O mito da Caverna de Platão expõe o fato de pessoas que vivem acorrentadas desde a infância em uma caverna. Para essas pessoas, o mundo se resume a sombras deles mesmos que veem refletida na parede. A realidade, assim, limita-se à caverna. Desconhecem o mundo para além daquele espaço.

Certo dia, um prisioneiro consegue se libertar e, quando vê o mundo fora daquele limitado espaço, fica surpreso. Um impasse o domina. Voltar ou não para aquele agrupamento com quem vivera e contar para seus companheiros que existia um mundo diferente?

Resolve voltar e contar. Acaba sendo incompreendido e morto.

Uma interpretação possível do Mito de Platão é que aquele que abandona a caverna é Sócrates, que acabou sendo condenado a tomar um veneno: a cicuta, por, de certa forma, provocar os jovens atenienses a pensar.

Sócrates é um marco na história da filosofia. Antes dele, temos os pré-socráticos (que vieram antes de Sócrates) cuja preocupação era provocar os seus interlocutores a pensar. Sócrates foi um grande filósofo que deixou um legado importante com seus dois métodos: ironia e maiêutica. Pela ironia, ele desconstruía o pensamento das pessoas ao seu redor e, pela maiêutica, dava à luz novas ideias.

Sócrates, com sua humildade, incomodava muito seus interlocutores. “Só sei que nada sei”, eram os dizeres de Sócrates, que mostrava a sua despretensão pelo conhecimento dogmático em perspectiva de reflexão e de questionamento. Nesse aspecto, vemos a própria natureza da filosofia que deve problematizar a existência e instigar a arte do questionamento. A filosofia, mais do que respostas prontas e acabadas, é um processo constante de questionamentos e reflexões.

Pensar no mito da caverna com base em nossa realidade subjetiva é aceitar que devemos superar preconceitos e pré-julgamentos em relação ao mundo. Por vezes, podemos também nos fechar no nosso mundo da caverna e acabar imaginando que não existe nada para além do mundo da nossa caverna. É fundamental pensar que, por vezes, é mais fácil “matar” alguém que pensa diferente de nós do que abrir-nos para novas ideias e novos pensamentos.

Superar preconceitos não é tarefa fácil porque, muitas vezes, cristalizamo-nos e nos prendemos a ideias dogmáticas que nos impedem de abrir-nos para o diálogo. Dialogar é sair da nossa caverna e entrar em contato com novas ideias e novos pensamentos, sempre visando a conviver em contexto de debate, de reflexão com o diferente.

Sair da caverna é abrir-nos para ver com novo olhar aquele que é diferente de nós, e, ao mesmo tempo, manter nossa identidade, nossos valores, mas sempre respeitando os colegas, uma vez que, como seres únicos que somos, cada um de nós, ao longo da vida, aprende a pensar conforme as referências de que dispõe. É relevante pensar na ética do respeito. A ética do respeito é a ética que permite, concomitantemente, possibilitar o respeito ao outro, sem perder a própria identidade, os próprios valores e sua ética.

Sócrates marca a história da filosofia com sua postura de questionamento e sua filosofia antropológica de refletir sobre questões éticas. Platão, com seu registro do Mundo da Caverna, aponta para aquele que foi morto por tentar levar os atenienses a refletirem sobre o próprio sentido do agir humano e, supostamente, contribuir para o provocar a pensar. Sair do pensamento limitado de uma caverna é abrir-se para o pensamento crítico e reflexivo que contribui para que possamos olhar com novos olhares a realidade em que estamos inseridos, sempre com uma perspectiva de abertura para novos horizontes e possibilidade de avaliar a realidade com olhar diverso.

Somos convidados a deixar a caverna dos nossos preconceitos e nosso pré-juízos. Talvez seja marcante na sociedade contemporânea o negacionismo cientifico. É urgente também abandonarmos a caverna das fake news que invadem o mundo das informações. Sair da caverna em que estivermos exige uma atitude de respeito e de diálogo. Respeito para com aqueles que não são iguais a nós, que têm posicionamentos diferentes e buscam a reta intenção fazer o bem.

Enfim, todos aqueles que tomam a postura socrática da ironia e da maiêutica acabam de alguma forma incomodando. Sócrates, pela ironia, buscava esclarecer o pensamento daqueles com os quais tinha contato e, pela maiêutica, incitava-os a novas ideias. Sendo assim, o pensamento socrático é um convite à ciência que se abre para questionar os fatos e os fenômenos e, depois, pela análise e experimentação, apresentar uma nova visão sobre determinado fenômeno.

A filosofia é a arte do pensamento crítico, que é vista por alguns como pensamento sem utilidade, mas que, na verdade, está na base das compreensões epistemológicas da sociedade em que vivemos. Segundo Gilles Deleuze, a filosofia é arte de criar conceitos novos e pensar nas ideias de Sócrates, que não deixou nada escrito, mas Platão reuniu aqueles pensamentos que ecoam até nossos dias como um importante desafio para pensarmos para além dos próprios preconceitos e pré-julgamentos.