Há alguns anos, o Brasil, a cada quatro anos, entrava em um frenesi em clima de Copa do Mundo. Era um tal de convocados para cá, probabilidades para lá, adversários acolá. E tome o noticiário em clima de Copa. Inventavam pautas sobre qualquer coisa, apenas para falar do evento.
Agora, em novembro, o noticiário político entrou no clima de COP30. O evento que provavelmente deve lançar holofotes ao país por conta da política ambiental e a discussão tão necessária sobre as mudanças climáticas.
A pauta cai como uma luva no colo do governo do presidente Lula. Conhecido pelo apoio às pautas de preservação ambiental, esse evento vai fornecer o palanque para o marketing ambiental. O governo, que está em recuperação de sua popularidade e de suas pautas, precisa do máximo de palanques possível.
A COP será marcada pelo que foi dito e feito durante e após o evento, mas não podemos esquecer o que foi feito e falado antes dele. Então, para essa coluna, quero destacar um ponto importante.
Então, quero falar sobre os hotéis da região, que, ao verem uma possibilidade de faturar um dinheiro a mais, resolveram tentar faturar muito dinheiro a mais às custas desta ocasião. Olharam os conceitos básicos de oferta e demanda e resolveram aplicá-los em toda a sua plenitude. A oferta não consegue absorver a demanda? Vamos subir os preços.
Só que, como eu já falei por aqui em algum momento, não é possível bater o capital com dinheiro, pois o capital sempre terá mais dinheiro do que você. Imagine, então, o capital do Estado. Os hotéis tentaram vencer o capital de 206 milhões de pessoas. Difícil… muito difícil.
Não está sabendo do que estou falando? Basicamente, a rede hoteleira de Belém, sede da COP30 (conferência sobre clima da ONU (Organização das Nações Unidas)), resolveu subir o valor das diárias na casa dos 1.000%. O colunista João Gabriel traz toda a situação em uma matéria de O Tempo, onde você pode conferir nas notas de fim deste artigo.1
A cidade de Belém, no estado do Pará, já vinha sendo criticada pela falta de estrutura para abrigar um evento deste tamanho. Entretanto, sabemos que grandes eventos costumam promover transformações por onde passam. Aqui no Brasil, parte dessas mudanças positivas é suprimida por conta de escândalos de corrupção, desvios de dinheiro público e de diversos lobbies.
Essa fome por dinheiro não é nova. Na tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, o preço da água saltou para a casa dos 80 reais. Oferta e demanda também? Ou seria trapaça? O Ministério Público até chegou a autuar e multar os estabelecimentos. Funcionários foram presos. Você pode conferir mais na reportagem do G1.2
Os eventos estão separados por quase dois anos de diferença. Em tese, são coisas diferentes; afinal, no Rio Grande do Sul, tínhamos uma tragédia humanitária. Na COP30 temos apenas hoteleiros tentando aplicar a boa e velha “Oferta e Demanda”. Trazendo um trecho da reportagem do João Gabriel:
Procurada, a ABIH (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis) afirmou, por meio de seu presidente no estado, Antonio Santiago, que 'certamente [as empresas] estão aplicando uma lei antiga: oferta e procura'. A infraestrutura de Belém vem sendo questionada desde que a cidade foi escolhida para sediar a COP30, e nas últimas semanas, o preço da hospedagem tornou-se o epicentro de uma crise.
Não sou contra tentar ganhar um dinheiro a mais. O homo economicus trabalha exclusivamente para acumular capital no menor tempo e no menor custo possível. A minha crítica é você abusar de um evento para tentar arrecadar um dinheiro extra. Qual a diferença disso para um cambista que compra algumas dezenas de ingressos e vende na porta do estádio por dez vezes o valor? Oferta e demanda, não é mesmo?
Só que o capital combate o capital. O homo economicus é o lobo do homo economicus. Então, já que não há leitos suficientes, vamos equalizar a oferta com a demanda. Então, o governo alugou dois navios de cruzeiro para ficarem à disposição da COP30. O preço dos leitos é tabelado e estará à disposição das delegações. O Estado interveio: contratou navios e reservou leitos para delegações — uma medida emergencial de contenção de abusos. Caso tenha perdido essa sacada do governo, confira mais na reportagem do G1. 3
Quando se deixa o mercado ser mercado, ele faz parcerias entre si para lesar o cliente. A mão invisível do mercado sempre vai bater a sua carteira. Os hoteleiros poderiam ganhar um pouco a mais. Entretanto, resolveram abusar e o governo fez o que deve ser feito. Foi tipo um abuso reverso.
Quando aquele seu amigo neoliberal extremo pregar que o mercado deve parear e dividir os preços, mostre a ele esse case no Pará, quem sabe assim ele entenda que o arroz só não é R$ 100,00 o quilo porque fabricam arroz demais. Pois, se faltasse arroz, acredito que ele não estaria entre aqueles que teriam dinheiro para comer.
Então, esse é o tipo de situação que mostra que o capitalismo selvagem será sempre predatório. Caso não haja um Estado forte e controlador, o capital irá abusar do desprovido de capital. Além de Belém ter a possibilidade de oferecer uma aula de ecologia e mostrar ao mundo as nossas políticas ambientais, aprendemos com esse evento o que acontece quando o capital decide como a banda irá tocar.
Não estamos falando de Estado Mínimo ou ausência de Estado como querem os liberais. Nem de Estado Máximo como querem os comunistas. O que precisamos é do “Estado Necessário” e regulador. Aquele que impede abusos de lá e de cá. Somente assim, travaremos a ânsia do homo economicus diante do descapitalizado e poderemos deixar o país prosperar nas mãos de empreendedores talentosos.
Notas
1 Jeitinho brasileiro: hotéis inflacionam preços para COP30 e se recusam a dar explicações.
2 MP autua 65 estabelecimentos por preços abusivos durante enchentes no RS; galão de água era vendido a R$ 80.
3 COP 30: Governo federal contrata dois cruzeiros e lança plataforma de hospedagem.















