Praticamente todos conhecem a escola, seja por tê-la frequentado anos seguidos, seja por ter lamentado sua ausência durante os períodos em que, supostamente, construímos parte de nossas vidas. A escola é uma das instituições mais antigas que perpassam a história dos povos, no entanto, sua acessibilidade à maioria das pessoas ainda é algo novo, que requer ser sedimentada, garantindo que o acesso, torne-se permanência e sucesso escolar.

Esse processo em busca de sedimentação da escola como um espaço comunitário e socializador tem sido longo e doloroso para muitos dos atores envolvidos. Políticas e mais políticas têm sido implementadas sem trazer a sensação de satisfação com a realidade escolar que permeia boa parte das famílias em seus diversos contextos socioculturais.

Professores, gestores escolares e demais profissionais que atuam nas unidades escolares estão sofrendo. Inúmeras são as pesquisas que relatam o adoecimento dos profissionais da educação, que ano após ano sentem o aumento das responsabilidades, das cobranças por resultados de aprendizagem, dos relatórios e outros aspectos burocráticos que, em teoria, visam melhorar a qualidade da educação escolar. Vasta também é a quantidade de investigações que relatam a insatisfação dos profissionais da educação com as condições de trabalho às quais estão submetidos, a presença cada vez mais frequente da síndrome de burnout docente. Classes com alunos em excesso, as quais dificultam que os docentes possam realizar seus fazeres pedagógicos com vistas à cada um de seus estudantes; condições infraestruturais das escolas insuficientes para o desenvolvimento de ações pedagógicas adequadas; valor hora-aula baixo, impelindo o acúmulo de cargos em distintas escolas, sejam públicas ou privadas, a fim de garantir um salário suficiente para a sobrevivência; desvalorização dos profissionais da educação por parte da sociedade que não os respeitam, dentre outros desafios aqui não citados têm desencadeado um profundo mal-estar docente.

Em meio a esse turbilhão, cabe ainda aos atores escolares buscarem por atualizações profissionais: estudar a cada ano em busca de respostas que os proporcionem novas habilidades técnicas para as necessidades educacionais do hoje, que além de conteúdos relacionados ao saber históricamente construídos, também incluem a estimulação dos estudantes de modo integral, possibilitando meios para que crianças e jovens se desenvolvam cognitiva e socioemocionalmente. O mercado das pós-graduações e/ou cursos de capacitações cresce, prometendo a chave para o sucesso docente. No entanto, algumas pesquisas sinalizam que as capacitações de professores realizadas dentro de cada unidade escolar, com a participação de todo o corpo docente, tendem a proporcionar melhores condições para a ação educacional orquestrada a fim de realizar seus projetos pedagógicos e melhorar seu ambiente escolar, fator imprescindível para o sucesso dos estudantes.

Nas últimas décadas as políticas de avaliação estandardizadas cresceram com a promessa de diagnosticar a realidade das escolas e direcionar as ações de melhorias educacionais. A passos lentos os resultados tem apresentado pequenas melhorias, alguns sistemas educacionais têm se destacado servindo de inspiração para outros sistemas brasileiros. Sem adentrar nos detalhes dos diversos sistemas de avaliações estandardizadas atualmente em prática no país, pode-se comentar que seus resultados, ora pensados em ser guias de ações de melhorias, algumas vezes têm sido utilizados como ranks educacionais, classificando os melhores e os piores sistemas educacionais públicos e/ou privados. Aparentemente, quanto melhor classificada cada escola, melhor seria a possibilidade de sucesso escolar dos estudantes, sinteticamente reduzido ao ingresso à universidade (e, em alguns casos, diretamente ao mercado de trabalho). Será?

Estudos têm evidenciado que a ansiedade, bem como outras dificuldades emocionais, tem perpassado boa parte dos estudantes. Se outrora a ansiedade parecia estar associada as disciplinas curriculares ou professores tidos como mais exigentes, atualmente os dados sugerem que a ansiedade pode estar generalizada, passando por todas as disciplinas e por diferentes faixas etárias dos estudantes.

A agressão estudantil também tem crescido. Apesar de que a agressão física seja uma preocupação importante para todos os envolvidos nas vivências escolares, quer-se aqui destacar a agressão social. Este tipo de agressão é mais silencioso, muitas vezes ocorrendo sem que os educadores identifiquem sua a existência. Segundo pesquisadores, a agressão social tem como objetivo danificar a autoestima de outras pessoas e/ou seus status sociais, atuando intencionalmente por meio de ações diretas, como rejeição verbal, movimentos de corpo e expressões faciais negativas, ou por meio de ações indiretas, como calúnias ou exclusão social.

