Nos últimos anos, o mercado de k-pop se viu invadido por uma avalanche de idols se lançando em carreira solo, em paralelo ou não com o grupo deles. Se na segunda geração tínhamos um ou dois membros do grupo debutando solo, da terceira geração em diante todos os membros de um grupo se arriscam a se tornar solistas. O problema é que nem todos conseguem ser bem-sucedidos.

Para compreender direito esse fenômeno, precisamos voltar um pouco no tempo até o ano de 2014/2015. Nesse ano, ouve o debut que provavelmente foi o de maior sucesso na Coreia do Sul, a cantora Taeyeon, vocalista principal do grupo Girls’ Generation.

O grupo, que debutou em 2007, já era considerado o “grupo da nação” pelos coreanos e Taeyeon já era aclamada como uma das melhores vocalistas da Coreia, contudo, naquela época não era comum idols se lançarem em carreira solo, uma por conta de atrapalhar as promoções do grupo e outra pela empresa não ter certeza sobre o retorno do investimento. Taeyeon já era cotada (e até cobrada) pelos fãs de se lançar solo desde mais ou menos o segundo ano do Girls’ Generation, mas a SM (empresa do grupo), não tinha nenhum desejo disso, pelos argumentos já ditos acima e por mais um em especial, o grupo era um fenômeno gigantesco e a empresa não iria fazer nada que pudesse atrapalhar isso.

Entretanto, em 2014 ocorreram diversas polêmicas na Coreia, tanto no mundo das celebridades como no país, a começar pelo acidente de balsa que matou mais de 300 estudantes coreanos, a saída tumultuadíssima de Jessica do Girls’ Generation, a tentativa fracassada de debutar um novo grupo (Red Velvet) que recebeu uma enxurrada de críticas pelo péssimo timming, pela música ruim e pelo MV polêmico do grupo. Somado a isso, outro grupo da empresa também sofria problemas (f(x)) e a SM se via em um beco sem saída.

Foi então que em 7 de outubro de 2015, Taeyeon debutou como solista com seu primeiro EP intitulado I e com o single de mesmo nome, mal sabia a SM que havia dado o tiro certeiro que a tiraria do buraco, pois o debut de Taeyeon é hoje considerado um dos debuts mais bem-sucedidos de uma idol coreana no país, batendo de frente até com grandes solistas como IU e BoA.

Após o sucesso estrondoso do debut de Taeyeon, a SM resolveu apostar em debutar mais idols de seus grupos em trabalhos solos, mas pouquíssimos conseguiam um grande sucesso ou um público que não fosse já um fã consagrado do grupo que ele participava. O fato era de que Taeyeon não apenas havia tido um sucesso como uma solista, mas acabou criando essa onda de idols querendo se tornar artistas solos. Ela ganhou mais fãs (pessoas que nem ouviam o Girls’ Generation), atraiu mais fãs para o próprio grupo e, como já dito, se tornou uma titã que disputava e batia de frente com grandes solistas coreanas e, muitas vezes, até saia vitoriosa.

Infelizmente esse “fenômeno Taeyeon” acabou sendo o começo da enxurrada de idols querendo se lançar como solistas e replicar o mesmo sucesso, mas nenhum teve o mesmo êxito, nem mesmo os membros de grupos que ficaram mundialmente famosos como BTS e Blackpink. O fato é que, mesmo que eles tenham vendas expressivas, a maior parte das vendas é para a própria fanbase dos grupos, assim como os números de streamings em plataformas de música e no ranking dos charts. Além disso, esses idols não furaram a bolha do kpop, pelo menos não organicamente, então mesmo que eles sejam considerados “grandes artistas” pelos fãs, seu sucesso se resume aos próprios fãs de kpop e não ao público comum que consome música. É nesse ponto que a diferença entre esses novos idols debutando e a Taeyeon se aparece.

Taeyeon quando debutou já era um grande nome conhecida até mesmo por quem não escutava Girls’ Generation ou kpop, além disso, a potência vocal da cantora (sendo chamada até de “a voz da segunda geração”) somada ao seu grande carisma foram fatores ainda mais atenuantes para que o seu sucesso fosse tremendo, mas o principal fator era o fato de que o mercado não estava supersaturado de idols se lançando em carreiras solo.

Ao chegar a marca dos sete anos (que é quando geralmente o contrato dos grupos com a empresa estão para acabar) os grupos tinham dois caminhos para seguir, ou renovavam o contrato e continuavam com o grupo ou eles terminavam o contrato e tentavam uma carreira solo. Na terceira geração, principalmente, se viu uma terceira opção crescer que era “manter o grupo, mas mesmo assim debutar como solista”, mas isso trouxe não apenas o problema da supersaturação do mercado, mas também o fato de que o grupo acabava se tornando uma segunda opção para os idols, que começaram a ver sua carreira solo como prioridade.

De lá para cá não é mais raro ver grupos antigos da terceira geração que raramente fazem um comeback por conta de “conflitos de agenda” entre os membros, além disso se na segunda geração as empresas faziam o solista se adaptar a agenda do grupo, com a terceira geração em diante isso deu uma virada de 180° em que o grupo tem que se adaptar a agenda do solista, e se antes eram 1 ou 2 membros como solistas, hoje em dia todos se tornaram solistas, mas como já dito, nenhum no mesmo nível que a Taeyeon e todos tendo suas vendas e streamings atrelados à fanbase do grupo.

