O estudo da história do Brasil no século XXI tem se caracterizado por uma integração entre abordagens micro e macro historiográficas, proporcionando uma visão mais abrangente e detalhada dos eventos históricos. Essas metodologias são usadas para entender tanto os grandes processos e estruturas quanto as experiências e vivências individuais. A seguir, exploramos como essas duas abordagens têm sido aplicadas no contexto da historiografia brasileira contemporânea. A historiografia brasileira contemporânea busca integrar abordagens amplas e específicas para compreender os eventos históricos, desde as experiências individuais até os processos macroestruturais.

Macro-historiografia

A macro-historiografia é a abordagem que foca nos grandes processos históricos, estruturais e de longa duração. É uma perspectiva que se concentra nos amplos processos históricos, estruturais e de longa duração. Ela busca entender as tendências e mudanças ao longo de séculos ou milênios, em oposição a eventos específicos ou indivíduos isolados. Essa abordagem permite uma visão mais ampla e contextualizada da história. No contexto brasileiro, alguns dos temas centrais dessa abordagem incluem:

Colonialismo e escravidão

Estudiosos como Luiz Felipe de Alencastro e João José Reis exploraram a estrutura do sistema escravocrata e suas implicações para a formação da sociedade brasileira. Alencastro, em O Trato dos Viventes, examina o tráfico atlântico de escravos e suas consequências econômicas e sociais para o Brasil e Angola. Reis, em A Morte é uma Festa, analisa como a escravidão moldou as práticas culturais e religiosas na Bahia do século XIX. É fascinante observar como esses estudiosos mergulharam nas complexidades da história da escravidão no Brasil.

Alencastro, nascido em Itajaí, Santa Catarina, em 1946, é um historiador cuja trajetória acadêmica se desenvolveu entre o Brasil e a França . Ele é autor de uma importante obra sobre o Brasil Colônia e Império, com destaque exatamente para O Trato dos Viventes (2000).

No livro O Trato dos Viventes, Alencastro examina o tráfico de escravos no Atlântico Sul e suas implicações econômicas e sociais tanto para o Brasil quanto para Angola. Ele argumenta que não havia uma separação rígida entre metrópole e colônia, como muitas vezes se acreditava. Em vez disso, ele mostra como esses dois espaços estavam profundamente interligados, com fluxos de pessoas, bens e culturas que moldaram a formação da sociedade brasileira.

Alencastro também destaca que os três maiores sistemas escravistas – Cuba, Estados Unidos e Brasil – tiveram fatores políticos fundamentais decorrentes das particularidades de seus sistemas escravistas. Por exemplo, nos Estados Unidos, a Guerra Civil foi um evento traumático que mudou a orientação do sistema político americano, tornando-o mais centralizado.

Em resumo, a obra de Luiz Felipe de Alencastro nos convida a repensar a história da escravidão e a compreender como ela influenciou profundamente a sociedade brasileira e suas relações com o Atlântico Sul.

Formação do Estado Nacional

A formação e consolidação do Estado brasileiro também são temas recorrentes na macro-historiografia. Em A construção da ordem e teatro das sombras, Ilmar Rohloff de Mattos investiga os processos políticos e sociais que levaram à construção do Estado Imperial brasileiro. São obras significativas na historiografia brasileira, escritas por José Murilo de Carvalho e que oferecem análises críticas das elites políticas brasileiras no século XIX, especialmente durante o período do Império.

Vamos explorar um pouco mais sobre esses livros:

A construção da ordem: a elite política imperial

Publicada em 1980, essa obra examina a formação e consolidação do Estado brasileiro durante o período imperial. José Murilo de Carvalho utiliza a metáfora teatral para caracterizar o Império brasileiro, inspirado pelas observações de Joaquim Nabuco e Ferreira Vianna. O livro analisa a composição das elites políticas, suas relações com os partidos políticos imperiais e os desafios enfrentados na construção da ordem política e social. A primeira parte da obra foi apresentada como tese de doutorado na Universidade de Stanford em 1974.

Teatro das sombras

Publicada em 1988, essa segunda parte complementa a análise iniciada em A construção da ordem. Ela continua a explorar os bastidores da política imperial, revelando os desafios, conflitos e intrigas que moldaram o Império brasileiro. A obra é essencial para entender o Brasil atual e oferece uma perspectiva crítica sobre o período histórico. Ambos os livros são verdadeiros marcos e contribuem para nossa compreensão da história política e social do Brasil no século XIX.

Economia e desenvolvimento

A análise econômica é crucial para entender o desenvolvimento do Brasil. Celso Furtado, em suas obras como Formação Econômica do Brasil, apresenta uma visão abrangente sobre o desenvolvimento econômico do país desde a colonização até o século XX, abordando as transformações estruturais e os desafios enfrentados ao longo do tempo. Celso Furtado, um dos grandes intelectuais brasileiros do século XX, desempenhou um papel fundamental na compreensão do desenvolvimento econômico do Brasil e da América Latina. Suas obras, como as que veremos a seguir, marcaram tanto o surgimento quanto a consolidação do pensamento econômico brasileiro.

Vamos explorar algumas das principais contribuições de Celso Furtado:

Formação econômica do Brasil

Escrito quando Furtado estava na Universidade de Cambridge, a obra pretendia ser uma introdução à história econômica do país. Tornou-se um clássico da historiografia econômica e das Ciências Sociais, abordando a formação econômica desde a colonização até o século XX. Furtado analisou as estruturas sociais, as relações de produção e os desafios enfrentados pela economia brasileira.

Desenvolvimento e subdesenvolvimento

Nesta obra, Furtado explorou a questão do subdesenvolvimento e as desigualdades econômicas. Ele argumentou que o verdadeiro desenvolvimento não se limita ao crescimento econômico ou à acumulação de capital. Para Furtado, o desenvolvimento também envolve mudanças estruturais, valores sociais e políticas específicas. Ele destacou a necessidade de políticas industriais e a compreensão das relações de centro-periferia no contexto global.

O mito do desenvolvimento econômico

Escrito em resposta ao relatório Limits to Growth, lançado nos Estados Unidos em 1972, o livro questiona ideia predominante de que o desenvolvimento econômico era apenas uma questão de crescimento quantitativo. Furtado enfatizou a importância de considerar fatores sociais, históricos e estruturais para alcançar um desenvolvimento genuíno.

Enfoque transdisciplinar

Furtado via o desenvolvimento econômico como algo mais amplo, relacionado a mudanças estruturais e valores sociais. Ele não se limitava a análises quantitativas, mas buscava entender o contexto mais amplo em que ocorriam as transformações econômicas.

Em resumo, Celso Furtado contribuiu significativamente para a compreensão das complexidades do desenvolvimento econômico, destacando a importância de abordagens multidisciplinares e políticas específicas para promover um crescimento mais equitativo e sustentável.