Segundo Bruno Oliveira, ...A carência emocional faz com que o balão acredite que o cacto tem tudo o que ele precisa.

Quantas vezes você já se envolveu com a pessoa errada e só se deu conta disso quando precisou fazer sozinho o curativo das “raladas” e dos ferimentos que sofreu na alma? Infelizmente, costuma ser no ato de colocar as próprias ataduras, que a ficha começa a cair, ou seja, quando tudo já acabou. Até porque estamos na era dos automatismos tecnológicos e os relacionamentos também obedecem a esse padrão tornando-se fugazes e transitórios, isto é, quando nem bem começaram, já estão terminando.

Desta forma, é quando tudo termina que tomamos consciência de nossa ingenuidade, do grau de exposição a que nos colocamos frente ao outro que era mestre no jogo de faz de conta. Percebemos ainda o quanto nos deixamos levar por nossas fantasias e devaneios em um repetitivo sonho de amor onde o príncipe encantado parece finalmente apontar na linha do horizonte, mas que, quando se aproxima, notamos que se trata de uma miragem...

É curioso que quando o vazio interior é muito grande, qualquer cavaleiro por mais estúpido e horrendo que possa ser tem cara de príncipe. Assim, somente no momento em que juntamos dolorosamente nossos pedaços, nos perguntamos por que ao contato inicial preferimos ignorar as evidências (sempre há sinais para quem deseja ver) e embarcamos numa viagem, que em algum nível já sabíamos que a pessoa em questão não iria atender as nossas necessidades e que fatalmente iríamos nos frustrar. Quando as naturezas de cada um são muito diferentes, torna-se praticamente impossível construir uma relação em que haja identificação, empatia, reciprocidade e um terreno fértil para que a verdadeira cumplicidade possa então florescer.

Preferimos nos embalar no doce sabor das ondas da ilusão, tal como faz o balão, que acredita que o cacto tem tudo que ele precisa. Por quanto tempo? Até que o outro nos desaponte e nos indique ele mesmo, se tratar da pessoa errada ou do grande equívoco em que nos deixamos enlevar.

Refletindo, constatamos que o que parece empanar nossa visão não é a ausência de acuracidade, mas uma sensação muito mais profunda, mas ao mesmo tempo vaga, de uma falta (não é possível definir com precisão), trata-se de uma espécie de fome psíquica aguda, que tentamos aplacar cegamente e com grande voracidade.

Este estado de fome emocional pode ser traduzido por “carência afetiva”, muito comum no mundo em que vivemos (a era dos automatismos). Assim, frequentemente nos surpreendemos tentando “tapar o buraco” com os mais estranhos objetos e comportamentos compulsivos: comida (principalmente doces), sexo desenfreado, pornografia, drogas, uso excessivo de medicamentos, envolvimento com pessoas erradas, trânsito incessante nas redes sociais entre outras tantas coisas. O ser humano costuma assim se esquivar das mais diferentes formas para evitar entrar em contato com seu vazio interior e entender porque, como e quando ele começou.

É fácil então deduzir que em estado de carência criamos afetos imaginários, tal como descrito no início deste artigo, colocando uma espessa ‘viseira’ que nos impede de enxergar com nitidez tanto externa quanto internamente.

Em geral, trata-se de uma experiência que teve início nas primevas sensações de quando ainda éramos bebês e que envolveram o desfazimento/quebra da fusão com a mãe no ato do nascimento. Naquele momento sentimos que se instalou uma distância entre nós e nossa única referência no mundo (no caso, a figura materna, nossa fonte geradora de vida e saciedade), e por conta desse lacuna nossas necessidades deixaram de ser satisfeitas no momento preciso em que aconteciam.

Desta forma, sentimos a aguda sensação do vazio quando gritamos por leite ou por um gesto de carinho, de calor e aconchego e este não veio ou demorou para chegar. Também no momento em que sentimos frio e medo da escuridão, e a única forma que encontramos para expressar nossa sensação de desconforto e angústia foi através do choro. Foi então que percebemos a dimensão da nossa solidão e aprendemos a conviver com a dor da fome e da falta.

Com o passar do tempo, a intensidade destas experiências pode se desvanecer ou se intensificar dependendo do quanto a mãe que nutre e alimenta de fato está presente para atender as necessidades da criança no seu sentido mais amplo.

Assim, ocorre que muitas vezes ao longo da vida, sentimos agudamente a falta ou carência de algo quando não podemos ter o que precisamos e não possuímos recursos internos e externos para lidar com isto. Se já não é mais o leite que aquece nossas entranhas, falta o amor e a consideração positiva incondicional, tão vitais para o vicejar pleno dos anseios da alma. E as reminiscências das terríveis cólicas da infância são reeditadas através de novos sintomas e dores pelo corpo afora.

Quando nos tornamos a pessoa adulta que traz dentro de si a criança que berra, a fim de evitar contínuas “raladas” na alma é necessário, antes de mais nada, tomar consciência do próprio vazio num ato ao mesmo tempo de coragem e de estima de si. Exercitar o autocuidado nas suas mais diferentes formas.

Vale lembrar que a relação consigo mesmo é uma pedra angular que interfere diretamente na relação com os outros. Neste caso, é fundamental começar por ter cuidado e afeto por si. Tentar se nutrir no mais amplo sentido do termo. Seja com boa alimentação, hábitos saudáveis de vida, sono e repouso reparadores, cultivo de boas relações de amizade. Encontrar o seu próprio ponto de equilíbrio na vida e funcionar em sintonia e harmonia com o ritmo cósmico pode ser uma meta altamente terapêutica. Uma relação consigo mais fértil é aquela que nos ajuda a sair do automático e nos possibilita percebermo-nos como um organismo que funciona plena e harmoniosamente dependendo do estímulo que lhe proporcionamos.

Partindo de um nível biológico podemos trabalhar o plano emocional. Assim, não há nada mais vital do que a própria respiração! Estar presente quando o ar entra, estar presente quando o ar sai, pode ser um ato revolucionário que contém a chave capaz de ativar o circuito do renascimento. E ainda, ao aproveitar-se melhor dos presentes que a natureza nos dá podemos complementar e consolidar esta ação: o sol que nos aquece e ajuda a fortalecer nossa imunidade é o mesmo que ilumina os ‘buracos negros’ de nossa alma, a água que banha nosso corpo e contribui para cicatrizar suas feridas também auxilia na cicatrização das feridas da alma, as cores das flores que encantam os ambientes, também vêm para nos alegrar e trazer beleza aos nossos dias.

Um outro aprendizado que também é essencial é que, talvez por uma questão de autopiedade por algum dia ter nos faltado o alimento/afeto de que precisávamos na tenra idade, muitas vezes passamos a vida reeditando experiências de abandono (“quem sabe assim não conseguimos a atenção que tanto necessitamos, não é mesmo?”), por isso nos envolvemos frequentemente com pessoas erradas. Mas quando conseguimos por em prática o autocuidado, conseguimos nos recolocar nos trilhos e seguir o caminho certo em direção ao crescimento. Percebemos então que é possível ser autor de nossa própria história e com isso nos apropriarmos de poder e força para não nos abandonarmos em situações de dificuldade e vulnerabilidade. Nessa circunstância, aquele vazio deixa de ser tão aterrador. O passado ganha um novo significado. Nossa relação com o presente se torna mais frutífera e o futuro menos assustador.

Quando enfim interrompemos o ciclo de repetições automáticas conseguimos abrir uma janela para o novo e assim o que chamamos de ‘milagre’ pode então surgir.

A chave está com você. Faça bom uso dela!