Preguiçoso, lento, atrapalhado, acomodado, desinteressado, infantil. Estes são apenas alguns dos adjetivos que pessoas que não conseguem sair de casa para trabalhar recebem. E eu me incluo neste grupo.

Em 2008 quando me casei, me mudei com o meu marido para São Paulo. Na época ele estava concluindo seu doutorado em ciências na USP, e vivíamos financeiramente com uma bolsa de pesquisador. Animada com as oportunidades que uma metrópole tem a oferecer, comecei a preencher vários currículos online e comecei a ser chamada para vários processos seletivos. O curioso é que (na maioria deles) eu conseguia chegar na última etapa, que consistia em uma entrevista final com os gestores do projeto. E era justamente nesta parte que eu começava a me sabotar.

Em um dos projetos em que fui selecionada, decidi encarar o desafio e comecei a trabalhar em um programa social de incentivo a alfabetização de jovens e adultos. Eu estava muito empolgada, pois se tratava de um projeto grande que atendia todo o território nacional, exigindo de mim disponibilidade para viagens. Quando recebi um e-mail na primeira semana, requisitando a minha presença em uma cidade do interior do nordeste, congelei. Eu não sabia o que dizer, afinal eu havia aceitado todas as incumbências que o cargo exigia, inclusive o fato de ter que viajar mensalmente, visto que eu era uma consultora pedagógica de projetos.

Ao final do expediente, voltei para casa sentindo fortes dores abdominais. Eu havia telefonado para o meu marido (dizendo que eu não estava bem), e ele me esperou no ponto de ônibus. Lembro-me de ele ter que me ajudar a descer do veículo, pois a dor e o inchaço na região abdominal eram agoniantes.

Caminhamos bem lentamente até o condomínio, e de madrugada senti uma “pancada” forte na barriga. Fomos direto para o Hospital Universitário, e depois de apalpar meu abdômen, o médico disse se tratar de um caso de apendicite. Diante da gravidade da situação, viajamos para a casa dos meus pais para que eu pudesse me internar em um hospital particular a fim de realizar a cirurgia de retirada do apêndice.

No entanto, antes da cirurgia, o médico solicitou uma ultrassonografia abdominal em que foi constatado que não havia inflamação no apêndice. Como eu já havia lido sobre doenças psicossomáticas antes, pensei que a dor abdominal poderia ser uma delas.

Relatei a situação para os meus pais, dizendo que as dores começaram após o recebimento de um e-mail (de trabalho), contendo informações sobre uma viagem que eu faria na semana seguinte. Assim, eu pediria para ser desligada do programa por me sentir desconfortável para fazer tais viagens.

Ao ouvir minha queixa, meu pai disse não acreditar na minha postura, visto que, na época dele as pessoas simplesmente trabalhavam, sem questionar se iriam gostar do emprego ou não. Ele também disse que muitas vezes comparecia ao trabalho com febre, dor de cabeça, indisposição e desconforto gástrico. No entanto, ele sabia que tinha que trabalhar, pois tinha esposa e filhas que dependiam dele. Repreendeu minha postura, alegando que o problema era “esta geração atual” sem fibra, nem ganas de enfrentar os desafios do dia a dia. E que meu marido não tinha um emprego, mas sim “um futuro incerto” (hoje ele é professor Doutor de Universidade Federal).

Voltamos para São Paulo, e no dia seguinte escrevi um longo e-mail para minha gestora, pedindo o meu desligamento do programa. Ela compreendeu meu ponto de vista, e desejou tudo de bom em minha jornada, alegando que “caminhos existem muitos, mas somente um é capaz de te guiar para onde você pretende chegar”. Lembro-me que esta frase bateu tão forte quanto a dor que eu estava sentindo na minha barriga. É como Chico Buarque diz naquela canção: “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”.

O medo irracional de trabalhar como fobia específica

Depois do incidente e de volta a São Paulo, compareci a algumas entrevistas de emprego (mas só de corpo presente). Toda vez que eu chegava em alguma empresa, sentia tremores, calafrios, enjoo, dor no corpo e pensamento acelerado. Conversando com meu marido, decidimos que eu trabalharia em casa. Consegui um emprego de escritora em uma ONG, em que eu atualizava o site com artigos e novidades sobre os projetos sociais da Organização. Logo depois, me engajei em outros projetos que também precisavam de uma escritora freelance, e deste então é o que eu faço com amor e afinco.

