Vivemos em um contexto de hiperconectividade, onde crianças e jovens passam grande parte do tempo em redes sociais e consumindo vídeos curtos. Esses formatos, projetados para gratificação imediata, oferecem estímulos rápidos, mas acabam por reduzir a capacidade de atenção sustentada e prejudicar o desenvolvimento da concentração profunda. Na tentativa de competir com esse bombardeio de estímulos externos, muitas escolas transformam a sala de aula em um espetáculo contínuo, repleto de músicas, vídeos e atividades performáticas.

O desafio atual

O problema é que, como demonstram estudos de Stanislas Dehaene (2020), o aprendizado sólido não nasce de estímulos constantes, mas sim de processos que exigem esforço, paciência e repetição espaçada. A atenção e a memória de longo prazo são construídas quando o estudante enfrenta desafios graduais e momentos de estudo focado, e não apenas quando é “entretenido” por recursos visuais e sonoros.

O risco é claro: quando a aula vira um show diário, a autonomia e a disciplina do aluno ficam comprometidas, e o conhecimento não se consolida. Ensinar exige momentos de leitura profunda, reflexão, debate e resolução de problemas, elementos que não podem ser substituídos por estímulos rápidos e superficiais.

Dificuldades e transtornos de aprendizagem

O cenário atual intensifica os desafios enfrentados por crianças com dificuldades de aprendizagem, e por aquelas com transtornos de aprendizagem diagnosticados como dislexia, disortografia e discalculia. A exposição constante a estímulos fragmentados e de curta duração agrava problemas já existentes de atenção, compreensão e memória de trabalho.

Para estudantes típicos, o excesso de estímulos pode gerar dispersão e dificuldade de aprofundamento. Já para estudantes atípicos, como aqueles com TDAH, Transtorno do Espectro Autista ou deficiências intelectuais, a falta de um ambiente estruturado e previsível torna o aprendizado ainda mais desafiador. Nesse sentido, a escola precisa investir em práticas inclusivas que equilibrem inovação com estratégias baseadas em evidências neurocientíficas, garantindo que todos, independentemente de seu perfil, possam avançar.

Educação Infantil e Ensino Fundamental: primeiros passos fora do palco

Na Educação Infantil, o desafio não está em eliminar o brincar, que é essencial e insubstituível, mas em equilibrá-lo com experiências que desenvolvam linguagem, raciocínio lógico, coordenação motora e habilidades socioemocionais. O excesso de atividades hiperestimulantes pode criar crianças dependentes de novidade constante e incapazes de lidar com tarefas mais longas e silenciosas. É preciso cultivar desde cedo a paciência, a curiosidade investigativa e a autonomia na exploração.

No Ensino Fundamental, os anos iniciais constroem as bases da vida acadêmica: leitura, escrita, cálculo e pensamento lógico. Já nos anos finais, cresce a necessidade de análise crítica, interpretação de textos complexos e resolução de problemas. Se o ensino for dominado apenas por recursos de impacto rápido, como vídeos e jogos constantes, haverá prejuízo na capacidade de leitura profunda, no raciocínio elaborado e na organização do pensamento. O equilíbrio entre momentos lúdicos e estudo focado é indispensável para que a aprendizagem seja duradoura.

O peso da responsabilização no professor

Na era digital, escolas têm transformado aulas em espetáculos para competir com o entretenimento constante das redes sociais. Essa prática exige que o professor acumule funções de roteirista, produtor e animador, comprometendo o planejamento pedagógico e aumentando o risco de esgotamento profissional.

A pressão por engajamento imediato substitui momentos essenciais de leitura, debate e reflexão por estímulos rápidos, enfraquecendo o pensamento crítico dos alunos. Segundo Stanislas Dehaene (2020), a aprendizagem eficaz depende de “dificuldades desejáveis”, atenção sustentada e revisão espaçada, elementos incompatíveis com o formato espetacular.

