A psicoterapia é um espaço de (re)criação.

Criação porque criar é uma atividade que exige intencionalidade, motivo e necessidade. Quem busca a psicoterapia tem consigo motivos e necessidades específicas, e intencionalmente se propõe a estar em um processo — é por isso que quando se fala de criação, se fala de um processo.

O processo que é iniciado também é matéria de criação junto à pessoa atendida, e em uma perspectiva vigotskiana, é preciso ater-se a ele. É através e no processo onde serão observados, acolhidos e inventadas as formas e os caminhos possíveis para as questões postas.

Ainda na esteira da perspectiva vigotskiana — para ser criado, é necessário ser imaginado, e para isso é necessário sentir, viver e experienciar a vida. Quem procura psicoterapia e/ou nela se encontra, também encontra-se vivendo sua vida fora do “setting” e nela pensa, sente, age, experiencia e, inclusive, cria sentido.

Pela linguagem, quem busca a psicoterapia, cria frases, discursos, imagens e cenários diversos do que verbaliza, sendo tudo isso proveniente das criações intrínsecas à sua própria vivência e expressão da realidade.

Aquele que fala de saudade, mágoa, amor ou medo, que também são emoções e sentimentos, fala lembrando de momentos ou opiniões sobre determinados assuntos, e a partir dessa verbalização cria cenários na própria imaginação e na de quem ouve. E não são imagens sem sentido ou significado — elas têm cores, linhas, tracejados, formas e lacunas que, aquele que fala de saudade, pincela em sua fala. Até aqui temos uma tela pronta, mas na psicoterapia, o processo importa tanto quanto o produto.

Dessa forma, não é sobre o que aprendeu, e sim sobre o que se tem aprendido. Ou, não é sobre o que criou, e sim como se tem criado em terapia. No entanto, só esses questionamentos não bastam, pois se somente isso bastasse, para quê falar de invenção ou criação?

É necessário que se faça da psicoterapia um espaço de se promover e propiciar pensar, sentir e agir fora da alienação. Um exemplo que ilustra microssomicamente o que estou explicando é o seguinte — uma pessoa que está passando por processos de alienação (e que consequentemente, pode vir a adoecer também por isso), em suas diversas formas, vai à praia e se depara com alguns elementos, dentre eles o mar.

Para ela, o mar é só o mar, só mais um elemento que compõe a paisagem. Não é entendido como uma imensidão profunda com diversas zonas, mistérios, segredos e maravilhas. É só um “lindo” azul, visto em um horizonte. Ela percebe a aparência, não a essência, o que está oculto são processos, para ela importa o produto.

É o embate entre a racionalidade sobre a subjetividade. Quando geralmente é apontada a falta desta última, eis que surgem discursos que mais exemplificam-a, na tentativa de compreender a objetividade-subjetividade como unidade, do que explicam-a. Esse dilema extrapola a discussão que não é o foco desse ensaio.

A psicoterapia pode ser um espaço para ascender do abstrato, ao concreto — o jogo, o brincar e a arte, podem ser instrumentos para mediar intervenções no processo. A arte já é bastante defendida como aquela que possibilita o acesso à dimensão estética. O estético aqui se refere à sensibilidade humana, algo que o neoliberalismo e capitalismo não veem com bons olhos e, sistematicamente, operam para que essa dimensão adormeça.

Em minha prática, a arte tem auxiliado a mediar diversos processos — e não confunde-se com arteterapia, os referenciais teóricos-metodológicos são outros. No entanto, a música, a poesia e as artes visuais compõem as tessituras do meu fazer clínico e que em muito contribuem para diversos vieses, seja para resgatar memórias, recriar cenários, pensar possibilidades, sentir outras coisas.

Por que não usar poemas e letras de músicas para pensar sobre processos da dinâmica da vida? Ou mostrar uma pintura e junto à pessoa tecer uma discussão reflexiva do que a tocou? Ou ainda, criar cenários e personagens, para pensar em outras possibilidades de lidar com as coisas? Por que não aproximar essas linguagens culturais de acordo com cada caso, para despertar a sensibilidade humana, para além da consciência crítico-reflexiva dos processos que nos rodeiam?

É certo que essas reflexões não anulam as demais ou mesmo as isentam de contradições que o próprio movimento do meu raciocínio, porventura, possa ter no ato de tecer as palavras. Para as perguntas que aqui no final se fizeram, eu só consigo pensar em um verbo — inventar. No sentido mais poético que essa palavra possa ter.