Nascido da provocação entre teimosia, resistência e inclusão social, o Centro Educacional Turma do Flau C.E.T.F encontra-se também na histórica história do bairro de Brasília Teimosa em Recife, Pernambuco, Brasil. O bairro carrega este nome porque foi erguido justamente na mesma época da construção da cidade de Brasília da região Centro Oeste, onde seria a nova capital do Brasil durante o período do governo de Juscelino Kubitschek.
É sabido que Recife, uma das cidades do Brasil que tem como marco a formação de vilas de pescadores desde 1530, e por ser uma cidade banhada por águas, foi cenário de muitas batalhas entre os rios e o mar. A cidade do Recife é conhecida por sua paisagem singular banhada por águas. Para tanto, a pesca, depois do açúcar, foi uma atividade de grande importância na construção social da citada cidade. Em sua maioria escravizados, os pescadores no exercício de trabalhos manuais e braçais, fez da pesca artesanal em rústicas jangadas, o seu sustento. E, quando o poder público ainda não estava organizado em relação à política de cidadania e direitos humanos, Recife se forma entre sobrados e mocambos em detrimento de uma nova ordem urbana, social e econômica.
Os aldeamento de mocambos que tinham conotação de habitações anti-higiênicas e insalubres, ameaçavam a estética da cidade. Por volta dos anos oitenta, os mocambos, as palafitas, passam a ter também a questão da falta de policiamento nas comunidades pesqueiras urbanas. Então, as vilas de pescadores ganham a representação social de vulnerabilidade em todos os sentidos. Nesse confuso emaranhado de direitos e deveres dos pescadores, a pesca artesanal que já existia desde a época colonial, ganha destaque nas comunidades pesqueiras urbanas. O pescador torna-se um símbolo de resistência abolicionista.
Há de se considerar que nos anos de 1940, a ocupação digamos mais metafórica do Brasil, em um lugar onde não havia água, nem energia elétrica, foi marcado por família de pescadores e funcionários do porto do Recife, que iam se instalando em palafitas no local conhecido como Areal Novo do bairro do Pina. Os moradores de Areal Novo do Pina, entre ações de remoções pelos olhos do poder, não se intimidavam em ocupar o seu território.
A população construía à noite e a polícia derrubava de dia.
(História da Brasília Teimosa de Oswaldo Pereira da Silva 2017)
Os pescadores por sua vez, fundaram a colônia de pescadores mais antiga do Brasil, a Colônia Z-1. Na onda da modernização do Brasil, por volta de 1955, cinco pescadores mostraram aos poderosos sua obstinação na reivindicação de seus direitos. Viajaram de jangada até o Rio de Janeiro (na época a capital do Brasil) para lutar pelos direitos dos pescadores. Daí, o Areal Novo do Pina, ficou conhecido pela sua teimosia, e como era também o período da construção da nova capital do Brasil, o lugar passou a ser conhecido como, Brasília Teimosa.
Em 1982, inspirados e embasados pela teologia da Libertação, Auriêta e os jovens Mika, Eliete, Jandir, Jaciara e José de Arimatéia criaram a TURMA DO FLAU, essa entidade social sem fins lucrativos, tinha inicialmente, tinha inicialmente a função de ‘educar pelo trabalho’ as crianças e adolescentes desassistidas de Brasília Teimosa. Então o grupo propôs a fabricação e venda de picolé, com a finalidade de complementação da renda familiar.
(História de Brasília Teimosa/Centro Educacional Profissionalizante do Flau, 2017, p.30)
Digamos que a partir desse incrível cenário pela forte influência de uma inexplicável obstinação, sobre à luz da proteção da criança e do adolecente, pela força de vontade da cearense Irmã Maria Aurieta Duarte Xenofonte, do Padre Jaime Kolmetscher (in memorian) e do Frei Beda Vickermann (in memorian), surge o projeto social, da turminha do Flau. De início com doze adolescentes que trabalhavam engraxando sapatos e depois com a colaboração do Padre Jaime, Frei Beda e da irmã Aurieta fabricavam e vendiam picolé de saquinho, sempre juntos para ajudar a suprir as necessidades de suas famílias. E como eles nunca andavam sozinhos, mas sim de dois em dois ou até mais, e quando as pessoas da comunidade os via à distância, logo diziam: lá vem a turminha do flau.
