Você já se sentiu rotulado alguma vez na vida? Isso ocorre quando alguém atribui a você um nome ou comportamento. Esse alguém pode ser um pai ou uma mãe, a professora, algum colega da escola ou até mesmo a sociedade.

Na prática, isso funciona quando somos rotulados tanto positivamente quanto negativamente com termos como: "molenga", "lerdo", "desorganizado", "nerd", "péssimo em matemática", "melhor aluno da turma", "futuro da família", "inteligente", "sem jeito", etc.

O problema é que, ao ouvirmos tantas vezes esses rótulos ou opiniões a nosso respeito, acabamos por tomá-las como verdades absolutas em nossa vida, sem possibilidade de mudança. É o que acontece, por exemplo, com o garoto que cresce ouvindo que não é bom em matemática. Seus pais e sua professora o repreendem ao ensiná-lo algum conteúdo ou nova lição, fazendo alusão ao fato de que ele "não entende nada", de que ele "é burro" e de que ele "não consegue fazer contas". Você conhece o ditado "uma mentira contada mil vezes se torna verdade"?

Nesse caso, de tanto a criança ouvir que não serve para matemática, ela acaba acreditando que é de fato incapaz de aprender ou fazer cálculos. O aluno passa a ter cada vez menos motivação para aprender, até evitar a disciplina de matemática e repetir o ano. Em casos extremos, algumas crianças traumatizadas com a matemática chegam a passar mal em períodos de provas ou chamada oral.

O contrário também acontece. Muitas vezes, desde a infância, somos cobrados para termos as melhores notas, aquelas que ostentam o nosso boletim; para falarmos mais de dois idiomas; para um dia sermos médicos, advogados ou líderes de grandes corporações; para sermos muito bem-sucedidos em tudo o que fizermos. Quando adultos, nos questionamos: "E se eu não quiser nada disso que planejaram para mim?" Ou “não consegui alcançar tudo isso, será que tem algo errado comigo?”.

O hábito de atribuir a si mesmo rótulos com altas expectativas, fazendo com que elas se cumpram em nossa vida, tem nome: efeito Pigmaleão1. Nesse fenômeno psicológico, a criança passa a agir de acordo com o desejo dos pais, cumprindo o projeto que eles têm para ela. É o caso, por exemplo, de filhos que assumem o negócio da família ou de jovens que possuem a mesma formação universitária que o pai ou a mãe, a fim de seguir a mesma profissão dos pais.

No efeito Pigmaleão, quanto maiores forem as expectativas que figuras de autoridade têm sobre nós, maiores as chances de alcançar um bom desempenho. Assim, o efeito Pigmaleão é um exemplo de profecia auto cumprida, em que um comportamento movido por uma crença, torna a profecia uma realidade. Se refere às boas expectativas que as pessoas têm sobre nós, pois, quando alguém acredita em nosso potencial, mais capazes nos tornamos de realizar bons feitos. Em alguns ambientes, ele pode gerar bons frutos, como:

  • Na escola, quando um professor incentiva o aluno em sua jornada de aprendizagem, acreditando em seu potencial mesmo quando ele se mostra inseguro ou desmotivado;

  • No trabalho, na medida em que um funcionário se sente valorizado pela liderança da equipe, ele busca cada vez mais alcançar bons resultados e galgar novas posições em sua carreira;

  • Na rotina pessoal, mesmo quando uma pessoa apresenta dificuldades para acreditar em si mesmo, o apoio de familiares, amigos ou parceiro (a) é crucial para ajudá-lo a superar a baixa autoestima e ir em busca de novos desafios.

A grande lição que o efeito Pigmaleão nos ensina é que as expectativas que temos sobre os outros e sobre nós mesmos podem determinar a maneira como pensamos, agimos e tomamos decisões. Este artigo2 ilustra uma experiência feita com ratos, na qual uma equipe de pesquisadores recebeu dois grupos de roedores para treinamento. A eles foi dito que um grupo de ratos era esperto, enquanto o outro aprendia de forma mais lenta. Os ratos chamados de "espertos" se saíram melhor no treinamento do que os ratos rotulados como lentos. Isso demonstrou o quanto as expectativas influenciam o resultado do trabalho com os ratos.

Um outro fenômeno interessante alinhado à mudança de comportamento e seu impacto é o efeito Hawthorne3, que ocorre quando uma pessoa muda a sua postura ou desempenho ao notar que está sendo observada. Isso ocorre porque o fato de saber que estamos sendo notados, faz com que haja mais vontade de “darmos o nosso melhor” pelo fato de alguém se importar conosco. A criança, ao fazer a lição de casa, pode demonstrar mais empenho e capricho sob a supervisão da mãe, do que se estivesse fazendo o dever longe da observação de sua cuidadora. A crítica a esse efeito, é a de que não há uma mudança genuína de comportamento, e sim o de uma postura camuflada, baseada na observação de terceiros.

