O tão esperado e comentado filme da Barbie faz jus ao falatório, além do lado lúdico, que é fantástico, aborda temas polêmicos por meio da comédia, fazendo você se questionar do porquê rir se o que acaba de ser abordado é super sério. Talvez seja essa a ideia do filme, afinal é um filme de boneca, é infantil, certo? Não, não mesmo, é um filme super adulto, é um filme feito para adultos, que podem além de tudo ter momentos nostálgicos de suas infâncias.

O filme faz várias críticas, e claro, não vou abordar todas, só as que mais me tocaram, as que me fizeram estar aqui a meia-noite digitando no meu bloco de notas do celular para não deixar passar este ímpeto de escrever um pouco sobre o filme que acabo de assistir. Literalmente acabei de assistir, pois saí do cinema às 23:00hrs.

A atuação dos atores chama atenção, foi tão boa que me causou incômodo. Na verdade, o início do filme me causou nostalgia e incômodo. É isso! Foram essas duas sensações meio juntas, porque é maravilhoso ver o universo infantil ser retratado de uma maneira tão verdadeira, qual criança que ao brincar de boneca não a colocava para tomar banho mas do chuveiro não saía água, ao alimentá-la e/ou dar de beber coloca o alimento apenas perto da boca da boneca, ao brincar uma criança não desce sua boneca pelas escadas, elas pulam de dentro da casa para fora. O brincar ficou muito bem representado, foi muito sensível retratar estas sutilezas que são tão presentes, e que nos faziam rir e relembrar da nossa época de brincar.

Agora, e o incômodo? Me incomodou ver as atrizes, mulheres reais, ali representando as bonecas de uma forma tão verdadeira, sem demonstrar expressão, era sempre aquele sorriso no rosto, tudo lindo e perfeito, ouso dizer que elas nem piscavam. A Barbie principal, representada por Margot Robbie, era meio dura, coluna ereta, braços sempre colados ao corpo, andar perfeito, sempre sorridente, simpática, sempre compreensiva. Aiii que agoniaaa, a sua chegada ao mundo real mostra um pouco desta plastificação, deste não entender das imperfeições do mundo.

Ao chegar no mundo real, a Barbie chega ainda muito ligada ao mundo de fantasia onde todos os dias são perfeitos, tanto que ela se incomoda com os olhares todos voltados a ela, não entende o porquê disso, pois não é o olhar das Barbies em Barbieland. No mundo real olham para ela rindo, apontando, caçoando, e até mesmo desejando-a, ela não sabe lidar com estas situações.

Ao pedir ajuda a um grupo de homens em uma construção, ela se coloca como perfeita ao dizer a eles que ela não tem vagina, ela não tem furo! Quando a Barbie fala a estes outros que não tem genitália ela afirma que não é faltante, ela é perfeita, bom, mas é isso né? A Barbie estereotipada, perfeita, só é possível sem vagina mesmo, porque se tem o furo da genitália, é faltante, é castrada, então não é perfeita!

O interessante é que o Ken, representado pelo Ryan Gosling, que vai para o mundo real com a Barbie, não aceita isso, ele diz a estes homens, quando a Barbie se afasta, que ele tem genitália sim, ele de alguma maneira se entende furado, ele sabe que não é perfeito, já que ele só existe se for com a Barbie, seu dia só é bom se a Barbie olhar para ele, então o mundo dele não tem nada de perfeito.

O Ken consegue ao longo da trama se mostrar errante, é um pouco mais fácil para ele se colocar neste lugar, mas só um pouco. Ele erra ao entender o que é o patriarcado, ao entender que os homens comandam o mundo, tanto que ele achou muito mais legal o patriarcado enquanto acreditava que tinha alguma relação com os cavalos, quando este símbolo cai, quando ele descobre que o cavalo não é importante para o patriarcado, ele admite para a Barbie que essa história até perdeu a graça.

Ao final da trama, a Barbie e o Ken já não são mais os mesmos, a ida ao mundo real deixou uma marca, trouxe o furo. E em uma conversa muito significativa que tiveram, a Barbie diz que ele precisa descobrir quem ele é, quem ele é sem ela! Ah, minha gente, maravilhoso isso! E isso serve para os dois, pois neste momento ela está em transição da boneca estereotipada perfeita para se tornar uma mulher. A partir de então o Ken pode ser o Ken, sem ser Barbie e Ken, descobrir que se é alguém e não o complemento de alguém é libertador!

A mudança da Barbie estereotipada, perfeita, plastificada para uma mulher, para descobrir quem ela é como mulher, é um processo que ela passa, mas não sem ajuda, ela tem o amparo das mulheres do mundo real que eram suas donas quando era uma boneca.

Ela se torna aos poucos, uma mulher comum, assim como a Glória, representada pela America Ferrera, sugere para seu chefe que exista uma boneca que represente uma mulher comum, já que representar esta mulher forte, que trabalha fora, arruma casa, é mãe, esposa, filha, enfim, esta mulher que dá conta de tudo, ou seja perfeita, não existe.

Poder falar de suas faltas, expressar emoções, chorar, sentir-se feia, sentir que por momentos a vida não tem sentido, isso tudo faz parte do ser humano, faz parte da vida, quem nunca sentiu alguma destas coisas, ou todas elas? Poder admitir, para si e para o outro, que não é possível dar conta de tudo é um grande passo.

Que alívio se permitir ser comum depois de tantas exigências, a Barbie estereotipada perfeita pôde escolher ser outras coisas, pôde ser faltante, e venhamos e convenhamos somente quem acaba de descobrir que tem uma vagina para ficar tão feliz em ir ao ginecologista, não é mesmo? Se nas próximas consultas ela vai continuar nesta alegria, jamais saberemos, mas essa não é a questão, mas sim a alegria de se descobrir com um furo, fálica, castrada e não plastificada, assim, até o furo da vagina é bom!

Encerro este texto assim, porque agora eu preciso ir dormir, o mundo real me chama bem cedo e eu provavelmente vou me arrepender de ter ficado acordada até tarde escrevendo quando eu acordar amanhã com mau hálito, olhos remelentos, cabelo desgrenhado, olheiras gigantes, tendo que escolher (e provavelmente passar) a roupa que vou usar para trabalhar, sem esquecer que ainda terei que organizar as marmitinhas do dia, porque estou tentando ser fitness. Ah, e claro que tudo isso é com os pés, bem grudados no chão!