Pensadores como Paulo Freire (1968), John Dewey (1916) e Maria Montessori (1912) defendem que o ensino deve ser construído com base em reflexão, autonomia e experiências significativas, e não em estímulos sensoriais instantâneos. A neurociência reforça que aprender é um processo ativo e gradual, que exige tempo, energia e esforço intelectual (Alencar & Alves, 2021).

Para garantir um ensino de qualidade, é fundamental propor um modelo flexível que equilibre inovação e rigor, respeite o ritmo da aprendizagem e apoie o professor com formação e suporte técnico. A tecnologia deve ser usada como ferramenta de aprofundamento, não como mero entretenimento.

O que a neurociência diz

A neurociência demonstra que aprender é um processo ativo, trabalhoso e gradual. Para fixar memórias duradouras, o cérebro precisa enfrentar “dificuldades desejáveis”, tarefas que desafiem sem causar sobrecarga (Dehaene, 2020). A prática da atenção sustentada, capacidade de manter o foco por períodos prolongados, desenvolve-se com exercícios contínuos, não apenas com estímulos rápidos. Revisões espaçadas, isto é, revisitar o mesmo conteúdo em momentos diferentes, são fundamentais para transferir o aprendizado da memória de curto prazo para a de longo prazo (Silva & Alves, 2021).

No nível neurobiológico, aprender envolve três componentes principais:

  • Atenção controlada, que conecta novas informações a redes neurais já existentes.

  • Memória de trabalho e consolidação, fortalecida pela revisão espaçada e pela prática ativa.

  • Funções executivas, como planejamento, autocontrole e resolução de problemas, desenvolvidas por meio de desafios que exigem paciência e perseverança.

Como lembram Lídia Alencar e Suzele Alves, a aprendizagem resulta de “reações químicas e estruturais no sistema nervoso que exigem energia e tempo para se manifestar”, e não de experiências sensoriais instantâneas (Alencar & Alves, 2021). Portanto, estudos sustentáveis nascem do equilíbrio entre desafios graduais, repetições inteligentes e intervalos de consolidação, e não de atrações passageiras.

Sendo assim, esses mecanismos não se formam em ambientes de estimulação constante e fragmentada, mas sim em contextos que combinam inovação e rigor, oferecendo desafios manejáveis e tempo para absorção real do conteúdo.

Perspectivas de pensadores e autores

Diversos pensadores reforçam que o ensino deve se basear em reflexão, desafio gradual e construção conjunta do saber, e não em espetáculos. John Dewey (1916) afirmava que a educação deve fundamentar-se em experiências diretas e reflexão, não em entretenimento fugaz. Paulo Freire (1968) criticava o “modelo bancário” de ensino e defendia o diálogo crítico, no qual professor e aluno constroem passo a passo o conhecimento. Maria Montessori (1912) demonstrou que atividades bem estruturadas e repetidas promovem autonomia e um prazer genuíno de aprender. Stanislas Dehaene (2020), em How We Learn, introduziu as “dificuldades desejáveis”: desafios manejáveis que fortalecem a retenção de longo prazo e o domínio de habilidades. Edgar Morin (2020) ressalta a importância do pensamento complexo, que integra método e tecnologia para formar sujeitos capazes de lidar com incertezas na educação contemporânea.

Importante destacar que, ao defendermos um ensino que respeite o ritmo real da aprendizagem, não estamos clamando pelo retorno a um método meramente mecânico, em que o professor decora conteúdos e os despeja sem conexão com o estudante. Tampouco advogamos por espetáculos diários em sala de aula, formato que muitas instituições têm abraçado ao ponto de sobrecarregar o educador e focar mais na promoção institucional, “filmagens”, postagens e eventos, do que na qualidade do ensino.

Precisamos de um modelo flexível e realista, que combine inovação e rigor, entenda como o cérebro de fato fixa informações e permita momentos de concentração profunda, debate, leitura e exercícios desafiadores. Só assim evitamos que crianças e jovens sofram com mudanças constantes e tentativas falhas, garantindo que a escola seja um espaço formador preparado para os desafios acadêmicos que virão, sem sustos, sem espetáculos vazios e sem mecanicismo.