No entanto, uma pergunta sempre pairava em minha mente como mosca em cima de pão doce: o fato de eu ter passado mal nas oportunidades de emprego, teria alguma coisa a ver com medo do trabalho? Segundo o Dr. Google, sim.

De acordo com alguns sites de busca, ergofobia é o nome que se dá ao medo irracional do trabalho, e se enquadra no grupo de fobias específicas dos transtornos de ansiedade. Ela se manifesta por meio de estímulos fóbicos que são situações, lugares ou objetos que nos remetem ao ambiente de trabalho. Como resultado, pessoas que sofrem desta fobia acabam ficando em casa devido ao sofrimento e angústia que sentem.

No meu caso, só o fato de estar dentro de um ônibus já era suficiente para desencadear em mim um desconforto físico.

Um dado curioso, é que a ergofobia é um tipo de ansiedade social, em que os fóbicos pelo trabalho apresentam medo ou insegurança intensa em socializar com os demais. Eu me lembro como era difícil para mim a hora do almoço. As pessoas continuavam falando de trabalho, e eu naquele grupo (trajando roupa social e salto) sem a mínima ideia do que estavam falando, tendo que comer rápido (eu como super devagar, no estilo mindful eating) porque todos saiam juntos do restaurante. Que desconfortável!

Infelizmente, a fobia do trabalho não atinge somente a pessoa que não consegue sair para trabalhar, mas também a indivíduos que nunca trabalharam antes na vida.

Mas por que será que isto ocorre? De acordo com esta plataforma social1 especializada em fobias, as principais causas são:

  • Transtornos psiquiátricos como transtorno de ansiedade ou esquizofrenia, pelo fato de ambos estarem relacionados com o medo de situações sociais;

  • Demissão abrupta de um emprego (e o medo de ser demitido novamente, sentindo-se assim inadequado);

  • Uso de ansiolíticos: a pessoa com a fobia pode ter procurado ajuda psiquiátrica, e devido á intervenção medicamentosa, sentir efeitos colaterais que dificultam sua saída de casa para o trabalho.

  • Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) devido á: assédio moral e/ou sexual, bullying por parte dos colegas, assalto no trajeto de casa ao trabalho;

  • Ansiedade de desempenho, e a cobrança excessiva em ter sempre que ser o melhor na empresa;

  • Dificuldade em socializar com colegas e chefes, bem como em fazer networking;

  • Burnout ou síndrome do esgotamento profissional.

Em casos extremos, a ergofobia pode levar o funcionário a situações como: rescisão de contrato, ou até mesmo a abandono de emprego. Quanto mais tempo a pessoa fica sem sair de casa para trabalhar, maior se torna a fobia pelo trabalho. Esta situação compromete outras áreas da vida como relacionamentos, saúde física e mental, administração da casa e das finanças, e até mesmo perda de bens. Dessa forma, a ergofobia torna a pessoa dependente tanto de recursos financeiros como de recursos humanos (amigos, parentes, cônjuge) para se manter.

É importante salientar que sentir desânimo para ir ao trabalho, é diferente de sofrer de ergofobia. Sentir desânimo é natural, principalmente quando não dormimos direito ou quando estamos preocupados com alguma situação (mas isso não impede que a pessoa consiga realizar seu trabalho). Já no caso da ergofobia os sintomas2 causam transtornos na vida do sujeito, como:

  • Ataques de pânico: podem ser sentidos quando a pessoa está saindo para trabalhar;

  • Tontura, náusea, diarreia, dor intensa abdominal;

  • Pensamentos intrusivos (“não sou tão competente como eles”, “esse lugar não é para mim”, “vão rir da minha cara”, “não vou conseguir”, etc.);

  • Problemas de atenção e concentração;

  • Dificuldade para memorizar (esquecimento recorrente);

  • Evitação a qualquer estímulo que lembre o trabalho.