Tanto as agressões diretas, aquelas em que o agressor expõe-se sem esconder sua intenção em maltratar a vítima, quanto as indiretas, ações realizadas de modo encobertos de modo que nem a vítima, nem educadores conseguem identificar o agressor, podem ferir os sentimentos de garotas e garotos.

Manipulação de relacionamentos, exclusão social, espalhar rumores são alguns dos muitos exemplos possíveis de agressão social que pode afetar o bem-estar do estudante. Em uma investigação realizada com estudantes do ensino fundamental, 60% dos participantes declaram-se vítimas de rumores, 39% de manipulação de relacionamento e 54% de exclusão social, sendo as meninas e os estudantes que já reprovaram alvos mais frequentes. Importante é compreender que a agressão social é uma ação complexa, que perpassa todas as faixas etárias e classes sociais, sendo muitos os fatores que levam o agressor a agir. Essa investigação também identificou que os estudantes se percebem mais ou menos capazes de desenvolver relacionamentos sociais, trabalhar bem com os outros e gerenciar socialmente situações de conflitos.

Sem a pretensão de apresentar uma síntese da literatura acadêmica relativa à área, acredita-se que, por meio do brevemente aqui exposto, pode-se perceber que as vivencias escolares dos estudantes também tem sido permeadas por situações que diminuem o bem-estar físico, mental e social. Há ansiedade, agressão e moderada confiança nas próprias capacidades para desenvolver relacionamentos sociais e gerenciar situações de conflito. Situações semelhantes são vivenciadas pelos profissionais que atuam nas escolas. Há adoecimento, estresse, burnout, insatisfação com a carreira e desvalorização profissional.

Olhando assim, rapidamente, parece que a escola está doente. Esse local que há muito carrega a responsabilidade de formar as pessoas para a vida em sociedade, conforme a cultura em que está inserida, necessita de atenção. Alguns poderiam dizer que a escola retrata a sociedade de que faz parte, que sofre também. Isso pode ter uma parcela de verdade, afinal, cada uma das pessoas envolvidas direta ou indiretamente com a escola carrega consigo as marcas dos dias vividos.

No entanto, como uma sonhadora profissional, sigo acreditando no poder de transformação da escola e pela escola. Vejo pequenos sinais que me alentam, me animam a seguir acreditando. A recém-aprovada Política de Bem-estar, Saúde e Qualidade de Vida no Trabalho e Valorização dos Profissionais da Educação (PL 1.540/2021) pode ser comemorada como um desses sinais, já que reconhece a fragilidade a que estão expostos educadores e intenciona melhorar as condições laborais desses profissionais. Apesar de que entre a lei e a realização desta existe certa distância, seja temporal, dado a necessidade de se criar os planos de ações, seja prática, relativa ao como de fato tornar possível um contexto escolar mais saudável, é um alívio ver essa conquista. Comemoro! Pois, possibilitar condições para que os profissionais da educação possam realizar suas ações a partir do bem-estar físico, emocional e social pode ser uma das primeiras condições para se melhorar as experiências escolares e o bem-estar de crianças e jovens.

Mas, como esperar que essa política se torne real e seja praticada? Na maior parte das vezes, quando pesquisadores buscam compreender os fatores associados a escolas que se destacam entre as demais, mesmo quando inseridas em contextos vulneráveis, a ação coletiva e os esforços realizados de modo orquestrados sob a batuta de uma gestão escolar que mobiliza a comunidade a participar da escola são aspectos que se repetem. Que a liderança ética e moral possa conduzir o coletivo escolar, envolvendo profissionais, estudantes e famílias. Que a noção de pertencimento à dada escola seja experimentada por todas e todos, pois se pertenço, valorizo, me importo e cuido de mim e do outro. Acreditar que cada escola é capaz de buscar meios para vencer os próprios desafios é tarefa de todos.

Buscar exemplos de escolas exitosas e aprender com a experiência destas pode ser um caminho promissor. Romper os muros escolares e trazer a família como parte atuante pode ampliar a percepção de valia escolar, dos estudantes e do entorno familiar. E, a participação da família na escola não necessita ser física. A família pode participar da vida escolar perguntando sobre os ocorridos do dia, seja quanto a aprendizagem em si, seja sobre a convivência dos filhos com os colegas e professores. Somente em conjunto, como equipe que se valoriza, se respeita e acredita na capacidade do coletivo escolar, a escola conseguirá transformar-se e vivenciar a alegria de compartilhar momentos com as demais pessoas de forma genuína, valorizando a riqueza que a diversidade pode trazer ao grupo, sendo assim um espaço promotor de bem-estar para todas e todos.