O amor é um tema complexo e presente em diversas áreas do conhecimento, desde a filosofia mais antiga até a psicanálise moderna. Há cerca de 400 anos antes de Cristo, Sócrates já defendia que o amor remete sempre à falta, à incompletude e à imperfeição, e, por isso, não pode ser belo. Para ele, o objeto amado é sempre um representante da carência do sujeito e revela o narcisismo que se manifesta na escolha do objeto. Muitos anos depois, Freud e Lacan também abordaram o tema do narcisismo do amor, indicando que, superficialmente, o sujeito direciona seu amor ao que ele gostaria de ser ou possuir, na ilusão de se completar. No entanto, o objeto amado é sempre uma construção fantasiada, representando a falta e a carência do sujeito, o que revela o narcisismo que se manifesta na escolha do objeto. Assim, com Lacan, surge, no meio de muitas teorizações, o seguinte aforismo: amar é dar o que não se tem a quem não o quer, mas, afinal, o que isso quer dizer?

Assim como Freud, Lacan possuía um humor corrosivo. Desfrutava de trocadilhos e toda variedade de piadas. Foi o que podemos chamar de especialista em trocadilhos e aforismos, mas, principalmente, no manuseio da técnica da representação pelo oposto, como podemos perceber por essa formulação sobre o amor.

Para compreender o que Lacan quis dizer quando escreveu, em outras palavras, que o amor consiste em oferecer o que não se possui a alguém que não o deseja, é necessário compreender o que ocorre entre os supostos amantes e amados. Precisamos entender primeiro, então, o que é o amante? Para Lacan, é aquele que, percebendo que algo lhe falta, mesmo sem saber o que é, supõe que no outro, o amado, existe algo que o completaria. Por sua vez, o amado, sentindo-se escolhido, supõe que tem algo a oferecer, embora não saiba exatamente o quê. No entanto, como o amado também é um ser falante e carente, também lhe falta algo, assim como ao amante. Portanto, o que ambos têm a oferecer é o vazio, a inexistência. E aquilo que o amado acredita ter para oferecer não é o que falta ao amante.

Em um segundo momento, compreender o que o teórico fala sobre o que damos e não possuímos requer outras considerações. Lacan analisa isso com um exemplo bastante simples: "Eu te amo, mesmo que você não queira". Isto é: o Outro não deseja um amor que acabe com a sua falta.

Assim, para a psicanálise, o ser que mais amamos é inevitavelmente o ser que mais nos insatisfaz. Isso porque o objeto amado é um ser híbrido, constituído pela pessoa exterior com quem convivemos e pela presença fantasiada e inconsciente em nós. O laço que une essa fantasia à existência física do amado se origina na falta e no narcisismo do amante. Essa duplicidade do amor reflete, portanto, a impossibilidade da fidelidade, já que traímos o objeto amado real mascarando-o com o véu da fantasia inconsciente, que somente privilegia o narcisismo de quem ama.

O amor não pode, portanto, ser entendido como um sentimento simples e puro, mas como uma complexa teia de emoções e fantasias que envolvem o sujeito e o objeto amado. Por isso, é importante refletir sobre o papel do amor em nossas vidas e como ele pode estar relacionado ao nosso próprio narcisismo e carência.

É preciso estar consciente de que o objeto amado não pode ser a solução para nossas faltas e desejos, já que ele próprio é uma construção fantasiada que reflete nossas próprias necessidades. Devemos nos atentar, então, às nossas próprias carências e narcisismos para não depositarmos no amor a responsabilidade de nos completar. O amor pode ser um caminho para a felicidade, mas não pode ser a única solução para nossas insatisfações e desejos.