δῶς μοι πᾶ στῶ καὶ τὰν γᾶν κινάσω.
Give me the place to stand, and I shall move the earth/world.
Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e levantarei o mundo

(Arquimedes de Siracusa)

O VIII d’ Os XII Trabalhos de Asterix foi obter o livre trânsito A38 na Casa que Enlouquece (vid. infra), ou seja, enfrentar, com sucesso, a burocracia. E Obelix acabou, em desespero, por reconhecer que a poção mágica não seria capaz de os ajudar a vencê-la, pelo que enlouqueceriam e ficariam escravos de César…

Da perspectiva organizacional de Max Weber até à realidade contemporânea, o processo administrativo (burocracia) foi marcado por uma multiplicação exponencial de fases, etapas, vias, impessoalidade e entropia…

A investigação científica, que pareceria apenas implicar o empenhamento na busca do conhecimento, tem vindo a ser, progressivamente asfixiada pela burocracia, labirinto de tal forma exigente de atenção e de GPS que recomenda a aquisição de mecanismos (pessoas, gabinetes, empresas…) com essa especialização. Sob pena de a qualidade científica não chegar, sequer, a ser avaliada, para já não mencionar a penalização dos que, tendo obtido financiamento, se vêem a braços com toda a burocracia do processo de aquisições de matérias (através do bem intencionado processo das centrais de compras que acabam por resultar em custos muitíssimo mais elevados do mesmo, acrescidos dos que representam os recursos humanos e a morosidade por elas implicados), dos relatórios científicos, financeiros e outros.

Através desses processos é que a produção científica e as suas instituições são avaliadas e é no seu âmbito que surgem as bolsas de investigação científica, temporária presença e colaboração dos que desejam continuar nessa via.

Das candidaturas dos projectos…

No centro do labirinto burocrático:

Salvo a reconhecida excepção do ICS (que poderia ser modelo, sem prejuízo de adaptações às singularidades disciplinares), a maioria dos centros continua a reclamar gabinetes especializados na candidatura a financiamento, processos meramente burocráticos e altamente exigentes do domínio processual e da estratégia. Vejamos, em breves pinceladas, alguns exemplos.

Tudo começa com a candidatura de um projecto.

Passemos por cima do que é conceber um projecto científico.

Saltemos, também, a fase da estratégia científica que consiste em avaliar o quadro das possibilidades de financiamento e inscrever, adequando ao cenário mais favorável, esse projecto, formulando-o e inscrevendo-o na área disciplinar que pareça mais prometedora.

Passemos ao preenchimento dos formulários de candidaturas. E vejamos como o sistema “facilita” (sic) os investigadores nessa candidatura.

Só a título de exemplo, o Guia de apoio ao preenchimento do formulário de candidatura da FCT, já na sua 3ª versão de 12/4/2017, tem 103 páginas para “facilitar o preenchimento do formulário de candidatura”, “não dispensando, no entanto, a consulta da regulamentação aplicável”, 16 documentos nomeados, dos quais, só o primeiro, o Aviso n.º 02/SAICT/2017, contempla um elevado número de remissões.

Outro exemplo. O POCI apresenta, só numa página, 2 Guias de Apoio ao Preenchimento do Formulário de Pedido de Pagamento com o louvável «objectivo /…/ de auxiliar os potenciais beneficiários no preenchimento do Formulário de Pedido de Pagamento» (itálicos meus) com remissões de recomendada consulta que nos fazem folhear quase 1000 págs. de regulamentação.

Tudo isto, agora, no quadro de um POCI cuja regulamentação apresenta 4 alterações à regulamentação desde 2016 e cujo “Quadro Resumo de Avisos de Abertura de Candidaturas”, actualizado em 12/4/2017, às 15h19m, nos oferece um labirinto de 6 páginas compactas de que reproduzo uma a título de exemplo: Figura 1. O quadro completo aqui.

E já não refiro a multiplicação de Guias de Beneficiário ou afins (cerca de 30 volumes) com regulamentos acumulados, sempre “documentos facilitadores”. Às vezes, estes documentos vão-se transformando em sucessivas versões, como é o caso do primeiro (Publicitação | Guia do beneficiário | vrs 0.6 de 17 abril 2017), na 6ª versão, com 50 págs., que surge com a recomendação de outras consultas, uma das quais “descontinuada” e as outras, de múltiplas vias: Figura 2. Vid. Compete 2010.

Ao lado da página “descontinuada”, as hipóteses dos outros dois links são múltiplas (em número de 40, 33, 21 e 26), a saber: Figura 3. Vid. a página.

Também há empresas que poderiam ser contratadas, recursos humanos que poderiam ser formados… tudo com melhoria clara de todos os resultados.

Mesmo assim, e apesar de tudo...

…se olharmos os gráficos de concentração dos maiores projectos, eis o panorama, onde Portugal está bem colocado em 2017-13: Figura 4

…se olharmos os indicadores da Top Universities, verificamos que o resultado da avaliação por áreas disciplinares em 2017 não justifica o desinvestimento nas Humanidades que assinalamos ao longo desta reflexão em vários passos. Apenas a título de exemplo, comparem-se algumas das áreas da mesma universidade: Figura 5

…às dos jovens investigadores

As dificuldades enfrentadas pelos bolseiros conduziram à criação da ABIC – Associação dos Bolseiros de Investigação Científica com site, fórum, blog, inquéritos e guia.

Os Concursos para atribuição de Bolsas de Investigação no âmbito do COMPETE 2020, de actualização semanal, apresentam um panorama de complexidade correspondente ao dos projectos de investigação candidatados concretizado num quadro que também “não dispensa a consulta ao site da FCT e ao site eracareers”, e que recomenda o uso das “palavras-chave para pesquisa: COMPETE 2020, Compete 2020, POCI, ou a ref.ª da Bolsa”. Enfim, mais um labirinto para experts… quanto aos resultados, quer da conquista da almejada bolsa, quer do que representa esse estatuto de bolseiro de investigação científica, remeto para os protestos que a sua precaridade tem motivado desde 2006.

As bolsas, porém, são matéria para outras pinceladas em próximo texto.

Entretanto, concluo com Carlos César da Silva Souza:

«A grande incidência de disfunções, patologias, neuroses e mitos nas organizações confirma a hipótese de que existe uma lei organizacional bastante similar à segunda lei da termodinâmica e que pode ser assim formulada: as organizações tendem a se desintegrar paulatinamente como decorrência natural de seu próprio funcionamento. Essa tendência tem sido chamada na literatura de ‘entropia organizacional’. (Kast & Rosenweig, 1970, p. 56; Argyris, 1970, p. 1)».

E, distinguindo entre disfunções de 1º grau e de 2º grau, caracteriza assim as segundas:

«As ‘disfunções de segundo grau’, por seu turno, são patologias que impedem a organização de perceber com rapidez e clareza as suas disfunções de primeiro grau. Estas, quando não são tratadas e resolvidas adequadamente acabam por transformar-se em doenças crónicas, sem tratamento».

Eis-nos, pois, em pleno castelo kafkiano, representação e alerta anterior à II Guerra Mundial…

Identificados os problemas, porque continuar com os mesmos padrões de avaliação?

Asterix e Obelix enfrentando a burocracia: