O fenômeno conhecido como "BookTok" tem transformado hábitos de consumo literário, criando verdadeiras ondas de leitura entre adolescentes e jovens adultos, impulsionando vendas e aproximando uma nova geração dos livros — impressos ou digitais.

O TikTok se tornou, de fato, uma das maiores plataformas de incentivo à leitura entre os jovens. Como destacou uma reportagem da BBC, a hashtag #BookTokBrasil já acumula bilhões de visualizações e tem o poder de esgotar tiragens inteiras de livros recomendados por criadores de conteúdo. E mais: um levantamento da CNN Brasil mostrou que editoras já estão criando selos e ações focadas nesse novo tipo de leitor — que surge, descobre, compartilha e comenta livros em vídeos curtos de até 60 segundos1.

Ser leitor na era digital, ultrapassa a forma convencional de entender a leitura. Isto porque vivemos numa era em que o ambiente, o formato, o suporte e o conteúdo devem ser reavaliados e requalificados no contexto das tecnologias e mídias digitais. Além disso, os leitores digitais são também produtores de conteúdos, que nos permite dizer que os leitores são também escritores.

Vários pesquisadores e analistas, têm produzidos estudos muito interessantes sobre este assunto. O pesquisador da Universidade de São Paulo, Leonardo Assis, levanta um questionamento pertinente em seu artigo A digitalização da leitura e o consumo de informações, publicado no Jornal da USP em 11 de dezembro de 2024:

Definir atualmente o que é um leitor é algo singular e desafiador. Essa questão tem sido impactada por mudanças tecnológicas e culturais desde a popularização de meios de comunicação como o rádio, o cinema e a televisão. Hoje, a internet e as ferramentas de inteligência artificial tornam essa definição ainda mais difusa e complexa.

A pesquisa adota como parâmetro o acesso ao livro, seja ele físico ou digital, mas será que isso basta para capturar a realidade da leitura no contexto atual? O consumo de informação acontece em múltiplos formatos e ambientes. Muitas pessoas leem artigos em blogs, notícias em aplicativos, postagens em redes sociais ou até mensagens em plataformas digitais. Essas formas de leitura, embora não estejam necessariamente vinculadas ao livro, têm um papel significativo na maneira como nos conectamos com o mundo e adquirimos conhecimento. Talvez seja o momento de ampliar os horizontes e reconsiderar como definimos a prática da leitura2.

A leitura e o processo de desenvolvimento humano

O ser humano não nasce leitor. Isto pode parecer demasiado óbvio, mas tem implicações importantes quando falamos do processo de formação de leitores e da importância da leitura. É por essa razão que Paulo Freire afirma que a “leitura do mundo precede a leitura da palavra” (2003, p. 11). Desse modo, o ser humano aprende primeiro a ler o mundo de uma forma natural, e, posteriormente, necessita de aprender a ler as palavras, dentro de um processo formativo e estruturado. Portanto, a leitura das palavras, é um processo de aprendizagem que se inicia na concepção, no ventre materno, se materializa na infância e na vida adulta através da educação e interação social.

A leitura é, portanto, fundamental para o desenvolvimento humano, porque permite a descoberta de quem somos, através das histórias lidas, da descoberta do mundo, do conhecimento e entendimento das palavras, da reflexão que o texto nos permite fazer, e do compartilhamento das experiências no contexto social. Esse desenvolvimento humano se manifesta no desenvolvimento da capacidade de compreensão da complexidade do mundo, do saber crítico sobre a informação e sobre os fatos do cotidiano, do ser criativo no fazer e na construção de soluções para velhos e novos problemas da vida e da atividade profissional.

Um outro aspecto importante sobre a leitura, é que ela contribui para a formação intelectual do ser humano. No Brasil, existe um fenômeno grave de analfabetismo funcional, que é, em linhas gerais, a dificuldade de entender o que se lê, o sentido e a sua aplicação prática. Segundo a pesquisa do INAF 2024 (p. 10), cerca de 40 milhões de jovens e adultos (29%) são considerados analfabetos funcionais. Esta realidade tem impactos diretos no desenvolvimento de habilidades e competências técnicas e digitais, na capacidade de adquirir conhecimento de forma autônoma ou orientada, e de desenvolver capacidades de avaliar de forma crítica a informação e os dados que são fornecidos em vários ambientes.

Os impactos mais severos desta realidade, são as de limitar as possibilidades de inserção plena dos indivíduos numa sociedade crescentemente rica em tecnologia. Num artigo na edição do jornal da Unicef Brasil, Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú, comentou sobre essa realidade dramática, afirmando que

Os indicadores apontam que estamos diante de um momento gravíssimo. Potencializado em meio à transformação digital acelerada pela inteligência artificial e aos profundos desafios das mudanças climáticas, os países se diferenciarão, sobretudo, pela capacidade de formar sua juventude, desenvolver talentos e retê-los para atuar nessas duas novas fronteiras. É alarmante saber que apenas 10% da população brasileira é considerada proficiente em leitura, escrita e matemática3.

Portanto, a leitura, potencializada por uma educação de qualidade, é o único meio para a mudança desse quadro negativo, e o caminho para o desenvolvimento integral do indivíduo e da sociedade em geral.

Notas

1 Como os jovens estão (re)descobrindo a leitura na era digital — e o que os Bibliotecários têm a ver com isso.
2 A digitalização da leitura e o consumo de informações.
3 Analfabetismo funcional não apresenta melhora e alcança 29% dos brasileiros, mesmo patamar de 2018, aponta novo levantamento do Inaf.