Há quem diga que somos o que acreditamos, mas, acham-se, quem diga que existam mais coisas entre o céu e a terra, assim falava William Shakespeare. Pois bem, voltemos ao século XVIII, tempo onde a revolução mercantil era feita pelas frotas das grandes navegações para ingressar no Novo Mundo. Havia uma transição do feudalismo para a expansão mercantil. Essa expansão das promessas do Novo Mundo, despertou a cobiça determinada para além-mar. Entre o século XVI e XVIII a pirataria reinava.
Os piratas foram chamados de ladrões do mar. O desenvolvimento marítimo foi crucial para o desenvolvimento da economia. As heranças dos piratas construiu um fator de rebeldia para explicar a movimentação de tesouros entre as diversas regiões. Desbravar foi sempre um propósito de muitos corsários, bucaneiros1 e flibusteiros. Os opulentos empreendedores, que para Hobsbawm, os piratas eram capitães veleiros do governo na era pré-industrial que depois de praticar muitas “navegações”, tornavam-se piratas oficiais.
Muitos escritores relataram as histórias de piratas em seus livros. Também, Homero evidenciou a saga dos piratas na sua Odisseia. Os piratas tinham jogo de cintura para travar lutas nos mares, muita coragem, liderança e nenhum medo das leis e muito cinismos, (no Brasil usamos a gíria, “muita cara de pau”). De natureza hostil, o banditismo no mar, alimentou assaltos, intrigas, tratados, vinganças, inimizades, entre outras desavenças, os “empreendedores desonestos” como afirma Richard Hawkins, foram criminosos inteligentes que faziam conexões com muitos soberanos. Desordeiros e maltrapilhos juntavam-se aos piratas para participar do bando de salteadores. Dizem que a guerra entre a Espanha e a Inglaterra no século XVII contribuíram com o aumento da pirataria.
Mas, o que tem a ver a pirataria nesta história? É que a carioca Salete Franceschi, tinha um tio pirata na Itália. Seu tio era um pirata conhecido. E, Salete me mostrou o livro do seu tio, intitulado, O diário verdadeiro de um capitão ladrão do mar, por volta de 1630: com várias notícias relacionadas aos irmãos piratas Franceschi de Livorno escrito por Giovanni Piero Carlesi. Pasmem! A família Franceschi era separada apenas por um rio na Itália da Família Giusti, e precisou, digamos, algumas gerações para se encontrarem. Há de se considerar que para continuar essa história de amor, respirem! Do outro lado do oceano, nasceu o avô de Salete Franceschi, na Itália. Seu avô viajou de navio fugindo da guerra, não sei como conseguiu parar no Brasil, mas, chegou ao Rio de Janeiro. Junto com ele havia apenas um saco de moedas de ouro, que tratou de escondê-las, para seguir a sufocante viagem.
Vale ressaltar que de um lado a pirataria se configura como banditismo, e do outro lado o cangaço também se configura como banditismo. Antenor Giusti, carioca, tem com ele uma paixão, a do cangaço. Uma paixão inexplicável. O cangaço vem de canga2, o jeito como os cangaceiros transportavam os seus pertences e amarravam junto ao carro de boi. Antenor Giusti desde pequeno tinha um sonho de conhecer o lugar onde o bando de Lampião foi morto. Pediu ao seu pai para conhecer a Grota de Angico, no Estado de Sergipe, nordeste do Brasil. Seu pai, compadecido com o sonho do filho, resolveu atender ao seu pedido para visitar o místico lugar na década de 1970.
Quando estava chegando perto, começou a chorar, uma tristeza abateu o seu rosto. Era como se ele tivesse alguma ligação com o referido lugar macabro, onde hoje se tornou um local turístico, nas rotas de Lampião, pois como diz o professor Dr. Wescley, “a empresa de Lampião foi responsável pela marca que temos hoje”. Pois bem, existiam o cangaço dependente que era vinculado sempre aos coronéis e o independente que não estavam atrelados às forças de poder, nem aos coronéis e fazia sua própria liderança, formando o seu bando, como afirma Maria Izaura Pereira de Queiroz. Eram destemidos e espalhavam o terror da pior forma possível no sertão do Brasil. Matavam, roubavam, faziam conchavos, saqueavam, estupravam, eram os sem lei que faziam e aconteciam no nordeste de desigualdades.
Também por vingança, esses justiceiros enfrentavam qualquer tipo de gente. E, por uma força maior do destino, Salete conhece Antenor. Salete traz no sangue perseverança dos piratas e Antenor traz no sangue a audácia dos cangaceiros. Como numa viagem aos contos de Osmam Lins, ou até mesmo entre muitas histórias de amor, a pirataria se une ao cangaço pelo coração. Salete, traduzida pela sua personalidade marcante, por sua brasilidade que caminha pelo povo brasileiro do escritor Darcy Ribeiro até o poeta Vinicius de Moraes.
