“Ah mas é que você tem dedo podre”; “O problema é que você tem dedo podre e não sabe julgar o caráter direito”; “Você tem dedo podre porque sua autoestima é baixa” e tantas outras frases já proferidas contra uma pessoa que se livrou de um relacionamento ruim, ou que foi traída ou até mesmo os dois.
Na sociedade atual é muito comum atribuir o famoso “dedo podre” a uma pessoa que não se dá bem em relacionamentos, aliás não apenas isso, mas se uma pessoa não consegue ter um relacionamento “bom” por N motivos ela já é taxada de “dedo podre”, mas será que é isso mesmo?
Não se sabe a origem da expressão, mas ela significa, de forma simples, “uma pessoa que parece ter a habilidade de atrair parceiro(a)s problemático(a)s, irresponsáveis ou emocionalmente instáveis. O principal problema dessa expressão é principalmente o fato de responsabilizar o indivíduo pelo seu “dedo podre” e não responsabilizar as atitudes do “parceiro errado” que a pessoa escolheu.
Não apenas isso, mas essa crença além de ser limitante é completamente machista, pois joga a responsabilidade do mau-caratismo, da traição, do engano e de todos os problemas justamente em cima da vítima, ao invés de responsabilizar o verdadeiro culpado.
Mais do que isso, o “dedo podre” chega a um nível de machismo tão grande que protege os homens de tal forma que até o fato deles serem ruins é culpa da mulher e/ou de outra pessoa. Por trás dessas frases aparentemente inocentes que eu coloquei no começo do texto, a mensagem que a sociedade passa é a de que eles podem ser, fazer e dizer o que quiserem, pois é culpa de quem se envolveu com ele que “não viu os sinais”, contudo, quantos casos não aparecem em jornais, na internet, em relatos de centenas de milhares de vítimas que foram enganadas, agredidas e até mortas por um homem que ninguém desconfiava?
A sociedade não espera dos homens responsabilidade, amor, comprometimento ou uma mudança de comportamento. Ela joga nas costas das mulheres tudo isso e o peso de fazer a relação dar certo, pois caso não dê, a culpa é dela por ter “dedo podre” e não ter julgado melhor o caráter do cara com quem ela se envolveu ou, pior ainda, ser julgada por “não saber avaliar o caráter de homens ruins”.
"Ainda hoje, quando uma mulher vivencia uma decepção amorosa, surgem os comentários sobre o 'dedo podre dela'. Além da dor, vem a culpa por não ser capaz ou não saber escolher, por não conseguir se relacionar e por não ter êxito na relação", disse a psicóloga Marina Simas de Lima, cofundadora do Instituto do Casal, em entrevista a Universa Uol em 2023. Essa citação da doutora toca em uma questão muito relevante sobre a culpabilização das mulheres por seus insucessos amorosos.
Quando se fala que uma mulher tem “dedo podre”, está se transferindo para ela a responsabilidade pelos comportamentos ou características negativas de seus parceiros, como se ela fosse a única responsável por prever ou evitar essas experiências. Além disso, a frase destaca que, além da dor da decepção amorosa, a mulher ainda carrega o peso da culpa por “não saber escolher” ou por “fracassar” na relação. Esse tipo de julgamento social reforça estigmas e desconsidera o contexto emocional, afetivo e até mesmo social em que os relacionamentos acontecem. É um exemplo de como o machismo estrutural se manifesta sutilmente no discurso cotidiano, atribuindo às mulheres uma responsabilidade desproporcional nos relacionamentos afetivos.
E o problema não é apenas por estranhos, mas a culpabilização da vítima por meio de familiares, conhecidos e amigos faz com que a pessoa se sinta cada vez mais retraída e com a visão limitada de que ela própria que não sabe escolher mesmo, quando na realidade o problema é muito maior, a escala não é restrita e de que a sociedade e as pessoas têm grande culpa por esses homens agirem como agem.
Outro ponto a ser levado em conta é a irrealidade de se esperar que a vítima saiba que o caráter da pessoa é ruim. “Ah mas tem sinais, tem indícios, etc etc”, se não for uma coisa escancarada, não, não se tem sinais. Se a vítima é traída, enganada e até mesmo agredida não é porque ela escolheu deliberadamente ficar com uma pessoa ruim, tem que se parar de atribuir a culpa a vítima. O problema é que a sociedade, mesmo que diga que ela não tem culpa e atribua a culpa a quem realmente cabe, ela vai de alguma forma responsabilizar a vítima com frases como “você devia ter prestado mais atenção”; “agora você sabe os sinais para se manter longe”; “a gente avisou, mas você não escutava”, ou seja, a vítima sempre vai ser culpada em maior ou menor grau pelo relacionamento fracassado.
Até mesmo uma pergunta aparentemente inocente como “mas você nunca reparou nada?” já denota um questionamento se a vítima: 1 – Ignorou os “sinais”; 2 – Realmente não reparou em nada; 3 – Se ela não tem parte da culpa pelo que aconteceu. O mais triste é ver que esse tipo de questionamento acontece em sua maioria de uma mulher para outra, demonstrando que, por mais que a sociedade se diga evoluída, certas mentalidades machistas ainda estão impregnadas profundamente na mente.
Para concluir e reforçar, dedo podre não existe! Essa expressão só continua reforçando o machismo imenso que ainda é presente na sociedade e continua responsabilizando vítimas por sofrerem em um mal relacionamento. Se a expressão deveria ser banida? De modo algum, mas seria um bem para a humanidade de ela caísse em desuso de vez.
P.s.: Ligue 180 para a central de atendimento à mulher ou telefone para umas das delegacias de defesa da mulher. Ao invés de julgar a vítima, ajude.















