Em artigos aqui publicados, tenho tratado de questões relativas à significação das palavras. Em texto recente, intitulado Significado linguístico: uma análise semântica, começo dizendo que o ramo dos estudos da linguagem que trata da significação das palavras denomina-se semântica.
Volto a esse importante tema dos estudos da linguagem humana para mostrar, em breves palavras, que, embora costumemos considerar que a semântica moderna tenha seu início no século 19 com o filólogo francês Michel Bréal (1832 – 1915), não significa que os antigos não se preocupassem também com questões relativas ao significado.
Bréal cunhou o termo semântica (sémantique) a partir do grego, semantike (ciência ou técnica de significar), mas o estudo da significação das palavras já existia.
Muitos assuntos tratados pela semântica moderna aparecem em autores gregos e latinos. Platão (428 a.C. – 347 a. C.), em sua obra Crátilo, discute diversas questões relativas ao significado das palavras, tais como a origem dos nomes, se são convencionais, ou se foram dados pelos deuses, qual o poder que faz com que os nomes possam representar as coisas e as mudanças no significado dos nomes.
Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C.) distingue o que hoje chamamos palavras lexicais, aquelas que remetem a um referente extralinguístico, ou seja, existente no mundo, real ou imaginado, como os substantivos, e palavras gramaticais, aquelas que não apontam para um referente externo. A significação delas se dá apenas no universo da língua. São palavras que, isoladamente, são vazias de significado. O sentido delas decorre da relação que têm com outras palavras da frase. As preposições, as conjunções e os artigos são exemplos de palavras gramaticais.
O estagirita teceu ainda observações importantes sobre os tipos de metáfora e da relação de verdade entre sentenças, também faz referência ao caráter imotivado do signo linguístico quando afirma, em sua obra Organon, que “o nome é um som vocal, possuindo uma significação convencional sem referência ao tempo, do qual nenhuma parte apresenta significação, quando tomada separadamente”.
Outro filósofo grego, Demócrito de Abdera, já assinalava que uma mesma palavra pode ter significados diferentes e que pode haver mais de uma palavra para exprimir um mesmo significado. Hoje, chamamos de polissemia a propriedade de uma mesma palavra possuir significados diferentes e de sinonímia o fato de haver mais de uma palavra para exprimir um mesmo significado.
O desenvolvimento da semântica, contudo, não foi linear. Questões semânticas foram tratadas sob enfoque e metodologias diferentes, por isso é comum referir-se a semânticas (no plural), já que não há consenso sobre uma definição de semântica e seu objeto de estudo, razão pela qual se fala em semântica formal, semântica referencial, semântica discursiva, semântica cognitiva, semântica representacional, semântica estrutural, semântica argumentativa, semântica contextual, etc.
Outro fato digno de nota é que o estudo do significado das palavras e das sentenças não coube apenas a linguistas. Além dos filósofos já citados, outros se preocuparam e ainda se preocupam com questões relativas à significação.
Entre os pensadores que contribuíram para o desenvolvimento da semântica, há o inglês John L. Austin (1911 – 1960), de quem já falei neste espaço no artigo Quando dizer é fazer para o qual remeto o leitor. A lista dos filósofos que se dedicaram à semântica inclui ainda nomes como John R. Searle, Gottlob Frege, Richard Montague, Charles S. Peirce, I. A. Richards, Paul Grice, Rudolf Carnap e Ludwig Wittgenstein.
Há correntes de estudos semânticos que associam o significado a uma relação entre linguagem e mundo, denominada semântica formal e referencial. Para outras correntes, a questão do significado está associada à representação mental, tais como a semântica cognitiva e a representacional.
Do ponto de vista histórico, podemos falar em períodos dos estudos semânticos. Num primeiro momento, predomina a semântica histórica, cujo representante maior é Michel Bréal. Os estudos do filólogo francês sobre as alterações de sentido abriram caminho para outras teorias semânticas. Atualmente, a semântica é um campo de estudos autônomo tanto na linguística quanto na filosofia.
A publicação em 1916 do Curso de Linguística Geral, de Ferdinand de Saussure (1857 – 1913), considerada a obra fundadora da linguística moderna, apresenta conceitos importantes que contribuíram para o desenvolvimento dos estudos linguísticos e semânticos: a distinção entre língua e fala, a conceituação de língua como um sistema, a perspectiva de se estudar os fatos linguísticos sincrônica ou diacronicamente, a natureza do signo linguístico. As ideias de Saussure vão constituir a base da linguística estrutural, que servirá de princípio para uma nova vertente dos estudos da significação: a semântica estrutural, na qual ressalta a importância da obra Semântica estrutural, de Algirdas Julien Greimas, em 1966, e traduzida para português pelos professores Izidoro Blikstein e Haquira Osakabe, em 1973.
O estruturalismo também se desenvolve nos Estados Unidos, tendo por principais representantes Edward Sapir (1884 – 1939) e Leonard Bloomfield (1887 – 1949). A publicação do livro Language, de Bloomfield, em 1933, é considerada como marco do estruturalismo linguístico norte-americano. Suas teorias têm uma base mecanicista e behaviorista. Embora não seja um semanticista, Bloomfield trata também do significado. Para ele, as formas linguísticas têm um significado constante e específico e sons diferentes corresponderão a sentidos diferentes.