É que não há um Santo com bigode! Há santos com barba ou sem ela, mas não há nenhum que ampare o seu nariz num harmonioso jardim piloso. Aliás, não conheço nenhum padre, frade, bispo, cardeal que consiga segurar um bigode. Não é de admirar que a Igreja se vá afastando cada vez mais da população.

Mas não me venham com bigodinhos e buços, simples vírgulas intermitentes, desgarradas, sem personalidade. Um bom bigode tem de ser sempre farto e façanhoso - repleto de façanhas assombrosas e inspirador de outras. Um dos bigodes mais façanhosos da história foi o de Emiliano Zapata. Grande bigodaça, aquela! A sua envergadura competia com a do próprio sombrero. Pareciam as asas de um abutre. Consta que, com uma aragem de feição e inclinando a cabeça para trás, Emiliano conseguia planar pelo deserto. E dizem que não raras vezes conseguiu escapar assim aos «Rurales».

Outro dos bigodes que vai para sempre marcar a história da humanidade é o de um filósofo grego, contemporâneo de Sócrates, que só agora foi descoberto por investigadores duma prestigiada universidade grega. Trata-se de Xánatos. E o que o distingue no painel de todos os maiores filósofos gregos é o seu esfuziante bigode. Não era uma “Maria vai com as outras” para sucumbir, submisso, ao uso da barba hirsuta, ele afirmou-se sempre com um senhor bigode.

Há dias em que me sinto mais. Há dias em que me sinto mais.

Esta foi uma das primeiras frases escritas recuperadas do pensamento de Xánatos, o filósofo grego do bigode rijo, o rival de Sócrates. Uma preciosidade, uma lasca viva de filosofia, trazida até nós na concha das mãos do aturado grupo de arqueólogos do pensamento humano que o vem estudando e descobrindo. Atente-se à leveza poética e ao peso do significado. Um regalo. É sabedoria em filigrana.

A obra de Xánatos vem deixando-se destapar, devagarinho, véu a véu, como que com pudor, receoso da sua própria excelência, clarividência. E o deslumbramento é constante, certificam-no os investigadores encarregados das traduções e interpretações. Xánatos também não escreveu nada. Não porque quisesse imitar Sócrates, Xánatos nunca registou os seus pensamentos porque nunca chegou a perceber se era destro ou canhoto, que era algo que o arreliava e o inibia a realizar certas tarefas (daí a alcunha que, especula-se, teve durante uma curta fase da sua vida: «o calão»). De notar que Sócrates não tinha melhor desculpa para não escrever: ele simplesmente não sabia escrever, temos de ser francos. Quem registou os brilhantes pensamentos de Xánatos foi o seu discípulo, um jovem que se chamava Ptolo, um estudante fiel e trabalhador, filho de um nobre poderoso (foi a conclusão a que o próprio nobre chegou, uma vez que tinha aquele rapaz a viver lá em casa). É na caligrafia de Ptolo que tem surgido o pensamento de tão ilustre filósofo.

Há dias em que me sinto mais. Há dias em que me sinto mais.

Sublime.

E a prova de sua autenticidade está, desde logo, na repetição. Essa é uma particularidade dos registos dos pensamentos de Xánatos (sempre julgou, condescendente, que o problema do seu discípulo Ptolo, e causa das suas parvoíces, era a surdez, pelo que repetia sempre e pacientemente tudo o que lhe ditava. Mas Ptolo, aquele estúpido, escrevia tudo a dobrar.)

É óbvio que já há polémica, estas coisas são assim. Há estudiosos que contestam o rigor da tradução, dizendo que houve uma troca de verbos. Em vez de “sentir” alegam que o vocábulo original deve ser traduzido para “sentar”. Devendo a frase ser: “Há dias em que me sento mais. Há dias em que me sento mais”. Partindo daqui, já há até quem, maliciosamente, tente aferir considerações sobre a saúde do filósofo. Tudo vago e infundado. Inclusive, sabe-se que as hemorroidas só foram descobertas muito mais tarde, aquando da disseminação do caril.

Mas onde é que eu ia? Ah! O bigode! Vou passar a usar um na minha cara, era aí que eu queria chegar, era essa a comunicação solene que eu queria aqui deixar ao país. E, como se prova pelo texto acima, ter um bigode é, entre outras coisas, inspirativo da mais belíssima prosa.