Todo mundo fala sobre o “espírito natalino”. Mas e se eu te dissesse que, para o cérebro, o fim do ano pode ser o período mais emocionalmente perigoso do calendário?

Mais um ano se passou e você nem percebeu. Nada melhor do que unir a família, encomendar o peru, vestir a roupa da sorte e comemorar mais um Natal e uma virada de ano triunfal (na praia, de preferência), e bradar: “Feliz Ano Novo!”. E o que dizer dos aeroportos nesta época do ano? Só de pensar, eu já me sinto em “ritmo, é ritmo de festa!”

Uau, Ufa!

Quem me acompanha na coluna e teve a oportunidade de ler um artigo que fiz sobre: “O espírito natalino é verdadeiro ou falso”1, sabe que esta época para mim se assemelha a provas de final de ano: você até consegue passar, mas é duro de encarar.

Como em um filme de ficção científica, às vezes eu gostaria de entrar em uma cápsula e só despertar quando as festas tivessem acabado — quando o barulho cessasse, os abraços formais já tivessem sido dados e o mundo voltasse ao modo silencioso.

Como uma pessoa introvertida e altamente sensível, o combo “barulho + gente + agitação” é praticamente uma tríade da exaustão. São dias em que a energia se esvai mais rápido, e cada som parece amplificado dentro da mente. Enquanto muitos se abastecem de encontros e celebrações, eu sinto uma necessidade quase vital de recarregar sozinha, longe do caos.

Afinal, eu não posso fugir do calendário, mas posso aprender a me resguardar das circunstâncias dele — e encontrar um jeito de atravessar esse período sem me perder de mim mesma.

E é justamente sobre isso que este artigo fala:

Como sobreviver emocionalmente às festas de fim de ano quando o mundo inteiro parece estar em ritmo de comemoração — e você só quer um pouco de paz.

O cérebro e a mente nas festividades de final de ano

De acordo com uma publicação do The Conversation2, o cérebro humano experimenta emoções intensas durante as festividades, especialmente no Natal e no Ano Novo. Não é coincidência: nessa época, somos expostos a uma sequência de situações altamente estressoras, que ativam nossas áreas cerebrais ligadas à emoção, à memória e ao controle social.

Organizar uma ceia para mais pessoas do que o habitual, lidar com as expectativas nas trocas de presentes, reencontrar familiares com quem talvez não tenhamos tanta afinidade, comer ou beber em excesso, sentir a ausência de quem partiu ou projetar esperanças irreais sobre o novo ano — tudo isso forma um verdadeiro caldeirão emocional.

Esses estímulos, somados, sobrecarregam o sistema nervoso e explicam por que tantas pessoas relatam exaustão, irritabilidade ou melancolia justamente em um período em que “todo mundo deveria estar feliz”. Um outro estudo, publicado na PubMed3, aponta um aumento dos casos de psicopatologias durante o período natalino, relacionado à queda de humor e ao maior consumo de bebidas alcoólicas.

No Reino Unido, por exemplo, foi observada uma elevação nos casos de agressão, abuso de álcool e comportamentos autolesivos entre jovens. Já nos Estados Unidos, o fenômeno conhecido como “depressão de Natal” tem sido associado à solidão, ansiedade e sentimentos de desamparo. Já países como Dinamarca e Finlândia registraram mortes elevadas durante a celebração natalina por intoxicação de álcool.

Um dos fatores mais relevantes nesse contexto é a crença no mito de que todos os outros estão felizes, rodeados por famílias perfeitas e relacionamentos amorosos. Essa ilusão social — amplificada pelas redes e pela cultura do “espírito natalino” — gera um perigoso contraste entre o que vemos e o que sentimos, alimentando a melancolia de quem se percebe à margem dessa idealização.

Alterar esse cenário é possível por meio de estratégias de mudança cognitiva, aponta uma especialista em saúde mental em entrevista à Harvard Medical School4. Segundo a psicóloga, essas habilidades envolvem gerenciar o tempo, manter a atenção, mudar o foco, planejar e organizar tarefas, além de lembrar detalhes importantes. Isso porque o córtex pré-frontal — região do cérebro responsável por planejar, tomar decisões e controlar impulsos — tende a ficar sobrecarregado durante o fim do ano, quando há um acúmulo de compromissos e demandas. Essa sobrecarga pode resultar em falhas de memória, aumento do estresse e desregulação emocional.

A boa notícia, segundo a especialista, é que o estresse do feriado geralmente representa uma reação aguda a uma ameaça imediata. Por isso, a tendência é que esses sintomas diminuam gradualmente com o fim da temporada e o retorno à rotina habitual.

Mas e o que dizer das pessoas que, mesmo reorganizando a rotina, reduzindo compromissos e tentando cuidar melhor de si, ainda não se sentem bem — ou “elas mesmas” — nessa época do ano?

Ansiedade social: a raiz da angústia das festas de fim de ano

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o transtorno de ansiedade social é caracterizado por um medo excessivo e persistente de situações sociais nas quais a pessoa pode ser observada, julgada ou avaliada por outras pessoas. Esse medo pode incluir o receio de agir de forma embaraçosa em público, levando, muitas vezes, ao desenvolvimento de comportamentos de evitação e à esquiva de interações sociais.

