A chamada Superlua é quando a mesma está mais próxima da Terra, fazendo ela parecer maior e mais brilhante, os astrólogos utilizam essa informação e recomendam fazer rituais a fim de refletir sobre aquilo que queremos conquistar ou emanar para o universo.Uma dessas superluas coincidiu em minha chegada a Buenos Aires. Estava em transição de carreira, deixando um magistério onde me vi com Burnout e, todo domingo à noite, vinha a noite para mim como um futuro que já conhecia antes do dia raiar. Na estrada fiz meus rituais para que a superlua fortaleça meus mais recônditos desejos de que nem dia nem noite me farão ficar ansiosa pelo outro dia que vem.

Chegando em Buenos Aires, vi pressa,ainda não tinha me dado conta que o que desejei estava acontecendo, viajar para o país onde Mafalda, aquela personagem criança revolucionária que me acompanhou desde a minha adolescência e me ajudou muito a ter um senso crítico sobre as questões da vida, inclusive reconhecer a importância da política, da geografia, da amizade, da reflexão sobre nossa realidade.

Era inverno, meu primeiro inverno da vida. E pensar que minha vida foram temperaturas onde os 24 graus era extremamente frio, onde minha mãe e minha gata se assustavam com os trovões e que, até hoje, onde quer que eu esteja, sei que minha gata Nala e minha mãe irão ficar assustadas caso escutem de longe um trovão, ou o menor sinal que seja de chuva forte, raios e trovões, elas sabem seu motivo.

Uma das coisas que primeiro aprendi vivendo na Argentina, é que o dia é hoje, tem que aproveitar os preços do mercado hoje, se está com um preço menor, leve mais, mesmo que não precise desse artigo, um dia você irá precisar e terá um valor maior. Se um dia faz sol lá fora, é dia de aproveitar agora, nem uma hora a menos porque também não se sabe quando o sol vai sorrir de novo pra você num inverno.

Desde que cheguei aqui, os preços só sobem, todos os dias os preços mudam, não tão somente quando sabem que você não é dali e te cobram mais caro, os preços mudam para todos cotidianamente. Onde se compra frutas e legumes, alguns já não têm o valor do kg justamente porque não há como saber se você está perdendo valor em uma mercadoria que leva tempo e esforço para está no seu prato. Se quer saber o preço, pergunte sobre cada item que queira levar, ou seja, para fazer a feira da semana, precisará conviver com o vendedor como um informante importante para seu bolso. Vi em um mercado onde a estratégia era o uso de QR code, para saber o preço você aponta a câmera do celular para qualquer produto da prateleira, é mais fácil para alterar os preços digitalmente, diariamente.

Pude conviver com diferentes classes sociais, entretanto, a matemática e a economia é algo que todo argentino sabe, pelo menos, o básico: “O dólar hoje está tanto”. São desconfiados e sabem que têm coisas que não se explicam na Argentina, ou se aproveita ou você está em desvantagem, tem que esperar sua vez. Tive que aprender sobre o dólar para ter uma base do que está valendo algo, mesmo antes do atual presidente estar no poder. Falando em presidente e política, chegar em época eleitoral é conviver com pessoas que quase sussurravam quando começamos a debater sobre os candidatos. Em lugares turísticos têm homens informalmente na rua, na espreita, perguntando se você quer cambio, visto que essa prática não está legalizada formalmente.

Nossos hermanos, assim como os brasileiros, amam o futebol mas não têm a mesma ideia de estampar seu candidato em casa com bandeira, no prédio ou em seu carro, não vi passeata a favor de nenhum candidato. O descontentamento é visível quanto às opções, jornais renomados salientaram essa insatisfação dos argentos visto que foi uma das eleições com menor participação popular. Não tão diferente, certa vez estava num mercado, uma senhora notou meu espanhol com acento raro, me perguntou o que eu faço num país onde a economia não anda bem, que o Brasil é bonito e se pudesse estaria lá e não ali. O vendedor interveio e salientou: “ Pelo menos somos os campeões da Copa do Mundo”.

A expressão se nos viene la noche escutei pela primeira vez do meu companheiro que é argentino, ele repetia isso inúmeras vezes em dezembro quando se aproximava a mudança de governo. Com alta inflação, em dezembro, os preços continuam subindo, os mercados cheios pelas festividades de fim de ano e o preço do aluguel para janeiro, que é verão, estão fora da realidade de um argentino que ganha apenas um salário. Acredito que alguns alugaram seus pacotes de viagem de dezembro no começo do ano, visto que se perde uma oportunidade, não há como recuperá-la.

A noite, ou a lua, pode ter diversos significados, mas quando o sol já vai, a única certeza que se sabe é que a noite vem e com ela muitas coisas que não estão tão visíveis quanto ao dia, não sabemos se o valor que estamos pagando é a verdade que foi escondida e eufemizada pelos cofres públicos. Essa expressão nos indica a atenção, medo, incerteza, mudança e, novamente, instabilidade, a esperança anda turva mas esse país continua, as pessoas trabalham o quanto podem para ter uma vida digna, uma gente com uma visão mais sincera da realidade sem o pensamento mágico de que, por alguma obra do acaso, tudo vai ser diferente do que se vê.