Oscar Wilde (1854 -1900), o célebre autor de O retrato de Dorian Gray, romance publicado em 1891 e que, na época, causou muitas discussões envolvendo não só questões estéticas, mas também morais, em um de seus aforismas, afirma: "Toda arte é completamente inútil".

Essa afirmação de Oscar Wilde ainda hoje causa estranheza em muitas pessoas, que levantam questões como: a) se a arte é inútil, por que assistir a encenações de peças de Shakespeare, Molière e Ibsen?; b) por que ouvir Mozart, Beethoven e Stravinsky?; c) por que ir a museus para ver as obras de Leonardo da Vinci, Van Gogh e Picasso?, d) por que ler Dom Quixote, Grande sertão: veredas, Crime e castigo e os contos de Machado de Assis, de Maupassant e de Tchekhov?

Reflitamos: nem sempre o primeiro sentido de uma palavra que nos vem à mente corresponde ao que foi empregado. As palavras, excetuando as do vocabulário científico, costumam ser polissêmicas, ou seja, podem ter mais de um significado. Nesse caso, o sentido decorre do contexto em que foi empregada.

Quando ouvimos a palavra inútil, logo nos vem à mente que esse adjetivo é usado para caracterizar algo que não é útil. E o que significa útil? O dicionário Houaiss diz, em sua primeira acepção, que útil é aquilo “que tem ou pode ter algum uso; que serve ou é necessária para determinado fim”. Ora, o que Oscar Wilde afirma em seu aforisma é que a arte não tem por interesse a utilidade, como têm um telefone celular, um casaco, um guarda-chuva, uma panela, uma colher. Não nos apropriamos de uma obra de arte para fazer com ela alguma coisa, para usá-la, mas simplesmente para fruí-la, para desfrutar dela, por isso a arte é inútil. É preciso, no entanto, atentar que, embora não tenha função utilitária, a arte é necessária e toda pessoa deve ter direito a ela.

Um telefone celular é útil; nos dias de hoje, para a maioria das pessoas chega até a ser algo necessário. Um casaco serve para nos amparar nos dias mais frios, um guarda-chuva é um objeto útil para nos proteger da chuva. Uma panela serve para cozer alimentos; uma colher, para comer; no entanto obras como Hamlet, de Shakespeare, Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, Guernica, de Pablo Picasso, e a 9ª Sinfonia, de Beethoven, foram feitas não para serem usadas, mas para serem fruídas. Pense na obra A fonte, de Marcel Duchamp (1889 – 1968), um mictório de porcelana exposto de maneira invertida. Ela não foi colocada no Museu Nacional de Arte Moderna de Paris para ser usada, mas para ser apreciada.

Os exemplos citados nos levam a uma outra reflexão: telefones celulares, casacos, guarda-chuvas, panelas e colheres são objetos produzidos em série e anônimos, enquanto Hamlet, Dom Quixote, Memórias póstumas de Brás Cubas, Guernica e a 9ª Sinfonia são objetos únicos e identificados a um autor, Willian Shakespeare, Miguel de Cervantes, Machado de Assis, Pablo Picasso e Ludwig van Beethoven, respectivamente.

Pode-se contra-argumentar que há vários exemplares de Dom Quixote e de Memórias póstumas de Brás Cubas, vários CDs e DVDs com a 9ª Sinfonia, várias gravuras de Guernica, até mesmo estampadas em camisetas. De fato, mas trata-se de reproduções de uma obra única feitas por processos industriais. Há várias reproduções da Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci, em quadros, gravuras, canecas e camisetas que podem ser adquiridas por qualquer pessoa a um preço acessível, no entanto a obra de arte Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci, é única e está exposta no Museu do Louvre em Paris e não tem preço.

Evidentemente, há teorias que postulam que a arte não é apenas para ser fruída. Alguns afirmam que a arte deve ter um caráter pedagógico, que a arte deve levar à ação. As igrejas medievais apresentavam pinturas na parede que reproduziam a paixão de Cristo; considerando-se que grande parte dos fiéis era analfabeta, essas pinturas tinham por finalidade educar esses fiéis na fé católica. Outros, ligados à estética de herança marxista, postulam que a arte deva ser engajada, isto é, comprometida com causas sociais, denunciando a opressão e o preconceito, entre outras coisas. A arte teria, em síntese, uma função conscientizadora.