Durante as festas de fim de ano, esse desconforto tende a se intensificar. Pessoas introvertidas ou altamente sensíveis costumam ser alvo de críticas ou comentários depreciativos em reuniões familiares ou eventos de grupo — por serem “muito quietas”, “não quererem se enturmar” ou por “não gostarem de pessoas”.

Vivemos, de certo modo, sob uma “ditadura da extroversão”, que exige longas conversas, risadas altas e interação constante com o maior número possível de pessoas na mesma sala. Para quem lida com ansiedade social, esses encontros podem ser emocionalmente exaustivos. A cada “Feliz Natal” e “Próspero Ano Novo”, parece que um pouco mais de energia é drenado — e, ao final das festividades, resta apenas a sensação de ter sido completamente esgotado.

Uma matéria publicada pela BBC5 destaca que, durante as festas de fim de ano, pessoas com transtorno de ansiedade social podem se sentir tão pressionadas a “dar o melhor de si” que acabam desenvolvendo sintomas físicos e emocionais intensos. Entre eles estão o rubor facial, a sudorese excessiva, as respirações curtas e a sensação constante de estar sendo observadas, especialmente em momentos de maior exposição, como ao comer em público.

Muitas vezes, essas pessoas comparecem às confraternizações de Natal e Ano Novo apenas para não decepcionar familiares e amigos, mesmo sentindo um forte desconforto interno. Nessas situações, os festejos de final de ano se transformam em verdadeiros gatilhos de ansiedade, revelando o quanto a pressão social por desempenho e sociabilidade pode impactar a saúde mental.

Como manter o equilíbrio emocional nas festas de fim de ano — mesmo com ansiedade social

O primeiro ponto a considerar é que pessoas com ansiedade social podem começar a se preocupar com as festas de fim de ano alguns dias — ou até semanas — antes de elas acontecerem.

Mas calma — há caminhos para lidar com isso. A boa notícia é que, com algumas estratégias práticas de autocuidado e regulação emocional, é possível atravessar o período das celebrações com menos ansiedade e mais equilíbrio. A seguir, confira algumas orientações úteis6 para enfrentar as festividades com mais leveza e confiança.

  • Respeite a sua zona de conforto: respeite a sua energia e os seus limites e não procure se esforçar socialmente e psiquicamente a mais do que pode suportar. Tenha consciência de quanto tempo e espaço pode oferecer a amigos e parentes. Respeite suas pausas e reserve um local para ir a fim de recarregar as energias entre uma conversa e outra.

  • Participe de festejos sociais em que se sinta seguro: procure reuniões sociais de final de ano nas quais você se sinta mais à vontade para estar presente. Não se sinta obrigado a permanecer durante toda a noite — fique apenas o tempo que considerar necessário. Caso não se sinta bem para socializar, não se force: é perfeitamente válido optar por não comparecer e, em vez disso, fazer uma chamada de vídeo ou enviar mensagens para manter o contato de forma mais confortável.

  • Prepare-se com antecedência: faça perguntas práticas sobre a festa — quem estará presente, como será a ceia e a que horas o evento começará. Tente chegar um pouco mais cedo, para poder cumprimentar as pessoas com calma e se adaptar gradualmente à chegada dos demais convidados. Tenha também um plano B para se retirar da festa caso não se sinta bem.

  • Pratique técnicas de relaxamento: técnicas como respiração profunda e mindfulness podem ajudar a reduzir a tensão antes e durante o evento, promovendo uma sensação maior de calma e presença. Antes de sair de casa, reserve alguns minutos para respirar profundamente, inspirando pelo nariz e expirando lentamente pela boca. Durante a festa, caso perceba sinais de ansiedade — como aceleração do coração, sudorese ou respiração curta —, procure um local mais tranquilo e repita o exercício de respiração. Praticar a atenção plena também ajuda a manter o foco no momento presente, evitando que a mente se perca em preocupações ou julgamentos.

  • Cuide-se! Alimente-se bem, durma adequadamente e procure apoio psicológico ou psicoterapia caso não esteja se sentindo bem nesse período. Não sofra em silêncio e nem carregue sua angústia sozinho — buscar ajuda é um ato de coragem e uma forma essencial de cuidar da sua saúde mental.

Não existe uma solução mágica ou uma fórmula para eliminar as festividades de fim de ano do calendário. Diante disso, o foco deve estar em aceitar o que não pode ser mudado e buscar formas de minimizar o impacto do estresse sobre você.

Não gostar de comemorar o Natal ou o Ano Novo não faz de você uma pessoa ruim, fria ou menos especial — apenas mostra que você é alguém reservado e consciente dos próprios limites. E o mundo está cheio de pessoas assim, como vimos ao longo deste artigo.

A verdadeira celebração não está nas festas, mas na paz de estar em sintonia com quem você é. Foi muito bom falar com você. A gente se vê no ano que vem!

Referências

1 O espírito natalino é verdadeiro ou falso?
2 The holidays and your brain – a neuroscientist explains how to identify and manage your emotions.
3 The Christmas Effect on Psychopathology.
4 Holiday Stress and the Brain.
5 Navidad, la peor época para la ansiedad social.
6 Surviving the Season With Social Anxiety.