Olá, caros leitores!
Alguém aqui já chegou aos 40 anos?
Bem, eu sou da "geração 40+" e confesso que a crise dos 40 bateu. Ela foi tão intensa que eu resolvi acordar "do coma" e refletir sobre o que deu certo e o que não está funcionando na minha vida.
Um fato a considerar que não existia na infância de quem tem 40 anos ou mais é a presença das redes sociais. Por se tratar de uma compilação dos melhores momentos da vida de uma pessoa, fica difícil não se comparar quando a autoestima está baixa. A vida "instagramável" é como um comercial de margarina: toda a família sentada ao redor da mesa, sorrindo e conversando de forma alegre e descontraída, com olhares fraternos e sem pressa para ir ao trabalho ou à escola. Tudo é muito lindo e invejável!
No entanto, a vida real reflete algo bem diferente. Afinal, como diz o ditado, "quem vê palco, não vê bastidor".
Isso quer dizer que, mesmo tendo tudo, você pode ter a sensação de não ter nada ou de não ter sido bom o suficiente. A crise da meia-idade é a prova disso. E para quem pensa que esse tipo de crise é um mito ou apenas mais uma teoria, saiba que ela é real e foi comprovada cientificamente. De acordo com uma publicação da revista Veja1, a fase jovem adulta (que se estende até os 40 anos) é marcada por um índice de insatisfação, que atinge seu pico aos 42 anos. Vale ressaltar que esse não é um valor "engessado". Algumas pessoas podem até mesmo vivenciar a crise aos 50 anos.
O estudo foi conduzido pela Universidade de Warwick, na Inglaterra, e consistiu na aplicação de um questionário a mais de 50 mil adultos da Austrália, Grã-Bretanha e Alemanha. O objetivo da pesquisa era avaliar o nível de felicidade em diferentes fases da vida.
Os cientistas constataram que o grau de felicidade apresentava uma curva com formato de U, começando com um nível de satisfação alto, diminuindo progressivamente até os 40 anos. Segundo um psicoterapeuta britânico, a faixa dos 40 anos é marcada por responsabilidades como trabalho e cuidado com os filhos, se comparada à infância e à velhice. Por esse motivo, o índice de contentamento com a vida tende a cair um pouco.
Outro fato observado é que a crise da meia idade costuma atingir mais as classes médias ou altas, pois nessas classes é possível deixar o emprego para refletir melhor sobre suas escolhas e objetivos de vida, sem se prejudicar financeiramente.
Nas camadas mais baixas, a crise está relacionada à sensação de fracasso por não ter alcançado estabilidade financeira aos 40 anos, nem conseguido comprar um carro ou imóvel próprio. Ainda segundo publicação da revista Gama2, parceira da UOL, os 40 anos são uma etapa da vida em que as pessoas apresentam mais casos de depressão, insônia, sobrecarga na vida pessoal e insatisfação com suas carreiras. Isso pode ser um ciclo vicioso, considerando que longas jornadas de trabalho geram estresse, problemas de sono e dificuldade para se alimentar adequadamente.
Outro fato curioso é que a crise atinge tanto homens quanto mulheres. No caso do sexo feminino, as mudanças hormonais, como a menopausa, também influenciam a crise. No entanto, o que ambos os sexos têm em comum é o questionamento que move a crise: "Será que fiz tudo certo até aqui?" e "Será que esse é mesmo o meu propósito?". Esse tipo de questionamento gera a crise, desencadeando uma série de pensamentos angustiantes.
No meu caso, a crise chegou após inúmeras tentativas de ter trabalhos aceitos e pagos, como artigos e ensaios. Ao invés disso, tenho recebido dezenas de e-mails de rejeição, com a mensagem de que "seu trabalho não é uma boa opção para nós". Muito se deve ao fato de eu não ser uma falante nativa de inglês, visto que envio os conteúdos para sites e colunas internacionais. Aqui no Brasil, o trabalho de colunista se concentra mais nas áreas de jornalismo, marketing, publicidade e letras. Eu fiz pedagogia, área mais voltada para lecionar para crianças.
Outro dia, me perguntei: "Será que fiz a graduação errada?" "Tenho 40 anos ou mais e nenhuma carreira definida." "E se eu chegar aos 50 anos do mesmo jeito que aos 40?"
O meu marido me disse que me faltaram duas coisas: um filho e uma segunda faculdade (porque escolhi aquela aos 20 anos). Eu não sinto falta de um filho e ainda estou pesquisando uma segunda faculdade.
Como resultado, a crise me tornou uma pessoa esquiva e evitativa, sem vontade de socializar com ninguém. Afinal de contas, não preciso ouvir sobre feitos e carreiras bem-sucedidas de outras pessoas.
A verdade é que, em um processo de crise, a pessoa começa a duvidar das próprias escolhas, caminhos e objetivos traçados. É como se tivessem passado da validade, e por esse motivo seria difícil de digerir. Mas será que essa crise é permanente? O que podemos tirar de positivo dela?
