Há alguns anos, numa tarde comum, me perdendo entre as prateleiras de uma livraria local, me deparei com um título que chamou minha atenção: A Sombra do Vento. As letras escritas em bordô destacavam uma capa em preto e branco onde se via um menino caminhando de mãos dadas com alguém que parecia ser seu pai, por uma rua vazia e coberta de neblina.

Na contracapa, descobri um pouco mais: Espanha, 1945, entre os últimos raios de luz do modernismo e as trevas do pós-guerra, numa madrugada fria, Daniel Sempere é levado por seu pai à um misterioso lugar no coração de Barcelona: O Cemitério dos Livros Esquecidos. Uma obra ambiciosa, capaz de conjugar os mais variados estilos sem perder por um segundo seu poder de fascinação, dizia a crítica do Qué Leer. Enquanto o La Vanguardia anunciava ser aquele um novo fenômeno da literatura espanhola.

Seu autor, Carlos Ruiz Zafón, nasceu em Barcelona no ano de 1964. Cidade esta, com a qual ele tinha tanta familiaridade, a escolhida para ambientar sua saga mais importante. Pouco se sabe sobre sua vida pessoal, ele era extremamente reservado, como já afirmou o jornal El País, e apesar do estouro literário alcançado a partir do lançamento de A Sombra do Vento, Zafón se manteve longe dos holofotes.

Foi nos Estados Unidos que decidiu se fixar, em companhia da esposa, quando tinha apenas 29 anos, segundo o próprio autor, por conta de sua paixão pelo cinema e seu desejo de trabalhar como roteirista.

Após o estrondoso sucesso, recebeu inúmeras propostas de Hollywood para adaptar seus romances para as telas, mas, se recusou veemente. Pois, dizia ele, segundo entrevistas dadas anteriormente, que sua obra foi concebida como uma “homenagem aos livros”. E, que apesar da sua paixão pela sétima arte, não via sentido em misturar as coisas.

Autor de vários títulos, foi entre 2001 e 2017 que Zafón presenteou o mundo com sua aplaudida série de ficção composta por 4 livros: A Sombra do Vento, O Jogo do Anjo, O Prisioneiro do Céu e O Labirinto dos Espíritos, este último lançado poucos anos antes de sua partida.

É entre as páginas destes romances que nos aventuramos na companhia de Daniel Sempere a percorrer as prateleiras escuras e empoeiradas do Cemitério dos Livros Esquecidos e a desvendar os mistérios da vida de Julián Carax, autor de A Sombra do Vento, romance lá encontrado por Daniel, que o fascinou completamente.

Num misto de realidade e ficção, vamos adentrando à enigmática e surpreendente Barcelona, percorrendo seus bairros e, em detalhes, descobrindo suas belezas. Zafón consegue nos absorver pela história e sem que percebamos suas páginas nos arrebatam! Somos tomados pelo suspense, adentramos no íntimo de seus personagens, vibramos e sofremos a cada nova descoberta de Daniel. No total, 40 anos de história são retratados na série. O garoto de 11 anos cresce, deixa para trás a pureza da infância enquanto vai se descobrindo e conhecendo o mundo. Um mundo real, sem máscaras, cheio de amor e de ódio. Os livros, sempre seus companheiros, o acompanham durante toda sua caminhada. Uma caminhada de busca pela verdade!

Zafón tem o poder de nos transportar com sua escrita cheia de emoção e repleta de acontecimentos que fazem aflorar no leitor inúmeras emoções.

A cada livro que lia da série, ficava aguardando a publicação da próxima história, e durante esta trajetória fui me aproximando mais de sua obra, buscando e lendo seus outros títulos. Hoje, tenho todos em minha estante, e vez ou outra volto a me perder entre suas páginas.

Zafón nos deixou em meados de 2020, aos 55 anos, em decorrência de um câncer. Mas, seu legado permanecerá para o mundo. O autor espanhol mais lido após Cervantes alcançou milhões de pessoas e foi traduzido em mais de 50 países. Um apaixonado pela literatura que através de suas palavras reverenciava o mundo dos livros.

Cada livro, cada volume que você vê, tem alma. A alma de quem o escreveu, e a alma dos que o leram, que viveram e sonharam com ele. Cada vez que um livro troca de mãos, cada vez que alguém passa os olhos pelas suas páginas, seu espírito cresce e a pessoa se fortalece.

(Carlos Ruiz Zafón em A sombra do Vento)