Pedro não tinha intenção de que acontecesse, ninguém tem, claro, mas aconteceu. Da última vez que se viu ao espelho, estava gordo, não era um obeso mórbido, mas passava a fasquia do robusto. Aconteceu, sem dar por isso: dia após dia, ao longo dos meses, ao longo dos anos. Era muito tempo gasto em videojogos, sedentarismo, comida processada, trabalho de secretaria e problemas pessoais.

A sua primeira atitude foi mudar de hábitos, começando pela alimentação: excluiu os refrigerantes para beber água; excluiu as sobremesas para comer saladas; passou a fazer a sua comida seguindo as porções que figuravam na roda dos alimentos; passou a beber somente um café por dia e reduziu substancialmente as cervejinhas.

Mesmo assim não era suficiente, por isso é que, naquele momento, estava em frente ao balcão do ginásio Fitbody prestes a finalizar a sua inscrição.

Uma senhora atraente, com o corpo definido e uns glúteos de outro planeta, auxiliava-o com a ficha de inscrição, enquanto agrupava a documentação: o atestado médico que o viabilizava a prática de desporto, a primeira mensalidade, a caução, um cartão de entrada provisório e uma toalha de oferta com o nome do ginásio bordado.

— Está tudo em ordem! — disse a senhora atraente. — A partir de agora é só passar o cartão no torniquete e se tiver alguma dúvida basta falar com os Trainers.

O dia seguinte era oficialmente o primeiro dia. Pedro, naturalmente, estava nervoso e suava excessivamente o que lhe humedecia o equipamento. Ainda não tinha, sequer, começado os treinos e parecia já ter corrido uma maratona.

O seu equipamento não tinha nada de marca, era simples e humilde, e trazia apenas o que lhe tinha sido recomendado pela balconista: um fato de treino vulgar que tinha em casa, uns ténis, um cantil metálico que continha um litro de água e a toalha para o suor que lhe fora oferecida.

Entrar naquele espaço era tão assustador como o primeiro dia de aulas, mas entrou!

Àquelas horas, as primeiras da manhã com o ginásio acabado de abrir, estavam só algumas pessoas, quanto menos o vissem melhor.

"Agora que já estou cá dentro, posso olhar para esta maquinaria como um burro olha para um palácio." ironizou Pedro.

O médico do ginásio fizera-lhe um plano de exercícios; nada de grandes malabarismos. As primeiras sessões eram de treino leve para habituar o coração: um aquecimento em bicicleta, um corrida e exercícios para pernas e braços. "O corpo não se vai moldar nos primeiros dias. É trabalho constante!", frisou o homem da bata.

O desportista deparou-se com o primeiro obstáculo: não saber usar as máquinas, nem sequer ligá-las, mas não podia ficar à porta do ginásio, imóvel, arriscando-se a ser confundido com um maluquinho. Tinha que vencer a timidez e interagir com os funcionários.

Com o primeiro contratempo ultrapassado, Pedro montou a bicicleta e começou a exercitar-se. As primeiras pedaladas fizeram-se bem, eram cheias de energia, de vontade, de motivação e davam a sensação de que iria ser bem-sucedido, mas depois de vinte minutos, os pedais pareciam pesados, mais resistentes à força, mais difíceis de manobrar e a tendência era a piorar. Começaram-lhe a chegar os primeiros pensamentos desanimadores que ele lutava para não lhes dar razão: "Não aguento!", "Isto é do peso!", "Dói-me as pernas!", "Estou de rastos!", "E se me dá algum AVC!".

Duas máquinas ao lado, exercitava-se um homem musculado, não havia parado ainda na bicicleta e pedalava com vigor, também não parava de olhar o que deixava Pedro incomodado e desejoso que ele se metesse nos seus assuntos, bastava-lhe saber que estava gordo e enferrujado.

À parte do corpo dorido, não notou qualquer diferença no dia seguinte, nem física, nem psicológica. Continuava a achar-se gordo e com baixa autoestima.

Estava, novamente, montado na bicicleta. Tentava afastar a negatividade pensando no trabalho, mas melindrar-se com os programas que tinha que instalar remotamente, as rams e outros componentes que teria que montar nos computadores da sua secção, nas configurações que teria que fazer para instalar os novos softwares da empresa, não estavam, de todo, a surtir efeito. Em pouco tempo voltavam os pensamentos contraditórios e o homem atlético que virava a cara constantemente não ajudava.

Desiludido, Pedro parou a máquina. Não pensava em desistir, mas aquele dia não estava, de todo, a correr bem. Sentou-se no banco mais próximo e colocou a toalha sobre a cabeça, escondendo a cara como se estivesse envergonhado, e respirou.

— Eu sei que não é fácil! — exclamou uma voz. Era o homem musculado.

— Não é nada fácil! — lamentou Pedro.

— Já estive no teu lugar, também. Todas as pessoas estão aqui por um motivo: stress, ansiedade, peso, autoestima. Só os atrasados que se vêm fotografar para as redes sociais é que são dispensáveis. — Sentou-se ao lado de Pedro e continuou:

— As tuas dúvidas são as mesmas de todos os outros quando se iniciaram: não sabem como funciona, têm medo de parecer idiotas, não estão aptos ou não se acham bons, o suficiente, para estar aqui. Isso ultrapassa-se. Não faz diferença se estás a treinar para uma maratona, ou se nunca fizeste um abdominal na vida. Todos tiveram que começar de alguma maneira, o passo mais importante é estar presente. Se não souberes algo, pergunta; seja o que for, seja a quem for. Não existem perguntas estúpidas e tens aqui muita gente para te ajudar: os funcionários ou mesmo os teus colegas; nós.

Gradualmente, Pedro acalmava a ansiedade, respirava mais calmamente.

— Que me dizes de ignorar esses medos e tentar novamente.

— Vamos a isso?!

— Podes crer que sim.