Estar ansioso é estar na expectativa. Empenhado em conseguir e em realizar projetos, sonhos e desejos, o indivíduo vive de uma maneira instável, pois seu cotidiano é preenchido com expectativas, flashes antecipados do futuro.

A insatisfação com o cotidiano, os planos de sucesso, realização, poder e ganho de dinheiro levam os indivíduos a empreender. O empreendimento é o que encarcera e mantém nutrido o desejo. Essa manutenção do desejo requer dedicação ao que se espera e que não existe, não está acontecendo. É a manutenção da quimera, dos dragões inexistentes que resolverão as dificuldades. Extenuados pela expectativa, esvaziados pelo despropósito de suas existências constroem castelos no ar. A manutenção deles desespera, cria esperanças e gera ansiedade.

A ansiedade atormenta e compromete. Ela exige malabarismos, mentiras e resistência. Esperar o impossível é a repetição diária que se vivencia. Equivale a sobreviver sem alimentação, sem nutrientes. Esse processo é como uma autofagia. Para exercê-la é primeiro necessário se dividir entre o que existe e o que não existe, entre o que se deseja e o que acontece.

Inúmeras e sucessivas divisões esgarçam o cotidiano. Rodeado de fiapos o indivíduo se enrola, se amordaça. A ansiedade, a expectativa constante de que tudo vai se resolver é a varinha de condão salvadora e aliciadora. Ser salvo e aliciado é contraditório, embora constante nas fileiras religiosas e de vários partidos políticos. É dessas situações que surgem os mitos, os salvadores da pátria, os messias.

Tentar ganhar, tentar atingir propósitos gera ansiedade, pois é retirar-se do presente, de sua realidade, obrigando a realização de contorcionismos. É a espera adiada, sempre renovada pela fé em “dias melhores” ou na “proteção de Deus”. É esperar o que não chega, mas deverá chegar. Adiar o adiado é o impossível conseguido pelo ser humano quando ele não aceita limites e nem a própria realidade.

Samuel Beckett, na peça Esperando Godot, desenvolve magistralmente os temas da espera e do vazio. A fragilidade da condição humana, não encontrar sentido na vida, a repetição e a mesmice da existência formam o arcabouço da peça que se desenrola com o diálogo entre personagens que, conformados, esperam Godot, aquilo ou aquele que trará o resgate, que mostrará o sentido da existência humana e a libertação da opressora recorrência dos sofrimentos e das alegrias.

A certa altura do diálogo, um dos personagens, Pozzo, diz: “As lágrimas do mundo são em quantidade constante. Para cada um que irrompe em choro, em outra parte alguém para. Com o riso é a mesma coisa. Não falemos mal, então, dos nossos dias, não são melhores nem piores do que os que vieram antes. Não falemos bem, tampouco.” A atmosfera da peça é, do início ao fim, opressiva e marcada pela desesperança, pela falta de propósitos em todas as ações, pela sensação de que viver é absurdo e repetição, e de que não há alternativa a não ser “fazer nada” e esperar Godot.

Muito se discute entre críticos literários o significado de Godot. Afinal Godot é alguém, é algo, ou seria a satisfação, ou o novo (novidade)? Seria Deus, seria o amor, a compaixão? Beckett, quando perguntado sobre isso em entrevistas respondia que não tinha nada a dizer além do que escreveu.

A peça de Beckett é um grande manancial psicológico, desde que as mais diversas formas de comportamento são enfocadas. É um retrato da existência caracterizada pelo comportamento decorrente de expectativas consideradas como substância do viver, do estar no mundo com os outros. A recorrência constante ao passado, às memórias, remetendo à sensação de repetição e mesmice, a expectativa de que algo novo deveria surgir – e nunca surgia – e a consequente vivência de falta de sentido, são um paralelo da vida esquematizada, da não vivência do presente, da não aceitação da realidade, da ilusão, da construção de castelos no ar.

É interessante lembrar que a expressão “esperando Godot” se refere à atitude de inércia, de inação diante da vida, de falta de enfrentamento das inúmeras situações desafiadoras que surgem no dia a dia, de apatia frente aos próprios desejos, aspirações e opiniões indagadoras, optando por aguardar ansiosamente que “algo aconteça”, que alguém apareça e mude as situações, que os “sonhos se realizem”, que as ambições se cumpram espontaneamente.

Ao não conseguir enfrentar limites e operar no existente, surgem escapes, espera-se Godot, seja isso o que for, e por mais redentor que ele seja é alienante, pois é um faz de conta que aparenta exercer uma transformação de prisão em saída, de impossibilidades em possibilidades. O preço pago por esse arrendamento é a conhecida ansiedade que tudo corrói, pois na ansiedade é impossível se deter no que ocorre. A busca desenfreada por resultados gera expectativa e medo, obriga buscar sedativos ou tranquilizantes. Os remédios, as drogas lícitas e ilícitas passam a povoar o universo do ansioso, pois são a única maneira de retirá-lo do balão de expectativas que o deixa imobilizado.

É por meio do questionamento que encontramos o sentido da vida, e também é assim que colocamos os pés no chão e andamos.