A estratificação da cultura é complexa e difícil de digerir. Grandes pensadores ao longo das suas prolongadas ou até curtas vidas, puderam dedicar-se em parte, a uma pesquisa complexa e dinâmica da tão difícil palavra cultura e do que nela se enquadra.
A verdade por muitos odiada, repudiada e ignorada é certamente o meu conceito operacional da palavra a que me dedico nesta equação, a diferença.
Esta, permeia a dificuldade encarecida e oprimida pelas mais recentes mentes. A necessidade de igualar é também o pior critério para aliviar a complexa jornada da democratização cultural.
No seu início, cultura refletia uma analogia com a agricultura, a origem da palavra cultura veio de cultivar e, como quem cultiva variedade para se alimentar, cultura necessita da variedade para sobreviver.
A necessidade constante de igualar factos, torna esta trajetória cada vez mais difícil, quanto mais semelhantes formos, pior será o reverso da moeda. Corremos o risco de nos convertermos em meros robôs, estáticos, complexos, mas iguais, sem qualquer necessidade de estudar cultura, afinal regemo-nos sob uma monocultura.
Uma cultura empobrecida, enfim, ninguém quer passar a vida apenas a comer massa, quando também existe arroz.
Com igual entusiasmo e interesses idênticos, despertamos guerras entre entretenimento com o qual se desconectará o mundo.
Pelo desinteresse geral causado, deixará de haver ideias e seremos focados no objetivo de criar uma linha base de conteúdos. Um manual de criatividade e ninguém jamais poderá sequer quebrá-lo.
Talvez seja, no meu entender, o maior defeito da contemporaneidade, um defeito que se foca tanto no ser individual, que o pisa sempre que pode em prol de uma homogeneização.
A igualdade é importante, mas focada no intelectual diferente de cada um, priorizando direitos, e não apenas qualidades. A diferença reinará ou a cultura desaparecerá.
Se a igualdade não precisar de uma bengala constituída pelo respeito na diferença, correremos o risco de estagnar culturalmente. E, verdade seja, cada vez mais é difícil evoluir.
O choque de culturas e o choque de interesses permeia uma vontade de continuar, alimenta o debate, transforma-se num desejo complexo como se de um fruto proibido se tratasse. Afinal, cultura nasce na diferença.
A democratização cultural é essencial para a criação de um conforto e acessibilidade a todos, mas por democratização, devemos estabelecer critérios e não confusões, não queremos uma cultura igual às dos demais, queremos respeito pela diferença e entendimento pela qualidade que esta traz.
Assim, como se cultura fosse anatomia, e se anatomia cultural fosse uma forma de estudo, o seu coração bombaria diversidade e qualidade, emoções e identidade, mas o cérebro conceberia ligações entre os demais neurónios em ética e pensamento crítico, o guardião da memória coletiva. Prezando um equilíbrio, uma balança.
Os olhos seriam os gostos, a estética, a diferença e a boca, seria a transmissora da tradição. Nas mãos estaria a criação e nas pernas a mobilidade da cultura, a comunicação essencial ao progresso cultural.
No entanto, para permitir uma democratização cultural permeada em respeito mútuo entre a fronteira com o outro, há um critério complexo que se desafia na ética. Pois a diferença por vezes é injusta e, quebra normas e modelos praticados no século atual. Aí, surgia a pele, composta por camadas de diversidade cultural, pela ética a religião, questões sociais que sobrevêm a pluralidade ao invés da singularidade.
Como tal, no meio da anatomia complicada do ser humano, existe uma estratificação complexa dentro do seio cultural, a barreira ética é constantemente ultrapassada pela verdade hoje imposta sobre o correto e errado, sobre direitos elementares do ser humano e do mundo animal.
E por isso, precisamos de preservar o passado e não abdicar dele, para conhecer, perceber e não repetir. Aí, damo-nos conta da necessidade dos ossos, compostos por instituições culturais, arquivos, bibliotecas, normas e ideologias que suportam a intrincada cultura.
Fazer parte de uma cultura nunca poderá ser uma desculpa perante práticas prejudiciais ao bem-estar. Há limites éticos até no meio cultural. Um problema intrincado é mesmo a imperícia de definir um tema tão subjetivo como ética, remediando-se por opiniões incultas que praticam diretrizes impuras. Há que estabelecer limites na diferença, mas não oprimir a mesma. É prudente definir respeito no meio da anatomia cultural.
A solução passará pela definição quase impossível do que afinal será ou não ético? Pelo menos, começar pelo que não é. Pelo que jamais será aceitável.
Tal como em anatomia, cada corpo é um corpo, a diferença cultural permite o coração bombear, e o sangue, último elemento necessário de aqui referir, seria essencial para a circulação de ideias, da capacidade mental que é pensar e, tal como existem no meio medicinal transfusões, por vezes no seio cultural são igualmente importantes, para a compreensão de outros ideais que às vezes os olhos não querem ver.
Cultura é assim complexa e dinâmica, surge do cultivo e cultiva a mente. A prática da agricultura permite a sobrevivência e como se de uma metáfora se tratasse, a cultura permite a vida.
Geneticamente cultura é uma forma de estar, é uma forma de pensar, comer e falar. Mas anatomicamente, cultura é complexa e sem forma, variada e infinita. Sem diferença é inexistente e sem ética é desafiadora.
Afinal, com a perda de diferença, perdemos cultura.