Estudar é exercício

Estudar também é um exercício que passa por quatro etapas básicas:

  • Leitura atenta e anotações.

  • Debate em grupo para tirar dúvidas.

  • Resolução de exercícios que fixem o conteúdo.

  • Revisões espaçadas em dias diferentes.

Cada uma dessas fases exige tempo, paciência e disposição para enfrentar desafios, pois é assim que o conhecimento se consolida de verdade.

Dicas práticas: equilíbrio entre inovação e rigor

Para melhorar o aprendizado sem transformar a sala de aula num espetáculo, é preciso adotar um modelo flexível e realista, que equilibre criatividade e rigor. Esse modelo propõe:

  • Divisão de cada aula em blocos que alternam momentos digitais (vídeos curtos e quizzes online) com fases de leitura silenciosa, debate e exercícios práticos. Essa combinação garante engajamento imediato e, ao mesmo tempo, espaço para concentração profunda e revisão espaçada, fundamentais para fixar o conteúdo de verdade.

  • Formação e apoio ao professor com capacitações em Neurociência Educacional e Metodologias Ativas, além de montar uma equipe de suporte pedagógico e tecnológico que cuide da produção de recursos multimídia. Assim, o educador pode focar na mediação do conhecimento, em vez de acumular funções de roteirista e produtor de eventos.

  • Planejamento colaborativo: envolver os alunos na escolha de temas e formatos de atividades, equilibrando inovação e estudo aprofundado. A avaliação valoriza o processo, usando portfólios, autoavaliações e feedback contínuo para acompanhar esforço, metas individuais e estratégias de estudo.

Esse arranjo permite usar a tecnologia como ferramenta de aprofundamento, não apenas de entretenimento, e respeita o ritmo real de aprendizagem sem cair no mecanicismo nem no espetáculo vazio. Pois, estudar é um compromisso de dedicação, paciência e reflexão. O papel do professor é guiar esse percurso, unindo criatividade e disciplina para que o conhecimento se torne real, duradouro e, acima de tudo, significativo.

Conclusão

O ensino não pode ser reduzido a entretenimento. A função da escola é preparar o aluno para pensar, argumentar e criar soluções, não apenas para reagir a estímulos rápidos. Isso exige equilíbrio entre criatividade e disciplina, entre tecnologia e estudo profundo, entre inovação e constância. Em suma, transformar a sala de aula em espetáculo é desgastante para os professores e não cria conhecimento sólido.

A neurociência e autores como Dewey, Freire, Montessori e Morin, ensinam que aprender exige esforço, paciência, desafios graduais e revisão espaçada. Por isso, precisamos de um modelo flexível que intercale blocos de estudo profundo com momentos interativos, apoie o professor em vez de sobrecarregá-lo e use a tecnologia como ferramenta, não entretenimento. Cabe à escola, ao professor e à comunidade escolar criar um ambiente que respeite o ritmo de cada estudante, seja ele típico ou atípico, cultivando atenção, autonomia e prazer genuíno pelo conhecimento. Só assim garantimos memórias duradouras, autonomia dos alunos e um ensino de verdade.

Referências

Alencar, Lídia; Alves, Suzele. Reações químicas e estruturais no sistema nervoso: a base biológica da aprendizagem. Revista Brasileira de Educação, v. 26, n. 1, p. 123–139, 2021.
Dehane, Stanislas. How We Learn: The New Science of Education and the Brain. Penguin Books, 2020.
Dehane, S. How We Learn: The New Science of Education and the Brain. New York: Viking, 2020.
Dewey, J. Democracia e Educação. New York: Macmillan, 1916.
Freire, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.
Morin, E. O Método III: O Conhecimento do Conhecimento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020.
Montessori, M. O Método Montessori. São Paulo: Martins Fontes, 1912.
Silva, Lídia Alencar; Alves, Suzele Lima. Neurociência e educação: oportunidades e contribuições para a construção cognitiva da criança. Revista Brasileira de Neuroeducação, v. 2, n. 3, p. 45–60, 2021.