Em tempos de grandes tragédias, há mais coisas a se admirar nos seres humanos do que desprezar.

(Albert Camus)

“No inicio das gravações confesso: senti medo, muito medo, porque era uma situação complicada de algo que desconhecíamos, mas depois que comecei a percorrer o dia-a-dia dos funcionários do SUS (Sistema Único de Saúde), principalmente das mulheres da linha de frente, eu não tive como não inspirar fundo e mergulhar de cabeça nas histórias reais da luta contra o Covid19”, diz Ana Petta, uma das diretoras do documentário vencedor do festival internacional É Tudo Verdade, em 2022.

Em março de 2020 a irmã de Ana, a médica infectologista Helena Petta havia acabado de ter um bebê e trabalhava de casa, não tinha como atender no hospital, as consultas eram online e discutia casos médicos com estudantes. As informações sobre a guerra contra o Covid19 nos hospitais chegavam todos os dias, “meus colegas me ligavam, me contavam as histórias da batalha deles contra o Covid19 e o descaso do governo federal, era uma luta contra um vírus e contra a necropolítica do governo passado”, diz Helena.

Entre 2020 e 2022, mais de 700 mil pessoas morreram no Brasil vitimas do Covid19 e do governo negacionista de Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil e atualmente investigado pelo STF (Supremo Tribunal Federal Brasileiro) por incitação pública à prática de crime após ter postado um vídeo questionando o resultado das eleições presidenciais no Brasil em 2022.

“Foi mais forte que o medo”, diz Ana Petta. As irmãs começaram a gravar as pessoas, os colegas mais próximos, aqueles que estavam na linha de frente. “Os personagens reais e as histórias chegavam sem a gente procurar muito, começamos a gravar só num local, mas na medida que o vírus se expandia, sentimos a necessidade de registrar o trabalho dos profissionais em outras cidades do Brasil e em diferentes atividades do SUS, tais como prisões, áreas remotas, atendimento primário, emergências”, explica Helena.

Durante a captação, as duas diretoras tinham a missão de ir além do que o jornalismo mostrava diariamente, das imagens nas UTIs e das valas coletivas, das pessoas que morriam por causa do vírus. “Queríamos mostrar o drama individual, não “somente” os enterros coletivos e a falta de valas para sepultar os mortos amplamente mostrados pelo jornalismo, mas queríamos mostrar o enterro de uma pessoa representando a tragédia de todos”, diz Helena.

São 81 minutos de inspirar profundo. O filme é delicado, planos sequências e intimistas, é possível caminhar por ruas estreitas, navegar nos rios da Amazônia, sentir o abraço, o tocar nos pacientes, a fluidez da água no banho dos pacientes.

Durante as gravações todos os cuidados recomendados e necessários foram tomados de maneira “neurótica”. A equipe se testava frequentemente, desinfetava os equipamentos todos os dias e se mantinham juntos e isolados fora das filmagens, “ninguém contraiu o Covid19 durante as gravações”, diz Ana.

Percorreram cinco estados brasileiros entre outubro de 2020 e janeiro de 2021. Em São Paulo (Hospital das Clinicas), Recife (UBS do Morro da Conceição), Pará (Hospital Municipal de Castanhal e equipe de saúde de Igarapé Miri), em Salvador (complexo Penitenciário Lemos de Brito) e em Manaus (SOS Funeral).

Quando falta o ar estreia nos cinemas brasileiros no mês de fevereiro em mais de 200 cidades.

Sobre as diretoras

Ana Petta: É graduada em artes cênicas pela Universidade de São Paulo (ECA/USP), idealizou e produziu o documentário “Repare Bem” de Maria de Medeiros e co-dirigiu o documentário Oswaldão. É atriz e criadora da série de TV Unidade Básica, disponível na GloboPlay. No teatro, foi atriz da Cia São Jorge de Variedades e Cia do Latão.

Helena Petta: É médica infectologista com doutorado no Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo. Foi visiting scholar no David Rockefeller Center for Latin American Studies da Universidade de Harvard (2020-2021). Criadora da série médica “Unidade Básica”, junto com sua irmã Ana. Helena é autora do livro: “Unidade Básica: a saúde pública brasileira na TV” editora Hucitec.