente, se prostrou de joelhos no chão para, por algum motivo, adorá-las.

-Senhor… isso é intimamente próximo ao que penso
-Por quê?
-É efêmero ao contratempo
-Imagino… significa que o “esquecer” é fácil?
-Prezado, estou falando do pensamento
-Entendi… ou estou tentando te entender. Perdão, não é da memória que falas
-De mim não precisas de perdão. Memória é passar tempo, eu penso como vento
-Acredito que somente agora você chegou no ponto
-Não sei, por quê ponto?
-Porque é o centro
-Mas o ponto não chega a um encontro
-Como assim?
-A existência não é um consenso
-Imagino, mas que ponto é ponto sem ser encontro?
-Que encontro?
-O ponto é o término do encontro
-É o término da frase
-É o começo do próximo estado
-Que estado?
-Do encanto
-Que encanto?
-Em que me encontro

Adel ficou calado próximo às velas acesas, porque já se tinha esgotado de rimar. Ou, sentia-se cansado — ressaca moral. Em muito na vida dele banal, já havia tentado rimas de sentido mortal. O uso das palavras corretas ele já tinha ali empregado, sem noção disso porque ele não pensava redondo ou quadrado, eu havia mudado o quadro — ele pensava abstrato. Experiência, sentimento e expressão lhe eram, nas rimas, aspectos caros e, a mim, inacessível até o momento. Então o indaguei.

-Tu pensas?
-Reticências…
-Estou perguntando se pensas
-Todo mundo pensa, mas o homem não vive só do que pensa
-E vive também de que?
-Das necessidades da crença
-Quais?
-Aquelas que não carregamos desde a nascença
-Amor, angústias, doenças e riquezas?
-São doenças?
-Adel, sobre você carrego mais outras mil reticências
-Para não dizer o que realmente pensa
-Não sei o que significa toda essa sua insolência
-Perdão, é minha essência
-Imagino…
-Não, você fala que imagina

Eu não queria dispensar Adel, ele veio de tão longe... mas ele era intrigante como licor cor de mel amargo, servido em lugar raro.