O “fenômeno Taeyeon” pode parecer exagerado e absurdo para o público fora do meio kpop, mas a força de Taeyeon como artista solo é tão grande que as próprias empresas de kpop instruíram uma “lei não escrita” que proíbe qualquer lançamento na mesma época que a Taeyeon e/ou a IU lançarem músicas, pois eles sabem que vai ser um fracasso.

Mas veja, não é apenas a avalanche de idols se lançando solo que é o problema, o fato dos trabalhos deles serem medianos, muito parecidos um com o outro, da maior parte deles não serem vocalistas bons e de não serem tão populares são outros problemas a serem levados em conta. Peguemos por exemplo o BTS que se tornou um fenômeno global, todos os membros se lançaram em carreiras solo, mas apenas 2 conseguiram certo sucesso (certo sucesso, pois a própria empresa do grupo foi condenada por fraudar e pagar para ter charts e streamings) e os outros membros não conseguiram, porque isso? Simples, porque os membros que tiveram o sucesso já eram populares dentro do grupo e os outros que não obtiveram só tinham popularidade por conta do grupo de que eles fazem parte.

Agora peguemos outros grupos da terceira geração como, por exemplo, Got7, Mamamoo, Exo, Red Velvet e Twice. Tanto Got7 como Mamamoo todos os seus membros se lançaram em carreiras solos, contudo, em nenhum deles conseguiu furar a bolha da fanbase, sendo suas vendas e consumo basicamente composto 95% por fãs dos grupos e não por ouvintes fora da esfera do kpop. Exo e Red Velvet foram ainda piores pois apesar de terem excelentes vocalistas (assim como o Mamamoo) tiveram pouco promoção com os membros que se lançaram solo e foi como se o debut deles como solistas só estivesse cumprindo uma cota ou tapando um buraco no calendário de lançamentos da empresa. O Twice foi ainda pior ao ter apenas dois membros debutando solo e as duas não obtiveram sucesso como solistas tendo basicamente 100% das vendas restrita aos fãs do próprio grupo.

Pode parecer falácia, mas é a pura realidade, ainda mais quando comparado ao número de vendas dos comebacks de todos esses grupos que venderam bem mais que o solo dos membros, as vezes chegando ao ponto das vendas do álbum do grupo superarem as vendas dos solos a tal ponto que a soma de venda de todos os solos não chega ao montante de vendas do álbum do grupo.

Claro que isso não é um problema que se restringe apenas ao kpop, pois diversos grupos ocidentais fizeram a mesma coisa, com pouquíssimos membros se tornando verdadeiros gigantes da indústria, como por exemplo Diana Ross (The Supremes) e Michael Jackson (Jackson 5), contudo o kpop além de ter grupos com muito mais membros, possuí também muito mais grupos. Se somarmos todos os integrantes dos grupos de kpop citados aqui chegamos facilmente a marca dos 50 e desses 50 temos 40 se lançando como artistas solos, não tem mercado que consiga se sustentar.

Mas então qual seria a solução para isso tudo? Bom, uma das primeiras é os próprios idols se darem conta que o sucesso deles é atrelado ao nome do grupo e não aos seus nomes individuais. Seventeen é um grupo que todos os membros já se deram conta disso e decidiram focar em fazer o grupo se tornar uma grande marca (um grupo com treze integrantes) ao invés de se lançarem como artistas solos, no máximo um ou outro membro lança um single de forma descompromissada, mas sem atrapalhar a agenda do grupo. Outra solução é entender o fato de que não são todos os idols que tem capacidade de serem artistas solos, e está tudo bem.

A maioria dos idols da terceira geração em diante (e até uns da segunda geração recentemente) querem tentar replicar o “fenômeno Taeyeon”, mas não se dão conta de que a Taeyeon só virou esse fenômeno por conta de diversos fatores que não são mais possíveis de se replicar (época que ela debutou, o mercado musical, o peso do grupo que ela estava, a ausência massiva das redes sociais, principalmente o Tiktok e etc). O texto focou apenas na indústria musical, mas isso se repete na indústria dos dramas e filmes também, com diversos idols tentando replicar o mesmo fenômeno que idols como Suzy e Yoona (também do Girls’ Generation) tiveram como atrizes.

E se analisarmos mais fundo ainda, a supersaturação não é apenas com idols debutando como solistas, mas a quantidade excessiva de grupos de kpop debutando e todos lançando músicas extremamente semelhantes e com o mesmo estilo. Se isso continuar, vai ocorrer a mesma coisa que aconteceu no final dos anos 1980 até o começo dos anos 2000 com o excesso de boygroups e girlgroups sendo lançados no mundo, o mercado vai saturar e eles vão acabar caindo no esquecimento, salvo pelos fãs dos grupos, mas sem qualquer relevância maior para o mercado musical.

É por isso que aquela máxima é tão importante “menos quantidade e maior qualidade”, pois caso o contrário, o mercado fica do jeito que está e o final disso tudo não é nada bonito.