Olhar para o lado, olhar para trás e para frente, ver o antes (passado) e o depois (futuro) e não encontrar o outro, saber que ele saiu ou sumiu configura o sentir-se abandonado. A quebra da sequência ou a descontinuidade do convívio são os contextos que podem estruturar essa vivência de abandono.

Sentir-se abandonado é sempre uma resultante. Nesse sentido resume o ter sido deixado só, ou o fato de perceber e se categorizar como sozinho. O dado de realidade ou o resumo vivencial do abandono existe, e quando percebido pode ser aceito, justificado, questionado, ou não sendo aceito, pode criar revolta e insatisfação.

São inúmeras as situações nas quais as pessoas podem se sentir desprezadas, negligenciadas, abandonadas enfim. Na quebra de relacionamentos amorosos, de amizades, de relações familiares ou de trabalho, sentir-se só ou desamparado pode se tornar amedrontador. O abandono é vivenciado individualmente, com a sua carga de sofrimento, de acordo com a estrutura de cada um e seu contexto de vida. Podemos também facilmente identificar, principalmente nas últimas décadas, o abandono frequente de membros de determinados grupos de pessoas como os idosos, os imigrantes, crianças e adolescentes em vulnerabilidade social, doentes, usuários de drogas e outros grupos marginalizados. São dados inegáveis que devem ser e são enfrentados social e judicialmente, no entanto, a vivência afetiva dos que são abandonados só pode ser equacionada por eles próprios individualmente e isso nos remete aos processos de aceitação como passo fundamental para questionamentos e mudanças. Aceitar não significa se conformar ou se submeter. A aceitação de uma dada situação é um processo caracterizado pela convivência e perspectiva de transformação do que infelicita, e só assim surge a possibilidade de descoberta de liberdade, de questionamento e enfrentamento.

Nos casos de não aceitação do que se vivencia como abandono, muitas desestabilizações podem surgir: desde a raiva e a revolta até o medo e o desespero. No medo - omissão - a vivência do abandono é transformada em frequente clamor por SOS ou pedido de ajuda, de socorro, e consequentemente, ter medo estruturado pelo abandono gera as vítimas, os desesperados que colapsam, que não sabem o que fazer, salvo pedir auxílio. Essa busca de socorro gera infinitos deslocamentos, como por exemplo usar drogas lícitas e ilícitas para sonhar, para se sentir feliz, para se apaziguar, se tranquilizar, se acalmar. Criam-se verdadeiras fortalezas construídas por riquezas econômicas, por segurança social e por habilidades intelectivas que também são fatores pacificadores. Buscar companhia, seja pelas drogas, pela segurança do status social, pelo dinheiro, pelos prazeres, dos sexuais aos religiosos, são diligências constantemente feitas para suprir a sensação de abandono.

Não se suportar sozinho, se sentir perdido e abandonado é uma maneira de negar possibilidades e afirmar necessidades. É reduzir a vida à sobrevivência. Quando isso acontece, acontecem também as vivências de ameaça. Tudo ameaça a sobrevivência e obriga o estabelecimento de proteção e lutas para continuar existindo. Esse processo esvazia e transtorna o indivíduo, fazendo com que ele se torne insaciável na busca de resultados e segurança, fazendo com que mantenha ao infinito aquilo do qual foge: o abandono. Buscando sempre o que lhe falta - pela sensação de desamparo - ele se abandona, se transforma em contingência, trajetória estabelecida para conseguir o que precisa para sobreviver. É o sobrevivente dedicado a superar faltas. Assim ele cria o mundo da sobrevivência, de substituição e preenchimento, limitado aos próprios critérios que são explicitados pela carência desesperada e alienante.

O abandono é aceito quando as falhas do outro e as possibilidades de engano são percebidas. Em resumo, quando o sentido de eternidade, realização e satisfação são substituídos pela impermanência, e consequentemente, quando são admitidas as possibilidades de fracasso, falha e mudança.