Comemoremos os 100 anos de nascimento do escritor Vergílio Ferreira atentando na sua célebre frase:

“Que ideia a de que no Carnaval as pessoas se mascaram. No Carnaval desmascaram-se.”

De facto, o Carnaval é um período de licença para as pessoas passarem a desfilar comportamentos marginais, desviantes, não sujeitos a regressões ou censuras; serve para que muitos possam tirar em público a máscara com que disfarçam a sua verdadeira natureza.

Há pois, que atentar nos disfarces, nas máscaras que rodopiam em nosso redor…elas vão transmitir sinais, pistas sobre o carácter e personalidade de quem as usa e que nós julgamos conhecer durante o resto do ano! Qual Poirot, observemos detalhadamente o cortejo que desfila perante o nosso olhar e decerto iremos descobrir muita informação encriptada mas decifrável desde que apuremos a nossa consciência e a nossa inteligência emocional.

O Carnaval, passa, assim, a constituir uma época valiosa para “separar o trigo do joio”; para sair dos labirintos de espelhos e conhecermos os verdadeiros rostos; os dos vizinhos, colegas, amigos, familiares e o nosso, claro! Vergílio Ferreira, no seu livro ímpar: invocação ao meu corpo, refere que para além de nós , estamos nós ainda, na senda de Pessoa que assume o Rosto e as Máscaras, alertando-nos para a consciência de que somos muitos, num só corpo, lugar tatuado de vozes, palco de dramas e comédias, risos e lágrimas; nós aprisionados na nossa condição humana!

Ainda na mesma obra, Vergílio Ferreira constata uma força milagrosa que poderá libertar a condição humana para passar a ser mais divina..

“Regresso a mim, ao meu corpo onde todo o milagre aconteceu. (…) na brevidade de um pequeno ser – eu. E todavia (…) trago em mim a força monstruosa de interrogar.”

A interrogação é essa força. A força do espanto; a força de sermos nós a criarmos os nossos próprios milagres; de sermos nós o Criador; deuses de trazer por casa que tratam por Tu o Além!

-O Senhor Carnaval dá licença que nos comportemos como imortais? Como deuses?

Interroguemos sobre a Morte e disfarcemo-nos dela!!! Interroguemos sobre o Pecado! Disfarcemo-nos dele! Interroguemos sobre os Santos mistérios; sobre os seus véus e vamos desemcriptar mensagens…Interroguemos sobre os Sonhos; tornemo-nos Sonhos!

Essa seria a verdadeira Aparição! Mas para isso acontecer temos que Desaprender!

Desaprender a perguntar e aprender a interrogar! Essa é a Lição!

Numa outra passagem de Invocação ao meu corpo, Vergílio Ferreira certifica que Somos Corpo, somos as nossas mãos, os nossos braços…então, também somos as nossas máscaras, as nossas Personae…Desmascaremo-nos!