Dá para superar a crise de meia idade?
É importante ressaltar que a manifestação da crise varia de pessoa para pessoa. No entanto, um editorial3 de saúde mental elenca os sintomas mais comuns:
Tédio;
Falta de motivação;
Ansiedade;
Depressão;
Insatisfação com a rotina;
Sensação de vazio;
Divagar sobre outro estilo de vida;
Mudanças significativas no comportamento e nas emoções;
Pensamentos do tipo “e se eu fosse outra pessoa”; “e se eu tivesse seguido outra carreira”;
Voltar a ser jovem, e ter a vida emocionante que todo adolescente tem.
Ainda segundo o editorial, a crise da meia idade é primeiramente desencadeada por uma situação gatilho, que pode estar relacionada com o emprego, a falta de oportunidades na carreira que almeja, a falta de sentido no dia a dia, o medo de ficar para trás frente ao sucesso alheio.
Uma vez identificado o que motivou a crise, começa uma fase de reflexões e pensamentos sobre o que deu certo e o que deu errado no alcance dos objetivos da pessoa. É nessa fase, que ela é invadida por pensamentos de fracasso, insucesso, sentimentos de inferioridade, e raiva de si mesmo.
A dor muitas vezes nos move para a ação. Nesta etapa da crise, o sujeito começa a elaborar ajustes criativos a fim de encontrar uma saída para o que tanto o angustia. Fazer um novo curso, mudar de emprego, iniciar novas amizades são alguns dos exemplos.
É necessário enfatizar que nem todo mundo responde às fases da mesma forma ou na mesma ordem. Cada pessoa é única e pode transitar entre as fases de acordo com o que estiver sentindo no momento.
Uma das maiores frustrações ou queixas apresentadas por pessoas em crise é o fato de terem 40 anos ou mais e não terem alcançado o sucesso ou as realizações que almejaram no início de suas carreiras. A sensação de não conseguir recomeçar é bastante comum e faz com que a pessoa acredite que não conseguirá “se reerguer” nem na vida nem em seus projetos.
É crucial enfatizar que as expectativas dos pais em relação à jornada dos filhos têm um peso importante na tomada de decisão da criança, podendo impactar sua vida no momento de escolher uma carreira e o que esperar dela no futuro.
Não há um tempo definido para a duração dessa crise. Ela pode durar semanas, meses ou até anos. O que irá determinar sua duração são as demandas e a história de vida do indivíduo. A minha, por exemplo, já dura há anos. No entanto, tenho tentado colocar em prática algumas estratégias por meio da psicoterapia. A saber:
Tenha uma atitude positiva diante da crise. Em vez de pensar no que "não deu certo", procure pensar no que pode dar certo. Faça uma lista das atividades de que você mais gosta e busque oportunidades para realizá-las. Além disso, defina novos objetivos, pois os atuais são diferentes dos do passado.
Pratique exercícios físicos para melhorar o humor e a disposição. Para relaxar a mente, busque atividades prazerosas, como um hobby, por exemplo.
A única coisa permanente é a mudança, por isso aceite essa nova fase como um aprendizado rumo a algo melhor em sua vida. Uma fase de reflexão profunda sobre você, seus valores e objetivos.
A crise da meia idade não é consenso entre os pesquisadores. Alguns acreditam que se trata de um mito, enquanto outros acreditam que ela de fato existe. Um grupo acredita que ela é situacional e ocorre independentemente da idade, enquanto outro crê que ela ocorre na meia idade da vida, pois se trata de uma faixa etária em que a pessoa já passou por experiências significativas.
Fato é que, em algum momento da vida, todos nós nos deparamos com a seguinte indagação: "Devo ir ou devo ficar?" (em inglês, should I stay or should I go), ou seja, devo ir em busca da mudança ou devo ficar na minha zona de conforto. Dito desta forma, parece fácil e motivador, mas, na realidade, é um processo bastante dolorido.
Apesar de ser uma fase dolorosa e angustiante por não termos conseguido atingir nossas metas e expectativas, a crise da meia idade pode nos trazer ensinamentos importantes. Esses ensinamentos só você poderá identificar, pois cada pessoa tem uma história de vida. O importante aqui é refletir, não se comparar com a vida do outro, mas olhar para dentro de si.
A mudança surge aos poucos, sem data nem horário definidos. O que vale é viver e buscar o que dá sentido à sua vida, pois uma vida sem propósito é uma vida sem sentido.
O convite que lhe faço é: abrace a crise e não fuja dela. É provável que doa, mas lembre-se: com o tempo a dor diminui e o que fica é o aprendizado.
É isso. Foi muito bom falar com você!
Notas
1 A crise dos 40 anos é real. Mas ela passa.
2 Crise dos 40 tem a ver com classe social?.
3 A crise dos 40 anos em homens e mulheres: sinais, causas e como superá-la.