Os riscos dos rótulos: quando expressões recorrentes utilizadas pelos pais podem se tornar realidade na vida da criança

Antes de me tornar escritora, eu costumava dar aulas para a educação infantil. Certo dia, um aluno estava com o semblante muito triste e cabisbaixo em sala de aula. Preocupada, aproximei-me da criança e perguntei:

—João, por que você está triste?

A resposta foi duas vezes mais triste que a expressão do menino.

—Sabe, professora, tenho vontade de chorar, mas não posso. Meu pai disse que homem não chora. Assim, sempre que a vontade vem, tenho que ficar quieto para minha garganta não doer. Essa é a forma que encontrei para a vontade de chorar passar.

Eu preciso dizer que também tive que me controlar para não chorar copiosamente na frente do pequeno João, pois aquilo era uma forma de violência psicológica que já deixava marcas profundas na vida do garoto. Infelizmente, esse tipo de ensinamento é fruto de um estereótipo ainda comum em nossa sociedade, que separa as formas de se comportar e reagir no mundo como "coisa de menino" e "coisa de menina". Quer ver alguns exemplos?

"Rosa é cor de menina, azul é cor de menino"; "meninos são melhores em matemática do que meninas"; "futebol é para menino"; "serviços domésticos são para as mulheres"; "meninas são delicadas, meninos são agressivos"; "ciência foi feita para homens, não para mulheres".

Como especialista em desenvolvimento infantil, mediei a situação vivenciada com meu aluno, esclarecendo que chorar ou demonstrar o que estamos sentindo não é "coisa de menino", mas uma necessidade, assim como fazer xixi, beber água ou evacuar. Portanto, não há nada de errado nisso, muito pelo contrário. Podemos sentir dor ou adoecer se não respeitarmos o nosso corpo e o que ele está tentando nos dizer.

O exemplo de João é apenas um entre tantos outros de crianças que sofrem com estereótipos e rótulos impostos pelos pais. Esses rótulos, carregados de pressão e expectativas, mesmo cheios de boas intenções (como desejar que o filho seja o mais inteligente ou o primeiro da turma na escola), podem ter efeito reverso na vida da criança. As crianças podem acreditar que tais comportamentos são permanentes, que não podem ser modificados e que serão assim “para sempre”. Mesmo quando adultos, os rótulos podem continuar orientando seu comportamento, mesmo que inconscientemente. É o que acontece, por exemplo, com alguns indivíduos que foram muito exigidos na infância e que, quando adultos, se tornam extremamente exigentes consigo mesmos.

O efeito Pigmaleão na educação dos filhos pode influenciar os pensamentos, sentimentos e comportamentos da criança. Esse editorial4 especializado em comportamento alerta que as expectativas depositadas sobre as crianças podem expressar tanto o que os pais desejam, quanto o que rejeitam. A grande preocupação está na forma como a criança interpreta tais mensagens. Por exemplo, quando o adulto diz “você tirou nota baixa de novo”, a criança pode entender que só tira nota baixa e, portanto, de nada adianta estudar. O contrário também pode ocorrer quando a criança vai realizar uma prova e os pais dizem: “Arrasa na prova, filho!” Isso pode fazer com que ela pense que jamais poderá errar na prova. Assim, o futuro dos filhos é definido pelas crenças inconscientes dos pais sobre a vida deles.

Orientação aos pais e cuidadores: como evitar o efeito Pigmaleão na educação das crianças

  • Pais, tenham autoconhecimento acerca de suas próprias expectativas e sonhos a fim de não projetarem seus anseios nos filhos. Lembre-se: o sonho é seu, não da criança;

  • Reformule a forma de se expressar com a criança. Seja coerente entre o falar e o agir. Dê exemplos sobre a mensagem que quer passar, e evite adjetivos ou expressões como: bom menino (a), inteligente, lerdo, desleixado, você não serve para isso, puxou o lado ruim da família etc.

  • Acompanhe o desenvolvimento natural da criança. Não exija que ela faça algo que ainda não compreende ou tenha habilidade. Não espere que ela tenha a mesma atitude que você teria. Exemplo: esse cálculo matemático é muito simples, não sei como não entra na sua cabeça; você demora muito para guardar os seus brinquedos, eu arrumo tudo em um minuto.

  • Evite rótulos. Cada criança ou aluno é único em qualidades, habilidades e dificuldades. Os rótulos são precursores das profecias autorrealizadas.

Concluindo, o efeito Pigmaleão ou profecia autorrealizável ocorre devido às expectativas que os adultos (pais, cuidadores, professores, familiares e sociedade) colocam na vida da criança. Essas expectativas podem impactar seu comportamento, desempenho ou estilo de vida de forma positiva ou negativa.

É importante ressaltar que os filhos não são extensões dos pais, mas seres distintos. Uma coisa é apresentar características físicas e temperamentos semelhantes aos dos familiares; outra coisa é desejar que seus filhos se pareçam com eles e acatem suas escolhas.

Notas

1 O impacto das expectativas: conheça o Efeito Pigmaleão.
2 Labelling kids & self-fulfilling prophecy.
3 Hawthorne effect.
4 El Efecto Pigmalión: cómo los niños acaban siendo los anhelos y los temores de sus padres.