No ano em que se comemoram 130 anos do nascimento do Poeta, relembremos que Fernando António Nogueira Pessoa ( 13 / 6 / 1888, Lisboa- 30/11/ 1935- Lisboa) manifestou desde cedo uma atracção e interesse especiais pelos temas ocultos. No seu poema The Circle ( O círculo, assinado por uma das suas personalidades literárias inglesas, Alexander Search), afirma profeticamente que o seu “pensamento está condenado / ao símbolo e à analogia”( Pessoa, 1995):

Tracei um círculo por sobre a terra
Era uma estranha, mística forma (…)
Julguei que o círculo encerrasse inteiro
Em calma a violência do mistério.
E assim, em cabalístico jeito,
Ali tracei um círculo curioso;
O círculo traçado era imperfeito,
Embora, em sua forma, cuidadoso.
Profundamente, da magia, ao falhar,
Lição tirei que m e fez suspirar

É um poema surpreendente porque se percebe o significado profundo da mandala: o círculo mágico que re-liga o cosmos ao eu mais íntimo. Todavia, não nos esqueçamos que a nossa primeira mandala é a astrológica com a sua linguagem sagrada. F.Pessoa percebia e falava com à vontade da sua magia, hermeticamente e esotericamente, como podemos verificar através do seu Ensaio sobre a Iniciação (Centeno, 1978, p. 66):

«O Adepto, se conseguir a unidade entre a consciência e a consciência de todas as coisas, se conseguir transformá-la numa inconsciência ( ou inconsciência de si próprio) que é consciente, repete dentro de si o Acto Divino que é a conversão da consciência plural de Deus em indivíduos».

Este é o fim último de qualquer mandala astrológica: perceber o nosso tema natal, o nosso céu de nascimento, de onde vimos e para onde vamos nesta existência. Todos começamos o nosso caminho iniciático atravessando o nosso Sol , a nossa Lua e todos os planetas do Zodíaco, com todos os seus respectivos regentes esotéricos.

Neste sentido a Astrologia não é apenas uma arte divinatória, mas sobretudo uma doutrina esotérica que permite conhecer o Homem e a sua condição, a Natureza e o Cosmos. Fernando Pessoa conhecia bem esta ciência, que aplicou não só na Mensagem, mas também na realização dos horóscopos dos seus heterónimos. Mesmo aquilo que escreve no seu Ensaio sobre a Iniciação ( Centeno, 1978, p.60-61):

«O significado real da iniciação é que este mundo visível em que vivemos é um símbolo e uma sombra, que esta vida que conhecemos através dos sentidos é uma morte e um sono, ou, por outras palavras, que o que vemos é uma ilusão. A iniciação é o dissipar- um dissipar gradual e parcial-dessa ilusão».

Tal, tem que ver com a ciência iniciática que se esconde por detrás da linguagem sagrada da astrologia. O dissipar gradual da ilusão tem que ver com a travessia zodiacal que cada um de nós terá que fazer. Consciencializar o nosso sol através do vazio que a lua em nós faz sentir. Alimentar essa insatisfação e vazio através de uma gradual consciência do que é fazer morrer em nós variadíssimas ilusões.

Impõe-se o quebrar dos espelhos e o sair do labirinto da saudade do que é ilusório. Há que fechar portas para abrir outras portas. E como diz Pessoa ( cit. Anes, 2004, p.123)

“…quem tiver as chaves herméticas, em qualquer forma de um ritual encontrará sob mais ou menos véus, as mesmas fechaduras..”.

Voltamos a sentir a temática astrológica quando relemos os seguintes passos Pessoanos:

“…viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo-quando o homem se ergue a este píncaro está livre, como em todos os píncaros está só, como em todos os píncaros está unido ao céu…”.( op.cit, p.151).

Este é o caminho da serpente astrológica, uma metamorfose transformativa, evolutiva. O caminho do escorpião que se quer metamorfoseado em águia, que voa mais alto depois de se ter atravessado profundamente nas suas águas mais íntimas e infradimensionais. É um caminho fraterno.

Vejamos porquê:

“A fórmula da Fraternidade é esta: cada homem é ele só; qualquer caminho que siga, tem de buscá-lo em si mesmo..”(op.cit, p.152).