Seria assim, um mistura de italiana com indígena, numa energia cigana com ar de europeia. A sua força está no seu olhar. Seus cabelos grandes e loiros, retratam seu poder de governança e sensibilidade mística. E Antenor? Traz a potência do carioca, com singularidade dos nordestinos. Uma mistura de cangaceiro pós-moderno, mas com o coração tamanho do céu. Os dois estão na canção de Vinicius de Moraes, “... E o verdadeiro amor de quem se ama, Tece a mesma antiga trama que não se desfaz, E a coisa mais divina que há no mundo, É viver cada segundo como nunca mais…” Como se não bastasse, entre muitos desafios, Salete e Antenor, registram em suas vidas, um amor que perpassa pelas bravuras do mar, e pelas relações de poder das intrigantes histórias do cangaço. Uma história digna de um filme ou novela, que conta com as forças da ancestralidade, que não se perdem com o tempo, e reafirma-se pelo encontro.
E o que seria da vida sem os encontros? Isso mesmo! Já dizia o poeta Vinícius de Moraes “ A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida!” “E quem não há dizer que não existe amor nas coisas feitas pelo coração…” diz Renato Russo e uma de suas canções. Para tanto, o avô de Salete Franceschi, o Paolo Franceschi, se casou com a italiana Seraphina Viviani, lá da cidade de Lucca, Toscana da Itália, tiveram um lindo filho chamado Getúlio Franceschi, o pai de Salete. Por coincidência ou acaso do destino, os avós de Salete viajaram no mesmo navio onde os avós de Antenor também estavam. Castrucio Giusti da cidade de Pascoso, na Toscana, se tornou amigo dos avós de Salete, onde na Itália apenas um rio separava os Giusti dos Franceschi. Eram tempos de desbravamentos e os italianos apostavam na terra prometida chamada, Brasil.
Pensamos, assim como dizia o escritor italiano Italo Calvino, “Não é a voz que dirige a história, mas sim o ouvido”. Pois bem, o avô de Antenor Giusti, fez história no Brasil. Como um grande empresário do Rio de Janeiro, construiu no município de São Gonçalo, a primeira frota de transporte de ônibus, Viação Santa Izabel LTDA, teve um filho que se tornou prefeito da referida cidade, chegando depois a ser senador no Rio de Janeiro. Castruicio Giusti , foi sócio do pai de Salete, Getúlio Franceschi, e de seus tios em sociedade nas lavouras no município de Araruama no Rio de Janeiro. O pai de Salete, Getúlio Franceschi com o pai de Antenor, o Wilson Giusti se conheceram, mas, não imaginavam que num futuro próximo um amor pudessem desvendar um encontro além-mar. Tudo isso só foi sabido depois que Salete Franceschi foi ao consulado Italiano para documentar sua cidadania italiana no Brasil.
A rebeldia dos salteadores transbordaram as histórias na construção de um Brasil plural. Podemos dizer então, que na nossa finitude há rebeldia? Giacomo Leopardi, escritor italiano, sabia muito bem disso quando escreveu a poesia, o Infinito. Por que razão Deus fez o mar tão grande? Onde moram os limites do mar? Bem,
sei lá, Sei lá, sei lá, a vida é uma grande ilusão, Sei lá, sei lá, só sei que ela está com a razão, A gente não sabe que males se apronta, Fazendo de conta, fingindo esquecer, Que nada renasce antes que se acabe, E o Sol que desponta tem que anoitecer, De nada adianta ficar-se de fora, A hora do sim é um descuido do não, Sei lá, sei lá, só sei que é preciso paixão, Sei lá, sei lá, a vida tem sempre razão…
(Composição de Toquinho, e Vinicius de Moraes)
O infinito
Sempre adorei esta montanha árida
e este promontório, que me esconde
a visão do último horizonte.
Mas sentado, contemplando
os infinitos espaços distantes,
os silêncios sobre-humanos e a sua profunda quietude,
os meus pensamentos vagueiam,
até quase libertar o meu coração do medo. E assim como o vento
sussurra entre estas plantas,
no silêncio infinito meço a minha voz:
e o eterno me subjuga, e as estações mortas,
e o presente e vivo, com toda a sua sonoridade.
Assim, através desta imensidão, o pensamento se afoga:
e naufragar neste mar é doce para mim.(Leopardi, G, Cantos (1831), Canto XII)
Notas
1 Quanto aos bucaneiros, a origem do termo vem do francês, boucaniers, designação para os primeiros colonizadores da ilha de Hispaniola ou Haiti, formados por homens que se dedicavam à caça de porcos e gado selvagem. Exportavam couro e carne moqueada no bouc, uma espécie de grelha usada para preservar a carne para a venda e consumo, técnica idealizada pelos selvícolas Arawak das Caraíbas. Estes colonos, que tiravam seu sustento através do boucan, passaram a ser conhecidos por bucaneiros. Eles não atendiam às leis e diretrizes dos governos vigentes. (Tapajós, 1960). Texto: Piratas e corsários na idade moderna. Autor: Nelson Rocha Neto Orientador: Geraldo Pieroni.
2 “...Segundo Maria Izaura Pereira de Queiroz, “O termo é antigo, pois nessa região já em 1834 se dizia de certos indivíduos que eles andavam debaixo do cangaço, designado particularmente os que ostensivamente se apresentavam muito armados, de chapéu-de-couro, clavinotes, cartucheiras de pele de onça pintada, longas facas enterçadas batendo na coxa como escreve o escritor cearense Gustavo Barroso (1997, 15) Trecho retirado da tese de Wescley Rodrigues Dutra, intitulada, Nas trilhas do “Rei do Cangaço” e de suas Representações (1922 -1927).