A ideia de que o mundo chegará ao fim começa a ser cada vez menos idealista; já ouvi várias pessoas afirmarem que estão com uma sensação esquisita em relação à existência. Calma, não é nenhuma teoria da conspiração. É normal sentirmo-nos assim quando observamos o mundo nos passos que ele dá: guerra na Ucrânia, Gaza, crises climáticas, o azeite a 10€ e por aí vai... O "fim dos tempos" foi tema de inspiração artística e de debates corriqueiros e intelectuais desde sempre ao longo da história. Na verdade, desastres naturais e guerras sempre ocorreram. Agora, temos maior ciência dos acontecimentos pela velocidade com que as informações correm.

A igreja teve grande influência na arte em vários períodos da história. Na Renascença, Albrecht Durer (1471 - 1528), pintor alemão e teórico, estabeleceu sua reputação por meio de obras que incluem "Apocalypse", uma série de quinze xilogravuras que visam ilustrar as visões reveladas por Deus ao apóstolo João. No período Barroco, Joseph Heinzt (1600 - 1674), com a obra "Alegoria (Apocalipse)". "O Dragão Vermelho" de William Blake (1757 - 1827) retrata um trecho bíblico, mas é preciso entender o universo místico em Blake além de suas referências bíblicas. Acreditava que, para conseguir atingir a verdadeira dimensão espiritual, o ser humano não poderia ter seu lado imperfeito, logo seria incapaz de compreender a Deus. Foram citadas estas obras, mas poderiam ter sido outras; o acervo com este tema é extenso e continua a ser cultivado nos tempos modernos. Inserem-se em contextos de época diferentes, mas unem-se pela mesma intriga.

A questão é que a ideia sempre existiu, mas as causas foram mudando através da credibilidade de onde vinham as afirmações de que o mundo acabaria. Antes, dava-se preferência às profecias bíblicas como ponto principal de referência aos desastres. Ao longo do tempo, o antropocentrismo colocou a responsabilidade e credibilidade na ciência. Inclusive, atualmente, tem sido tema de debate por questões ligadas, principalmente, ao meio ambiente. Refletir sobre a brevidade da vida pode ser desesperador. Imaginem refletir sobre a pouca durabilidade que (supostamente) nos resta da terra, da nossa casa. Está em causa muito mais do que a vida individual, mas uma perspetiva futura, da espécie e do bem coletivo.

Alguns cientistas criaram o "Doomsday Clock", um relógio que aponta a probabilidade de eventos catastróficos que podem levar ao fim da vida humana na Terra. O objetivo não é assustar a humanidade, mas trazer a lucidez de que, se não cuidarmos do nosso planeta, podemos contribuir para diminuir ainda mais a nossa estadia por aqui. Claro que, quando digo "nossa estadia", refiro-me à espécie e não à geração. A preocupação do possível acontecimento, o medo e incerteza em relação ao futuro são tantos que criaram um relógio para medir o que está a acontecer a tempo inteiro. Referente ao momento atual, a afirmação, segundo o Boletim de cientistas atómicos, foi que nos encontramos num "momento de perigo sem precedentes".

A verdade é que nós não sabemos exatamente se acabará ou não e quando isso acontecerá. Porque será um tema que de tempos em tempos regressa? Talvez tenhamos facilidade em encontrar desculpas para as consequências que nossas ações geram, livrando-nos da nossa própria responsabilidade. Outro fator pode ser o medo da morte, já que temos uma grande dificuldade em lidar com este desenrolar natural da vida. Mesmo que não haja nenhuma alternativa para remediar, podemos tentar recorrer a melhores escolhas para viver de fato o que nos foi dado.

Seja por profecia bíblica, catástrofes naturais ou ambas, nem sempre aquilo que acreditamos nos inibe de algo. O que tiver de acontecer acontece de igual para igual e independe de classe social, ideologia política, cor da pele ou qualquer outra característica. Do ponto de vista sensorial, somos todos iguais, e ninguém pode mudar isso. A única discussão aconselhável sobre o que aqui foi escrito é com a nossa própria forma de enxergar e viver a vida. O leitor pode concordar ou não, mas a proposta aqui é outra; é refletir se é mais fácil dizer "O mundo já vai acabar mesmo", em vez de questionarmos "o que poderíamos melhorar para tentar remediar ou adiar as consequências do que fizemos"?