Maquiavel escreveu que “Se um homem pensa assentar a segurança do seu Estado em forças mercenárias, jamais se encontrará seguro.” Esta afirmação goza de renovada atualidade, no sentido em que no século XXI as Empresas Militares Privadas (EMP's) são um dos símbolos da erosão da soberania do Estado.

A sua emergência trouxe, pois, consigo um leque de problemas desestruturantes com implicações na soberania estadual, nos direitos individuais e no recurso à violência em geral. Estas são genericamente definidas como pessoas coletivas privadas com fins lucrativos que prestam serviços que envolvem o potencial uso da força de forma sistemática e através de meios militares e/ou a transferência ou a disponibilização desse potencial aos clientes, e cujo objetivo é a obtenção de lucro.

Obedecem portanto, a uma lógica comercial, regendo-se pela lei do mercado. Assim, as EMP’s viram nas novas guerras uma oportunidade de negócio em que, perversamente, a violência serve a lógica comercial que as enforma, correndo-se o risco de procurarem maximizar o lucro em prejuízo da eficaz prossecução dos objetivos políticos, sendo adotadas táticas que prologuem o conflito enquanto atividade lucrativa. Portanto, “inimigo” passa a ser um conceito de contornos mais circunstanciais e de menor intensidade antagónica. Em teoria, o cliente de hoje pode até ser o inimigo de amanhã.

As modernas EMP’s emergem a partir de 1967, ano em que Sir David Stirling, um dos fundadores do Special Air Service (SAS) britânico, criou a Watch Guard International, uma companhia que empregava antigo pessoal do SAS britânico para treinar militares no exterior. A partir dos anos 70 do século XX, destaca-se em África a Executive Outcomes, com grande envolvimento nas guerras civis de Angola e da Serra Leoa. Com o esboroar do antigo império soviético, e a sequente redefinição dos dispositivos militares, ficaram disponíveis inúmeros homens e material que, com iniciativa, se organizaram e criaram diversas empresas que passaram a estar ativas e a desempenhar um papel diferenciador em zonas de conflito ou de transição, um pouco por todo o planeta.

A partir dos anos 90 do mesmo século, o termo EMP começa a ser vulgarizado no léxico militar. Com a Guerra nos Balcãs, a atividade sofre um grande incremento, mas o grande boom vem com o conflito no Iraque. A atuação destas empresas é hoje global, estando contabilizadas mais de 250 companhias que funcionam em mais de 50 países nos diversos continentes, da Libéria a Timor, da África do Sul à Chechénia, dos Balcãs à Colômbia, sendo, no entanto, os seus principais teatros de intervenção o Afeganistão e o Iraque, com 90 mil contractors para 99 mil soldados norte-americanos, no Afeganistão, e no Iraque 64 mil contractors para 45 mil soldados norte-americanos (Schwartz; Swain, 2011).

A contratação das EMP's por parte de Estados Democráticos diminui a necessidade de os governos recrutarem mais tropas ou de recorrerem às forças na reserva. Além do mais, as baixas não-militares não constam dos relatórios militares oficiais, sobre este tema veja-se o conflito do Iraque, conforme acima referido, que foi terreno fértil para o seu desenvolvimento, já que as baixas entre funcionários das EMP’s constituem o segundo maior número depois das baixas entre as forças armadas dos EUA. Terão morrido mil funcionários de EMP’s e 13 mil terão sido feridos.

Por outro lado, ainda, podem intervir em locais onde os Estados não querem empenhar as suas forças armadas ou de forma que não seria bem aceito pela opinião pública ou mesmo pela comunidade internacional, designadamente no caso de conflitos internos.

Assim, a violência legítima organizada sendo uma competência que caracterizava a soberania dos Estados, com as EMP’s é introduzida uma dimensão privada no fenómeno, contribuindo para aquilo a que tem vindo a ser designado por privatização da violência.

Esta privatização de serviços militares rompe com esta conceção de Estado, ao serem contratados para prestarem serviços militares privados essencialmente a Estados, precisamente quem, no conceito weberiano, goza de legitimidade para organizar a violência, dando a entender que não existem funções que não possam ser privatizadas.