A ergofobia geralmente é causada mediante a associação entre dois estímulos. A pessoa vivencia uma situação ruim no trabalho (1), e associa esta experiência ruim ao local em que trabalha (2). Logo, ela relaciona experiências negativas a todo e qualquer ambiente laboral (por não ter conseguido processar direito a situação). Como medida de enfrentamento, o fóbico evita o estímulo que lhe causa angústia, neste caso o trabalho, a fim de diminuir a ansiedade. Quanto maior a evitação, maior o alívio e a sensação de se sentir seguro.

Agora que já sabemos as causas, vamos conhecer algumas formas de tratamento da ergofobia.

Estratégias terapêuticas indicadas para a ergofobia

De acordo com Choosing Terapy3, site especializado em saúde mental, alguns dos tratamentos para a ergofobia incluem:

Terapia de exposição

Nesta abordagem o paciente é exposto gradualmente a situações (relacionadas ao trabalho) que lhe geram ansiedade. Estas situações podem ser reais, imaginadas ou simuladas.

Ao ser exposto (a) a situação, o paciente aprende a utilizar técnicas de relaxamento muscular, a fim de modificar a associação entre o estímulo e a resposta ao medo.

Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)

Através de um processo de psicoeducação, o paciente aprende a gerenciar e corrigir pensamentos distorcidos que o levam a comportamentos evitativos com relação ao trabalho. Para uma melhor eficácia, a TCC pode ser aplicada juntamente com a terapia de exposição.

Terapia Comportamental Dialética (DBT)

Inicialmente desenvolvida para tratar indivíduos com alta desregulação emocional (como no transtorno de personalidade borderline), a DBT tem se mostrado bastante eficaz para tratar outros transtornos clínicos como a ansiedade. Isso se dá pelo fato desta abordagem trabalhar com um treinamento de habilidades sociais dividido em módulos (mindfulness, tolerância ao mal-estar, efetividade interpessoal e regulação emocional), que irão auxiliar o paciente a enfrentar situações do dia a dia de maneira mais equilibrada e menos impulsiva.

Muitas pessoas sofrem com a ergofobia por desconhecer que se trata de um tipo de fobia específica, não tendo relação alguma com preguiça ou desleixo. Felizmente, hoje é possível ter acesso a sites e plataformas de saúde mental, em que as pessoas compartilham e trocam experiências em busca de apoio e esclarecimento. Uma delas (citada no começo deste artigo), relata a luta e o preconceito que pessoas vivenciam ao não conseguir ir ou se manter em um trabalho. A página virtual conta com diversos testemunhos, e dentre as principais queixas estão: o desejo de morrer ou não existir; medo do desconhecido; sensação de ser um fardo para a família; medo de interação social; falta de motivação; gerente abusivo; ataques de pânico; positividade tóxica (“supera isso!”); ansiedade em entrevistas de emprego; receio de não ser bom o suficiente; falta de compatibilidade com o trabalho.

Estes são apenas alguns exemplos, pois a lista de dificuldades que pessoas com ergofobia relatam, é vasta. Por este motivo, uma rede de apoio (como grupos virtuais) em que as pessoas podem se identificar mediante interesses e assuntos em comum pode ser reconfortante. Um dos principais motivos é o fato de poder falar abertamente sobre o que sentem, sem serem julgados ou rotulados o tempo todo.

Quanto ao tratamento psicoterápico, o psicólogo ajudará o paciente a identificar o trauma que desencadeou o medo do trabalho, para que juntos possam iniciar a intervenção terapêutica mais adequada. Outra estratégia que pode ajudar pessoas com ergofobia é realizar algum tipo de trabalho voluntário, até que ela se sinta segura para trabalhar formalmente.

O mais importante é saber que a ergofobia existe, é um tipo de fobia específica e, portanto, há tratamento. O primeiro passo é substituir a culpa pela ajuda e principalmente, saber que este tipo de fobia também atinge outras pessoas. Você não está sozinho!

Notas

1 Plataforma social.
2 Qué es la Ergofobia y cuáles son sus causas, consecuencias y síntomas.
3 Ergophobia (Fear of Working): Signs, Symptoms, & Treatments.