Assim, todos identificavam as crianças que vendiam picolé de saquinho, como a turminha do Flau. A irmã Aurieta pelas orientações do arcebispo de Olinda e Recife Dom Hélder Câmara, grande defensor dos direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil e que pregava uma Igreja voltada para os pobres e a não violência ativa, veio para Brasília Teimosa, seguindo à risca o seu compromisso religioso de ir em busca dos mais necessitados nos becos de ruas e outros lugares de difícil acesso.
Assim,
Não podemos falar das lutas de Brasília Teimosa, sem citar os Oblatos de Maria Imaculada, em especial o incansável missionário Norte americano Jaime kolmetscher; o Padre Jaime, que além de trazer conforto espiritual, através do Evangelho de Jesus Cristo, encorajou a formação de grupos de jovens, apoiou na criação do Conselho de moradores, animando os comunitários a lutar por melhor condições de moradia, contra a repressão do regime militar e as investidas do estado para expulsar a população. Destacamos também a atuação da religiosa Mary Josephine Collins (Jô) e dos Padres Roberto Heit, Eduardo, Tony e Felipe que contribuíram na organização da comunidade.
Tendo à frente Luciana Silva e Luciberto Xavier, do grupo de mamulengo Acorda Povo, Rosa Batista do Grupo de teatro Teimosinho, Roseane professora de educação física e Mailde Araújo do Clube de Mães e União das Mulheres de Brasília Teimosa.
(História de Brasília Teimosa/Centro Educacional Profissionalizante do Flau, 2017, p.32)
São 43 anos de fortalecimento da cidadania com respeito à garantia da proteção das crianças e dos adolescentes, e da pessoa vulnerável da comunidade de Brasília Teimosa. O Centro Educacional Turma do Flau é uma entidade sem fins lucrativos, criada em 1982 na comunidade de Brasília Teimosa com ações voltadas para o exercício da cidadania, da arte, do acompanhamento educacional e da família, da cultura e da religiosidade, objetivando colaborar para que as crianças e os adolescentes se tornem cidadãos desempenhando seus direitos e deveres na sociedade. Mas, e esse nome, Flau, como surgiu?
Certa vez, assisti uma palestra do escritor e jurista José Paulo Cavalcanti onde ele contou uma pequena história que aconteceu no Bairro de Brasília Teimosa, considerada uma ZEIS, (Zona Especial de Interesse Social - Áreas de moradias precárias e de baixa renda com muita vulnerabilidade social). O escritor contou que na década de noventa, ao passar de carro pelo bairro Brasília Teimosa, leu uma placa onde estava escrito, vende-se flau. Prontamente, desceu do carro, pegou uma nota de R$10,00, sem saber o que era Flau, pediu: Por favor, eu quero R$10,00 Reais de Flau!
Nisso, a criança de calção sem camisa, corre para mãe com o dinheiro na mão, para encher uma sacola de plástico com muitos picolés de saquinho. O jurista não sabia o que era Flau, pensou ele, por quê esse nome? Em algumas cidades do nordeste o picolé de saquinho leva este nome, Flau! Dizem que foi a junção de várias marcas de picolés da década de 1970 onde as culturas populares criaram o nome Flau. Também pode estar ligado a pronúncia, a fonética, de algum nome estrageiro adaptado pelas culturas populares. Bem, podemos dizer que a folkcomunicação está sempre em ação, é o intercâmbio feito pelas culturas populares entre a mídia e o seu uso no dia a dia. A folkcomunicação foi criada pelo professor Luís Beltrão.
Então, a folkcomunicação é a comunicação popular que faz parte da inclusão social, da transformação social, das interações sociais do cotidiano, de uma mídia cidadã subversiva que provoca as mudanças em cada comunidade de acordo com o imaginário coletivo. Digamos que Flau é um exemplo de folkcomunicação em ação.
