8 ou 9 anos, talvez menos.
A mochila rosa balança nas costas pequenas. Uma Peppa Pig desbotada, acredito eu. É aquela porquinha, certo? Não importa. O que importa são as mãos pequenas segurando com firmeza uma bandejinha de plástico. Dentro, chicletes e M&Ms alinhados como um mini exército de doces coloridos.
— Hi, lady.
A voz aguda mal é notada. A mulher de cabelo chanel, sentada duas mesas adiante, mal levanta os olhos do teclado prateado do MacBook. Os dedos se movem com rapidez, talvez redigindo uma reclamação. Algo sobre um vestido que chegou no tamanho errado ou uma devolução atrasada. Seja lá o que for, ela está mergulhada demais para notar a presença de um metro e pouco parada bem diante dela.
Talvez não seja só distração. Quem sabe prefira ignorar, constrangida demais para enfrentar aquela realidade que destoa de seu mundo polido, ou temendo arruinar o papel de caridosa que desempenha nas campanhas da igreja aos domingos.
Nem uma olhadela. Nem uma resposta.
A menininha hesita, mas não por muito tempo. Move-se para a mesa ao lado.
— No, gracias.
A voz da velha é quase um latido. Ela nem deixa a criança falar. Continua conversando com outra senhora, ambas segurando xícaras grandes de chá ou cappuccino. Suas risadas preenchidas de condescendência são abafadas por migalhas de croissant que caem em seus colos.
A menininha suspira, resignada. Apoia a bandeja em uma mesa vazia por um momento. Com movimentos mecânicos, ajeita a touca rosa que cobre os cabelos escuros caídos.
Olhei para meu Apple Watch. Me senti intimidada por algum motivo. A temperatura estava lá, registrada em Fahrenheit. Rápido, tentei converter na cabeça. Algo como -1°C? Não, deve ser menos. Talvez uns -10°C, chutei.
A cena me puxou de volta.
— Do you need anything, sweet?
A bartender, que há pouco me entregou meu ice vanilla latte, saiu de trás do balcão. Suas botas pretas estalaram no piso frio enquanto se abaixava na altura da criança.
— Gomma? — respondeu a menina, estendendo a bandeja com uma rapidez quase defensiva, como se já antecipasse o “não”.
A bartender franziu a testa, não ouvi sua resposta. Em vez disso, guiou a menina até a porta. Não houve resistência, nem perguntas. A criança seguiu, sem olhar para trás.
Por um instante, o silêncio pairou no café. O som abafado da porta se fechando trouxe uma estranha sensação de vazio.
Ao longe, pude vê-la pela vitrine. Estava parada na esquina, como se esperasse algo ou alguém. A bandeja ainda em mãos, os doces ainda intocados. Um homem passou e deu uma moeda, sem olhar. Ela aceitou, agradeceu baixinho, e esperou.
Do meu lugar, o café pareceu subitamente mais quente. As vozes ao redor ficaram mais altas. A moça do MacBook falava algo em tom irritado para a bartender que retornava ao balcão, um descontentamento trivial que parecia importar muito naquele microcosmo de conforto.
As velhas já não riam; agora reclamavam sobre o croissant, que, segundo elas, estava longe de ser fresco o suficiente para justificar o preço.
Dei o primeiro gole no meu café. Doce demais. Ou talvez fosse apenas contraste com tantos sabores amargos. Meu olhar buscava um lugar vazio para sentar, mas eu só conseguia pensar em sair dali.
De alguma forma, tudo parecia desconfortavelmente fora de lugar. Você não pode ficar se comparando, minha terapeuta me disse na última sessão. E talvez esse seja meu maior problema. Tudo parece tão distante, tão desalinhado. O real em relação ao dólar. O MacBook em relação à bandeja de chocolates. Minha vida em comparação à da menininha, ou à das velhas com Rolex reluzindo no pulso enquanto reclamavam de um croissant.
Eu nunca fui boa em equilíbrio. Sou uma vergonha na Yoga. Um desastre em relacionamentos.
Olhei para a porta por um instante, para a vitrine, para ela. E então para dentro de mim.
Eu precisava sair dali.
E quando finalmente saí, o frio me atingiu de imediato. Dei passos rápidos, passando por ela sem coragem de parar. Uma parte de mim quis perguntar, oferecer algo. Qualquer coisa. Mas hesitei. Como a mulher do MacBook. Como as velhas.
Mais adiante, outras duas crianças seguravam bandejas idênticas, tentando carregar seus sonhos em um mundo cruel demais para suas mãos pequenas.
Quando cheguei à esquina seguinte, percebi que a sensação de calor que sentira no café havia sumido. -10°C, pensei novamente, chutando. Mas, dessa vez, o frio vinha de outro lugar.
Talvez, de dentro.