O conceito de liberdade implica ao mesmo tempo em não estar acorrentado ou preso e a exercer a dignidade individual sem ferir os demais. Envolve também franqueza e sinceridade, desassombro e ousadia, confiança e intimidade. É um valor essencial, indiscutivelmente, mas que por si só apresenta suas limitações como todo conceito. Clarice Lispector queria mais, achava liberdade pouco. Ela queria uma liberdade olímpica, mas que entendia só era concedida aos seres imateriais. O corpo era uma forma de prisão para a autora, e ele é um limite. As correntes internas são também presentes em sua obra, quando ela sente que está presa dentro dela mesma e a liberdade é aparente. E desta forma, o que ela almejava ainda não tinha nome.

Ainda que seja difícil degustar todos os sabores de liberdade, quando ela nos falta, sente-se logo. Como o ar que não vemos e não tocamos, mas o sentimos para nos mantermos vivos. Vivemos nem que seja pelo mínimo aroma de liberdade, sem ele, não conceituamos outro valor fundamental, a plenitude.

Quando se trata do coletivo, a liberdade ou a falta dela é um grito ainda mais forte. A sua ausência torna a condição humana inabitável. Ditaduras e guerras que cerceiam a liberdade e tem vis interesses destroem não só territórios, mas igualmente a cultura e, consequentemente, a liberdade de viver dignamente. O povo é assolado pela miséria e não acessam a liberdade, que teoricamente é um direito.

Os governos tacanhos e truculentos fazem tudo para podar a dignidade de uma população e exterminar, principalmente, a liberdade de expressão. Uma ofensa e crueldade com a condição humana.

De todas as lutas que o ser humano enfrenta ao longo de sua vida, a imprescindível, certamente, é pela liberdade, seja ela individual ou coletiva. Voltando ao conceito de Liberdade, Cecília Meireles sintetiza:

Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta,
que não há ninguém que explique/ e ninguém que não entenda

1974 – as cores da Liberdade em Portugal

O arco-íris
Não há mais nada a dizer
Além de um sonho
O que mais pode ser?

(Clarice Pacheco)

Ao final daquele dia, com os ânimos exaltados e os sorrisos diáfanos a brindar toda a gente, uma surpresa no céu presenteou o país pintado a vermelho pelos cravos da revolução.

As pessoas emocionaram-se e seus olhos brilharam com o espetáculo que se apresentava radiante e belo. O entusiasmo, prazer e sociabilidade era uma onda cor de laranja que envolvia a população em frenesim. O sol amarelo a se despedir, iluminou a esplêndida cena. João enlaçou Leonor num abraço de cumplicidade. Felizes apreciaram o momento ímpar.

No relvado da praça, crianças brincavam e se divertiam. O verde tapete era álibi da alegria e inocência que presenciava magia a render a todos.

A lente azul dos óculos fez cenário perfeito para fascinar Maria que se derretia toda em seu vestido índigo, ao som das canções que marcaram a data tão especial para os portugueses.

As flores violetas, sobriamente, transmitiam a purificação daquele dia, a libertação do medo e tantas inquietações que amordaçaram o país. Testemunhas da transformação, a cor púrpura aplaudia a inauguração de um novo tempo.

Ao apontar o céu, gritar e pular, Nuno fez um sinal a chamar Maria para perto de si. Contagiados pelas cores que a refração e reflexão da luz solar em gotículas de água fazem, não conseguiram parar de sorrir e vibrar. Abril não seria mais o mesmo. A aliança com a liberdade estava sacramentada. João e Leonor encontraram Maria e Nuno e se perderam na emoção do fenómeno natural aliado ao que vivenciaram naquele dia. Ninguém conseguiu falar. As palavras para o inefável ainda não foram inventadas.

As sete cores que iluminaram os corações deram lugar ao ébano estrelado. A lua branca como regente daquele mistério, serenou as mentes em festa que insistiam sabiamente em comemorar.

João e Leonor deram-se as mãos, Nuno e Maria imitaram o terno gesto. E no silêncio de quem consente o remanso da autonomia, entenderam que o pote de ouro fora encontrado. Alcançado pelas mãos da luta, que sobrevoou o país de Camões, era a riqueza mais bem-vinda. O alimento para a alma. A voz do coração. O direito à vida. O direito à liberdade em todas as suas cores.

2024 - 50 anos depois: as cores desbotaram?

cravei a palavra liberdade
no espelho a lembrar
os cravos da revolução
cravados em meu peito
cravejado de ilusão

Do vermelho, a Revolução. Os cravos saudaram a liberdade de um país a florescer na primavera. As novas cores brindavam a vida e sua expressão mais bela e espontânea. Um novo capítulo na história prestes a realizar-se, escrito ao colorido sabor da democracia.

Direitos igualitários a minimizar a desigualdade foram os sonhos mais sonhados como um arco-íris de respeito e dignidade. Espirituosa liberdade que a todos fascinava.

50 anos depois, o verso pálido dirige-se para o futuro, insípido, cambaleando, buscando novas flores coloridas para pintar um país mais justo e inclusivo.

os olhos cravejados de esperança
no horizonte a lembrar
os sonhos de abril,
cravos de uma liberdade que
ainda hoje arde febril