Daí com muita determinação, três irmãs, Aurieta, Graça e Denise da Congregação Missionárias do Jesus Crucificado impulsionam as atividades da Turma do Flau. A irmã Aurieta com seus 86 anos dedica sua vida em cuidar dos pobres, das pessoas vulneráveis, das crianças e dos adolescentes. Desenvolve trabalho com as famílias dos pescadores, atua foi como vice-coordenadora da Pastoral Carcerária de Pernambuco, e em 2011 recebeu da Assembleia Legislativa de Pernambuco o título de Cidadã Pernambucana pelos serviços prestados ao Estado. Ela chegou em Brasília Teimosa em 1974, quando a Ilha de Deus1 era chamada Ilha sem Deus. Pois, como dizia Gabriel García Márquez, “a América Latina é feita de homens alucinantes e mulheres históricas.”
A irmã Aurieta conta que a Turma do Flau trabalha em consonância com o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente. e o Conselho Tutelar, “O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que regulamenta o artigo 227 da Constituição Federal, define as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos, em condição peculiar de desenvolvimento, que demandam proteção integral e prioritária por parte da família, sociedade e do Estado.”2 Na busca por um mundo melhor, a Turma do Flau também dedica-se ao Protocolo da Política de Salvaguarda da Criança e do Adolescente, respeitando os direitos dos mesmos, afirmando o desempenho de todos que fazem a Turma do Flau.
Com uma articulação na comunidade, a Turma do Flau luta junto ao Conselho de moradores do bairro de Brasília Teimosa por cidadania e melhores condições de vida dos residentes do citado bairro. A promoção da Criança e do adolescente acontece com iniciativas voltadas para a cultura popular. As crianças e os adolescentes possuem aulas de percussão, capoeira, danças populares entre outras. O professor Enedino que cresceu na Turma do Flau, hoje colabora com aulas de percussão e capoeira. Enedino é fruto do trabalho maravilhoso dessa instituição.
O Centro Educacional Turma do Flau C.E.T.F está localizado na rua Espardate, 454, Brasília Teimosa. Todas as ruas de Brasília Teimosa tem o nome de um peixe. Com 43 anos de existência, no período contraturno, as crianças e os adolescentes se alimentam na entrada e na saída das atividades da Turma do Flau. A cozinha do Flau, o alimento a todos que chegam nesta casa.
A Irmã Graça e a Irmã Denise ajudam com o funcionamento dessas iniciativas. Além disso a AKPB Aktionskreis4, Kindermissionswerk5, a rede SoliVida6 e a Congregação do Missionário Jesus Crucificado7 colaboram com o desempenho da Turma do Flau ajudando no fortalecimento do andamento das atividades do dia a dia das crianças e dos adolescentes da referida comunidade e no apoio de projetos sociais que enaltecem a cidadania, cultura e espiritualidade.
Numa proposta de fé inquebrantável, o Centro Educacional da Turma do Flau, é um exemplo de projeto social com senso de realidade que provoca a construção social do território em movimento, na dimensão da proteção da criança, do adolescente e da pessoa vulnerável. Podemos salientar, que o Centro Educacional Turma do Flau C.E.T.F é a luz de Brasília Teimosa para o despertar da cidadania.
Numa periferia viva, a Turma do Flau atende mais de oitenta crianças e adolescentes por dia na construção de um futuro voltado aos direitos humanos, à segurança alimentar, à participação social e política e na geração de renda e trabalho. O compromisso da Turma do Flau é na melhoria da qualidade de vida dos moradores de Brasília Teimosa. Assim, numa inexplicável obstinação, a Turma do Flau insiste e resiste para mostrar que a partir de uma inexplicável “teimosia”, poderemos fazer um mundo melhor.
Quando as pessoas compartilham com outras, ninguém passa fome!
(Frei Beda Vickermann - in memorian)
1 História da Ilha de Deus mostra empenho da população.
2 O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.
3 Balé Deveras + 40 Anos de Arte, Resistência e Comunidade.
4 AKPB Aktionskreis.
5 Kindermissionswerk.
6 SoliVida.
7 Missionárias de Jesus Crucificado.