Todos os seus heterónimos são, conscientemente ou não, a sua própria forma de afirmação e a sua incessante procura do utópico, da diferença.

Gémeos, signo sob o qual nasceu, é regido por Mercúrio, planeta associado às diversas formas de comunicação. Nele encontram-se o sol, Vénus, Neptuno e Plutão. Mercúrio, esse, está em Caranguejo, signo de Água, forma do sentimento, da emoção e do sonho. Planeta comunicativo e mensageiro, deixa que emoções, sentimentos, sonhos e desejos fluam através da mente receptiva que possui e ganhem forma através de Urano, planeta espiritual e criativo, associado ao vanguardismo e ao incomum.

Segundo o astrólogo Carlos de Oliveira: “Entre os dois – Mercúrio e Urano-, forma-se uma quadratura, aspecto símbolo de energia dinâmica, activa, mas também tensa e de fricção.”( in Simbólica, 1994, p. 20-21) Daqui surgem as suas múltiplas personagens e tudo o que inspirou e inspira gerações.

Gémeos é o signo da dualidade, do confronto da Alma com a Personalidade, segundo a expressão esotérica. Na mitologia antiga, Mercúrio é chamado de “mensageiro alado dos deuses”, aquele que leva e traz as mensagens entre os deuses e a Humanidade com a velocidade da luz. No homem, Mercúrio gera a relação entre os dois pólos da personalidade, Deus e animal, para um estágio mais agudo e, mais tarde, funde a Alma com a personalidade.

O regente esotérico de Gémeos é Vénus, que com a sua qualidade unificadora desfaz a dualidade, transformando-a em “síntese fluida”. A fusão dos pares de opostos ocorre na consciência, através do amor que tudo abraça.

Todavia, o seu ascendente é o signo Escorpião, que é regido por Marte, esotérica e exotericamente. Assim, a força sexual é transformada em força de vontade criativa. Marte, como regente duplo, põe em movimento toda a natureza mais baixa, fazendo da vida uma eterna provação, uma constante batalha entre forças superiores e inferiores, a permanente exigência psicológica e espiritual do morrer e do renascer.

A metamorfose transformativa é um caminho iniciático e difícil mas necessário para quem, como Pessoa, quer ser um discípulo triunfante. Daí, não podermos estranhar este seu poema que revela todo o seu itinerário astrológico consciente de um perpétuo renascimento:

Tu, porém, Sol, cujo ouro me foi presa,
Tu, Lua, cuja prata converti,
Se já não podeis dar-me essa beleza Que tantas vezes tive por querer,
Ao menos meu ser findo dividi-
Meu ser essencial se perca em si,

Só meu corpo sem mim fique alma e ser!
“Converta-me a minha última magia
Numa estátua de mim em corpo vivo!
Morra quem sou, mas quem me fiz e havia,
Anónima presença que se beija,
Carne do meu abstracto amor cativo,
Seja a morte de mim em que revivo;
E tal qual fui, não sendo nada, eu seja!”.

( Publicado in Presença, nº 29, Coimbra, Dezembro de 1930.)

Percebemos facilmente, a partir deste poema, que F. Pessoa compreendeu que era preciso matar um dos Gémeos, o Gémeo curioso pela luz, pela diferença, pela arte mas que se dispersa e nada atinge, para fazer viver plenamente o Outro dele Mesmo, o Gémeo cuja Vénus o leva ao Amor Maiúsculo, humanitário, ao serviço dos outros e do próximo e cuja Mensagem é universal e particular ao mesmo tempo, porque simbólica e mítica, porque cósmica e humana.

Bibliografía

Livros

Anes, José Manuel. ( 2004). Fernando Pessoa e os mundos esotéricos. Lisboa. Ésquilo.

Centeno, Y. ( 1978 ). Fernando Pessoa e a filosofia hermética. Lisboa.Editorial Presença.

Revistas

Presença, nº 29, Coimbra, Dez. 1930

Simbólica, Revista que comemora os 125 anos do Ateneu Comercial do Porto, 1994, dirigida por Maria Antónia Jardim